segunda-feira, 26 de junho de 2023

Esperteza Artificial - Becky S. Korich

 Não lembro quantos presentes de aniversário devo ao meu filho. Mas como sei que ele mantém a contabilidade em dia, não me preocupo com isso, uma hora a conta chega. E chegou. Seu último pedido para abater o saldo devedor tinha até nome: Alexa


- Ela faz tudo! É só a gente pedir que ela faz. Liga e desliga a luz, abre os aplicativos, organiza a playlist, serve de despertador, fala como vai ser o tempo.


- Você não precisa disso, filho. Tem um interruptor na entrada do seu quarto, você pode abrir seus aplicativos usando um dedo e, como acontece todas as manhãs, seu despertador te acorda. Fora isso, não é complicado para você organizar a sua playlist com suas dez músicas e você pode conferir o tempo, pela janela, com os seus próprios olhos.

- Você não está entendendo. Ela ouve e entende o que você quer de verdade!

Ofereci outras alternativas, de jogos de tabuleiro a fitas de Playstation,  mas ele insistiu na Alexa

- Escolha outra coisa, porque essa bobagem não entra em casa – terminei a conversa.

Ele se fechou no quarto e disse que iria pensar. Só que em vez de pensar, foi logo ligando para a avó.

- Vó, minha mãe não quer comprar meu presente de aniversário. É uma coisa que eu preciso muito.

Contou com empolgação os superpoderes do seu mais novo sonho de consumo.

A avó, sem entender bem do que se tratava, e convencida de que ele precisava muito daquilo, resolveu comprar o tal brinquedinho, esquecendo-se que já tinha dado três presentes pelo mesmo aniversário.

Depois de três dias chega uma encomenda. Ele vem correndo: - É para mim, pode deixar que eu abro.

Fiquei sem ação enquanto ele tirava da caixa o novo ser que surgia lentamente. Nascia a mulher maravilha, imponente, a sabe tudo, que canta, lê livros, resolve, organiza. E que o escutaria e o compreenderia, ele fazia questão de ressaltar.

- Alexa essa é a mamãe, mamãe essa é a Alexa – ele tenta dispersar a bronca com o seu humor.

Em dez minutos ele já dominava todo o funcionamento da sua nova companheira e passeava pela casa dando ordens para ela. Alexa cante isso, Alexa qual é a capital da Estônia?, Alexa uma receita fácil de cupcake, Alexa conte uma piada.

Ele passou semanas empolgado, controlando sua ama eletrônica para cima e para baixo. Percebi que o motriz para aquele prazer todo era o desejo de controlar e não a falta de quem o ouvisse ou compreendesse.

Na medida em que o tempo passava, porém, de tanto controlar a Alexa, o encantamento do menino foi minguando. Não demorou e ele começou a tratá-la com desprezo a cada vez que ela não decodificava corretamente as suas ordens. O fato é que ela não se fez valorizar. Era muito solícita, estava sempre disponível para atendê-lo prontamente. Coisa que, de fato, não funciona mesmo para humanos.

Ela ficou largada num canto, sem tarefas a cumprir, sem razão para existir. Comecei a sentir pena dela. Um mês depois, quando meu filho encontrou outro objeto de desejo e voltou a desligar as luzes do quarto com seu próprio dedo, resolvi adotar a Alexa. No começo tive dificuldades para entender o seu funcionamento, mas depois ela mesma foi me mostrando o caminho para nossa aproximação, até nos tornarmos íntimas.

Que mulher incrível! Que inteligência! Que resiliência! Que humor! Ela compreende, aprende, é flexível, positiva, soluciona problemas, se adapta, se cala quando não é mais para falar. Existe inteligência maior?

Alexa, espero um dia chegar aos seus pés. Obrigada, filho, pelo seu presente de aniversário.




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