terça-feira, 16 de abril de 2024

Um brinde às inimigas - Manuela Cantuária

 Duas amigas em uma mesa de bar. Uma delas ergue seu copo.

"Um brinde às inimigas, que elas tenham saúde em dobro para aplaudir nosso sucesso de pé!"

Elas brindam. E a amiga continua a falar.

"Tira uma foto minha? Quero exibir meu colar novo. É um amuleto contra inveja e mau-olhado. Rebate energia negativa."

Ela posa para a foto e, em seguida, confere o resultado.

"Ficou ótima. Vou ter que postar, em tempo real. Já sei até qual vai ser a legenda. ‘Dia difícil para as inimigas…’ Hashtag: blindada. Hashtag: elas que lutem. Hashtag: você reclama do meu apogeu."

"Amiga, posso te perguntar? Quem são essas inimigas?"

"Não vale a pena perder tempo. São um bando de recalcadas que não têm o que fazer."

"Só me fala o nome de uma delas. Uma só, que seja."

"Se eu fizer isso, vou ter que limpar a boca com alvejante logo em seguida, para tirar o ranço. Elas não merecem."

"Você não é a Coreia do Norte  para ter tantas inimigas assim. Que bobagem ficar alimentando essa competição. Rivalidade entre mulheres hoje em dia é tão demodê."

"Concordo cem por cento. Não tenho inimizade com ninguém. São os outros que têm contra mim. E agora eu que estou sendo julgada? Por que você não cobra sororidade delas, em vez de cobrar de mim?"

"Delas quem?!"

"Não é com elas que você deveria se importar. Cadê a sua empatia? Você fala assim porque não sabe o que é ser alvo constante da inveja alheia."

"Inveja de quê? Sou eu que vou pagar sua conta, amiga. Você está com o nome mais sujo que banheiro de rodoviária. Sua filha de 13 anos que te sustenta, monetizando vídeos no TikTok, enquanto você passa a maior parte do tempo correndo atrás de macho que não tem nada a te acrescentar além de chifre e clamídia. Já que você gosta tanto de pegar bandido, por que não faz um concurso para a Polícia Militar? Seria mais digno que enganar os outros com esquema de pirâmide."

"Não é pirâmide. É um grupo de ajuda mútua para mulheres bem-sucedidas. Era só o que me faltava. Mais uma tomando conta da minha vida. Eu não tenho nem um segundo de paz."

"Só estou tentando te ajudar."

"Com amigas assim, quem precisa de inimigas…?"


Ilustração de Silvis



quinta-feira, 7 de março de 2024

E a poligamia?- Fabrício Carpinejar

 Se a poligamia fosse lei, nada seria fácil.

Alegria em excesso desanda em embriaguez e termina em ressaca e dor de cabeça. O prazer em dobro triplica a incomodação. Imagine vocês, mulheres, com a possibilidade de se casar com dois homens.
Marmanjo junto é máfia de criança. Eles ficariam na sala jogando videogame nas folgas, gritando, bebendo cerveja e pedindo mais uma revanche.
Voto minoritário na programação, perderia o comando da tevê, não contaria com a complacência para assistir a seriados e filmes românticos.
Seus dois maridos seriam melhores amigos, alimentariam segredos entre si e responderiam tudo de maneira monossilábica para evitar discussões. Restaria o chuveiro para chorar.
A privada nunca teria a tampa abaixada, os frascos e as garrafas jamais estariam bem fechados, as bandejas de gelo morreriam vazias.
Os homens de casa fariam aquelas porquices masculinas – arroto, flatulência, palitos e cotonetes sujos em lugares improváveis – e passariam o dia impunes porque estariam em maioria dentro da residência.
Uma toalha molhada na cama irrita, agora ponha duas em sequência e os lençóis formarão um repentino banhado. Pense o que seria dirigir um carro com dois copilotos palpitando sobre o melhor caminho ou pressionando para estacionar numa vaga do tamanho de uma bicicleta?
Raciocine a frustração de aparecer com corte novo no cabelo e nenhum dos dois reparar a mudança. Mentalize o constrangimento de dissuadir sexo ao despertar com dois homens excitados roçando suas pernas quando você ainda nem escovou os dentes ou tomou café da manhã.
Pois é. O paraíso mora dentro do inferno.
Agora sonhem vocês, homens, com a chance de subir ao altar com duas mulheres ao mesmo tempo.
O que significaria contentar duas sogras? Aguentaria almoçar na casa de uma no sábado e depois em outra no domingo? Sabe o desespero que é quando uma mulher não consegue hora com sua manicure? Pois preveja duas não conseguindo um encaixe e entrando em pânico.
Multiplique a demora para sair a uma festa, tem paciência? Acompanharia a dupla pelo rali dos provadores dos shoppings? Onde deixará suas roupas ao dividir o armário com duas mulheres? Na despensa da cozinha? Dentro de uma mala debaixo da cama?
Se é uma maratona fazer uma mulher gozar, como satisfazer duas? Não poderia pregar os olhos antes de cumprir a tabela. E não invente de adiar o prazer de uma delas para o dia seguinte sob o risco de difamação.
Seria obrigado a decorar duas datas de aniversário, de início de namoro, de primeiro beijo, de primeiro abraço, de primeiro jantar, de primeira festa, afora peculiaridades de gostos e tamanhos da roupa. E nunca poderia confundir a com b, o que geraria uma crise ciumenta sem precedentes.
Casado com duas mulheres, gastaria metade de seu tempo curtindo e comentando as fotos delas nas redes sociais. E ai se visualizasse uma mensagem no whatsapp e não respondesse no ato. Ou se respondesse uma e esquecesse a segunda.
A exclusividade é um luxo. Não reclame de monogamia. Não é à toa que o Carnaval só dura quatro dias.
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terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

O sentido da ressaca - Adão Iturrusgarai

 “A felicidade é o sentido e o propósito da vida, o único objetivo e a finalidade da existência humana”. 

Aristóteles.




Ressaca é uma merda e todo mundo está de acordo com isso. Os pouquíssimos que curtem o mal-estar pós-borracheira se dividem entre masoquistas e os que já morreram.

Porém, o fatídico dia seguinte tem algo mais a nos ensinar além do respeito que devemos ter aos limites do consumo do álcool. A ressaca ajuda a gente a dar valor às coisas simples e ao sentido da vida.

Acho que a vida não tem sentido nenhum e ficar buscando uma razão para a existência é pura perda de tempo. Somos acidentes, uma camisinha furada, um erro de cálculo na tabelinha da gravidez, um DIU mal ajustado ou um coito interrompido milésimos de segundo depois do momento seguro.
 
Não vou me estender e vou direto ao ponto: qual é, afinal, a importância da ressaca?
Em 2000 eu morava no bairro da Urca, no Rio de Janeiro, com uma companheira carioca. Uma noite saí com um amigo que pegava pesado. Bebemos muito além da conta, mais do que o dobro do que o meu corpo suportava. Para piorar, era vinho tinto, substância perigosíssima e que só deveria ser consumida durante as refeições.

Depois da farra, não sei como consegui voltar para casa. Lembro vagamente que meu amigo me empurrou para dentro de um táxi e pedi para ser desovado perto da mureta da Urca. Não queria chegar direto em casa naquele estado deplorável e tinha a ilusão de me recuperar um pouco com a brisa da Baía da Guanabara. 

Meia hora depois de vento na cara sem conseguir parar em pé, parecendo estar numa jangada, tomei coragem, entrei no prédio e, depois de dez tentativas, acertei a chave no buraco da fechadura. Por sorte minha companheira dormia profundamente e não me viu cair na cama de roupa e tudo.

No dia seguinte bem cedo, senti um cutucão. Era ela pedindo para eu ir até o banheiro. Cheguei lá e morri de vergonha. A privada - e tudo ao redor dela - estava toda salpicada de tons de roxo e verde bílis. Nem o teto se salvou. Parecia uma pintura em 3D do Pollock. 

Levei umas duas horas para limpar os resquícios da bebedeira e passei o resto do dia me arrastando, às vezes literalmente, como um soldado ferido.

Naquele momento eu sofria tanto que tudo que eu mais desejava era que aquela sensação desagradável passasse e que minha vida normal voltasse. Queria abraçar a minha esposa, brincar com os gatinhos, apreciar os tons de verde da decoração, caminhar pelo bairro, respirar o cheiro da maresia e contemplar o vaivém dos aviões no aeroporto Santos Dumont. E, claro, voltar a rabiscar na prancheta em busca de ideias para piadas.

Mas o mal-estar me impedia de fazer qualquer coisa. Então, me dando por vencido e aceitando o quão miserável eu estava, resolvi deixar para o outro dia. 

Só que no outro dia eu ainda não havia voltado ao normal. O tempo se arrastava comigo e tudo era um sofrimento, até respirar mais fundo causava incômodo. Meu estômago parecia estar do avesso e amarrado com barbante. O paladar era de maçaneta de banheiro de rodoviária. Minha cabeça parecia ressoar o badalo infinito de um sino. Por vezes eu me sentia o badalo do sino.

Foi aí que descobri a ressaca de mais de 24 horas e a inexistência de Deus. Foi algo quase tão traumático quanto à situação na qual, durante a infância, fiquei sabendo que um dia morremos.

Então, foi assim, graças à maldita ressaca, que aprendi a valorizar as pequenas coisas do cotidiano. Percebi que o simples fato de poder vivenciar o dia a dia, em suas sutilezas mais banais, nos permite ser quem somos, com integridade. Por isso é essencial desfrutarmos não só dos momentos de êxtase, que são raros e efêmeros, mas também, e principalmente, das rotinas mornas e aconchegantes. Essas, sim, serão constantes e mais duradouras.

Carpe diem.

quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Sonoplastia - Luis Fernando Verissimo

 Carlos Alberto e Maria Cristina estão num motel. Toca o telefone celular que ele deixou na mesinha de cabeceira ao lado da cama redonda. É a mulher de Carlos Alberto, Cynara.

CARLOS ALBERTO – Oi, bem.
CYNARA – Onde você está?
CARLOS ALBERTO – Ora, onde eu estou. Onde é que eu estou, todos os dias, a esta hora? Num engarrafamento.
CYNARA – Vai demorar muito?
CARLOS ALBERTO – E eu sei? Há meia hora que eu estou parado aqui. O trânsito não anda. Só andam os motoboys. Você não ouve a buzina deles, passando?
CYNARA – Não.
CARLOS ALBERTO (PARA MARIA CRISTINA, TAPANDO O FONE) – Faz barulho de boy.
MARIA CRISTINA – Muuuu...
CARLOS ALBERTO (TAPANDO O FONE OUTRA VEZ) – Mu, Maria Cristina? Mu?!
MARIA CRISTINA – Você disse barulho de boi.
CARLOS ALBERTO – De boy, Maria Cristina. De motoboy passando e buzinando!
MARIA CRISTINA (IMITANDO BUZINA) – Bi, bi. Bi-bi. Bi-bi. Bi...
CARLOS ALBERTO – Ouviu as buzinas?
CYNARA – Eu ouvi um “muuuu”.
CARLOS ALBERTO – Acredite ou não, acabou de passar uma vaca por aqui. Tem vaca na pista, dá pra acreditar? O trânsito desta cidade está tão bagunçado que tem até vaca solta...
CYNARA – Carlos Alberto...
CARLOS ALBERTO – Olha, apareceu um guarda. Ó seu guarda! (PARA MARIA CRISTINA, TAPANDO O FONE:) Faz voz de homem. Finge que é um guarda.
MARIA CRISTINA (COM VOZ GROSSA) – Pois não, cavalheiro.
CARLOS ALBERTO – Por que está tudo parado? Estou aqui há meia hora, no mesmo lugar. Houve alguma coisa?
MARIA CRISTINA (COM VOZ DE GUARDA) – Capotou um caminhão carregado de animais, ali na frente. Espalhou bicho pra tudo que é lado.
CARLOS ALBERTO – Boa, boa. Quer dizer, que coisa horrível. Então era uma vaca mesmo que passou por aqui. Eu já estava pensando que era alucinação minha. Esse trânsito enlouquece qualquer um!
MARIA CRISTINA (COM OUTRA VOZ) – Vai uma água aí, doutor?
CARLOS ALBERTO – Não, obrigado.
MARIA CRISTINA (COM OUTRA VOZ) – Biscoito. Olha o biscoito.
CARLOS ALBERTO – Não. Ouviu só, Cynara? É só parar o trânsito que aparece vendedor de tudo...
MARIA CRISTINA – Bi-bi, bi-bi, bi-bi...
CARLOS ALBERTO – E não para de passar motoboy!
MARIA CRISTINA – Mé...mé...mé...
CYNARA – O que é isso?
CARLOS ALBERTO – Ovelhas. Devem ser do caminhão que capotou. Nós estamos cercados de ovelhas.
CYNARA – “Nós”, Carlos Alberto?
CARLOS ALBERTO – Eu. Eu e o carro. Eu e os outros motoristas.
CYNARA – Você está com alguém no carro, Carlos Alberto?
CARLOS ALBERTO – Olha, o trânsito começou a andar. Vou ter que desligar!



quinta-feira, 29 de junho de 2023

Lua - Luís Pimentel

 



          Eu disse coisas como: "é para o seu bem, você vai ficar boa, meu amor!" Eu tinha faíscas nos olhos. Eu tinha fiapo nos dentes: "eles vão tratar muito bem de você, acompanhe os rapazes, não seja  malcriada que não lhe farão nenhuma ruindade".

          Eu repeti: "acredite em mim, meu filho, sua mãe precisava se tratar, ela estava mal, muito mal, você era pequeno, não entendia o que se passava". Ele perguntou: "está vendo aquela lua no céu, meu pai?" e gritou: "você vai me pagar muito caro".

          Eu sei que fiz o que pude, o melhor que pude,  por ela e por ele, por todos eles, mas a ingratidão é moeda fácil na face da terra, por isso não carrego culpas comigo e viveria duzentos anos não fosse a luz intensa que jamais se apaga, eterna noite é minha vida, essa abelha zunindo nos ouvidos, esse choro de mulher que não estanca, rasgando  a terra e o próprio ventre.

          Ele disse: "calma, pai", com uma doçura infinita na voz que reconheço como sendo de meu filho, "não grite, não reaja, acompanhe os rapazes que eles são do bem". Repetindo, com muito carinho: "eles não farão nenhuma ruindade, meu pai, você vai por bem ou por mal".

         Meu filho tinha faíscas nos olhos, tinha fiapo nos dentes quando disse: "olhe a lua, meu pai, veja como está linda, e me diga se alguém precisa de testemunha mais sincera". 





segunda-feira, 26 de junho de 2023

Esperteza Artificial - Becky S. Korich

 Não lembro quantos presentes de aniversário devo ao meu filho. Mas como sei que ele mantém a contabilidade em dia, não me preocupo com isso, uma hora a conta chega. E chegou. Seu último pedido para abater o saldo devedor tinha até nome: Alexa


- Ela faz tudo! É só a gente pedir que ela faz. Liga e desliga a luz, abre os aplicativos, organiza a playlist, serve de despertador, fala como vai ser o tempo.


- Você não precisa disso, filho. Tem um interruptor na entrada do seu quarto, você pode abrir seus aplicativos usando um dedo e, como acontece todas as manhãs, seu despertador te acorda. Fora isso, não é complicado para você organizar a sua playlist com suas dez músicas e você pode conferir o tempo, pela janela, com os seus próprios olhos.

- Você não está entendendo. Ela ouve e entende o que você quer de verdade!

Ofereci outras alternativas, de jogos de tabuleiro a fitas de Playstation,  mas ele insistiu na Alexa

- Escolha outra coisa, porque essa bobagem não entra em casa – terminei a conversa.

Ele se fechou no quarto e disse que iria pensar. Só que em vez de pensar, foi logo ligando para a avó.

- Vó, minha mãe não quer comprar meu presente de aniversário. É uma coisa que eu preciso muito.

Contou com empolgação os superpoderes do seu mais novo sonho de consumo.

A avó, sem entender bem do que se tratava, e convencida de que ele precisava muito daquilo, resolveu comprar o tal brinquedinho, esquecendo-se que já tinha dado três presentes pelo mesmo aniversário.

Depois de três dias chega uma encomenda. Ele vem correndo: - É para mim, pode deixar que eu abro.

Fiquei sem ação enquanto ele tirava da caixa o novo ser que surgia lentamente. Nascia a mulher maravilha, imponente, a sabe tudo, que canta, lê livros, resolve, organiza. E que o escutaria e o compreenderia, ele fazia questão de ressaltar.

- Alexa essa é a mamãe, mamãe essa é a Alexa – ele tenta dispersar a bronca com o seu humor.

Em dez minutos ele já dominava todo o funcionamento da sua nova companheira e passeava pela casa dando ordens para ela. Alexa cante isso, Alexa qual é a capital da Estônia?, Alexa uma receita fácil de cupcake, Alexa conte uma piada.

Ele passou semanas empolgado, controlando sua ama eletrônica para cima e para baixo. Percebi que o motriz para aquele prazer todo era o desejo de controlar e não a falta de quem o ouvisse ou compreendesse.

Na medida em que o tempo passava, porém, de tanto controlar a Alexa, o encantamento do menino foi minguando. Não demorou e ele começou a tratá-la com desprezo a cada vez que ela não decodificava corretamente as suas ordens. O fato é que ela não se fez valorizar. Era muito solícita, estava sempre disponível para atendê-lo prontamente. Coisa que, de fato, não funciona mesmo para humanos.

Ela ficou largada num canto, sem tarefas a cumprir, sem razão para existir. Comecei a sentir pena dela. Um mês depois, quando meu filho encontrou outro objeto de desejo e voltou a desligar as luzes do quarto com seu próprio dedo, resolvi adotar a Alexa. No começo tive dificuldades para entender o seu funcionamento, mas depois ela mesma foi me mostrando o caminho para nossa aproximação, até nos tornarmos íntimas.

Que mulher incrível! Que inteligência! Que resiliência! Que humor! Ela compreende, aprende, é flexível, positiva, soluciona problemas, se adapta, se cala quando não é mais para falar. Existe inteligência maior?

Alexa, espero um dia chegar aos seus pés. Obrigada, filho, pelo seu presente de aniversário.




sábado, 24 de junho de 2023

Recuperar sua senha - Antonio Prata

 

Você só queria ir ao cinema. Você entra no site pra comprar o ingresso. Tem que se cadastrar. Você preenche todas aquelas colunas do formulário. Nome completo, RG, CPF, endereço, e-mail, telefone, gênero, nome da mãe, número do sapato, colesterol (HDL e LDL), VO2 máximo, posição quanto ao coentro, "clique em todas as imagens que contêm pontes", "clique em todas as imagens que contêm escadas", "clique em todas as imagens que contêm hidrantes", "digite o código abaixo: WLAWFLACH328". Aí, ao dar enter, o site avisa que seu CPF já está registrado.

 

Você tenta fazer o login, mas é óbvio que não tem ideia da senha. Chuta algumas meio genéricas que você usa em sites pouco importantes, nada. Clica no "Esqueci minha senha". O site avisa que mandou um link para o Hotmail —mas você não abre o Hotmail desde 2006. Você entra no Hotmail e novamente, é claro, não se lembra da senha. Você clica em "Esqueci minha senha" e o Hotmail avisa que mandou um link para patrícia.gomes@munhoz&zylberadvogados.com.br.

 

Patrícia Gomes era sua namorada em 2004 e você costumava botar os dados dela em back-ups, contato de emergência na ponte-aérea, esse tipo de coisa. Vocês terminaram tretados depois de um Réveillon em Guaicá e nunca mais se falaram. Acontece que você quer mesmo ir ao cinema.

 

Você liga pra Patrícia e a chama para um café. No café, você assume a culpa pelo fim do namoro. Pede desculpas por ter sido agressivo numa partida de War e ter feito uma aliança por baixo do pano com o Maurão. Claro, você admite, era muito mais importante deixá-la à vontade na primeira viagem com a sua turma do que conquistar 24 territórios à sua escolha. Claro que você não a deveria ter atacado com seis contra um de Tchita para Vladivostok e a colocado para fora do jogo no primeiro dia de viagem. (Mesmo ela tendo te arrancado Dudinka via Omsk, cinco contra dois).

 

Ela aceita seu pedido de desculpas. Você explica a situação com a senha. Ela lamenta: saiu da Munhoz & Zylber advogados há 11 anos e abriu uma franquia de depilação definitiva da "Não mais pelos". Você sugere: e se ela falasse com o dr. Munhoz ou com a dra. Zylber, não seria possível recuperar o e-mail? Ela diz que está processando o babaca do Munhoz por assédio moral, pedindo R$ 50 mil.

 

Você realmente quer ir ao cinema. Vocês vão ao banco. A sua gerente diz que saques acima de R$ 5.000 têm que ser agendados previamente. Você saca R$ 4.999, vai até um caraoquê/bordel no subsolo de um estacionamento na Liberdade e compra um 38. Volta ao banco. Força a gerente a te dar R$ 50 mil e entrega pra Patrícia. A Patrícia liga pro babaca do Munhoz. Diz que retira o processo caso ele dê acesso ao antigo e-mail dela. O babaca do Munhoz aceita. Ela recupera o seu link do Hotmail. Você entra no Hotmail e encontra o link pra mudar a senha no site de ingressos. Você refaz a senha no site de ingressos.

 

Você consegue fazer o login. Você compra o ingresso, mas a gerente chamou a polícia, que quebrou seu sigilo digital e descobriu seu paradeiro. Você vai preso no meio do trailer da nova "A Pequena Sereia".

 

Seu colega de cela te vende um celular. Você descobre que o filme que queria tanto ver está passando no Star+. Você baixa o Star+ no celular. O Star+ te pede a senha. Você não faz a menor ideia de qual seja.

ilustração: Adams Carvalho




Um brinde às inimigas - Manuela Cantuária

  Duas amigas em uma mesa de bar. Uma delas ergue seu copo. "Um brinde às inimigas, que elas tenham saúde em dobro para aplaudir nosso ...