No meu primeiro apartamento, formei a minha estantes de tijolos e tábuas colhidas na rua, e eu era feliz.
Tinha de cama simplesmente um colchão no chão, e era feliz.
Tinha quatro pratos e quatro pares de talheres e não podia receber mais gente, e era feliz.
Tinha um ventilador que funcionava melhor sem a tampa, e era feliz.
Tinha Bombril na antena da televisão, desespero para capturar três canais, um com tempestade na tela, o segundo com chuvisco e o terceiro com neblina, e era feliz.
Tinha vasos pintados a partir de garrafas de suco, e era feliz.
Tinha um lençol que servia de cortina, a claridade não me permitia dormir depois das 8h, e era feliz.
Tinha como lixo uma sacola plástica presa na torneira do tanque, e era feliz.
Tinha a mania de somente beber água de graça, e era feliz.
Tinha a tática de atrasar o condomínio a cada dois meses, e era feliz.
Tinha como arara as pernas de mesas viradas de escritório, onde aproveitava cinco peças para o mesmo cabide, e era feliz.
Tinha que secar o banheiro depois do banho com o rodo, pois não havia cortina no box, e era feliz.
Tinha abajur informe de papelão, que aprendi na aula de educação artística, e era feliz.
Tinha duas tomadas que produziam choque, e era feliz.
Tinha que esperar acumular mudas sujas por uma semana para lavar na mãe, e era feliz.
Tinha uma geladeira vazia, com lâmpada queimada. Ela imitava o ronco de meu estômago, e era feliz.
Tinha um chuveiro que se assemelhava a uma bomba-relógio, ninho de fios coloridos soltos junto à parede, e era feliz.
Tinha palito de dente como fio dental, prendedor de roupa como pegador de massa, uma panela multifuncional, e era feliz.
Tinha o papel-toalha com vocação de guardanapo e papel higiênico, e era feliz.
Tinha que colocar as cuecas e meias na janela da sala, único lugar em que batia sol, e era feliz.
Tinha um cinzeiro de vidro de maionese, e era feliz.
Tinha uma faca cega, que não enxergava dentro do pão, e era feliz.
Tinha um tapete que embolava quando saía com pressa, e era feliz.
Tinha um gás com sete vidas. Quando acabava, deitava o botijão, e era feliz.
Sobreviver me transbordava de humor. Sempre dava um jeito, não perdia tempo reclamando, ia me adaptando. Ria de meus problemas para não fazê-los importantes.
A verdade é que a pobreza nunca me roubou a felicidade.
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