terça-feira, 11 de janeiro de 2022

A festa do caqui - Gilberto Amendola

 

O rosto melado de caqui. As mãos ainda mais meladas do que o rosto. Em solidariedade, a mãe vem com um paninho, mas logo é detida por uma algazarra generalizada. Alguém corre para o quarto e começa a procurar a Polaroid. 

– Cadê? 

– Olha em cima do armário! 

Eis que um parente surge na sala com uma máquina fotográfica nas mãos. 

A criança ensaia um choro. Está desconfortável com todo aquele caqui pelo corpo. 

Ao redor, familiares fazem caretas, batem palmas e cantam algum sucesso do rádio.

O bebê sorri. 

E um tio bate a foto.

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No mercado, alguém explica para o Rodolfo que ainda não é época de caqui – e que ele deve esperar até março para encontrar um bom, docinho e carnudo… caqui. Carnudo? Adjetivo estranho. Não combina com a fruta. Uma fruta carnuda. Que coisa maluca.

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Todo aniversário, Rodolfo procura, em uma caixa de sapatos escondida no fundo do armário, a tal foto do caqui. Era um bebê quando tiraram aquele retrato. 

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Daquela festa do caqui não sobrou mais ninguém. Essa é uma coisa triste de pensar, mas é verdade. Filho temporão tem isso. Os parentes mais próximos já foram tombados pela marcha do tempo: mãe, pai, avós, tios… Nada incomum. É o que acontece quando a gente vai ficando velho.

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No tempo daquela foto, ele ainda podia tudo. Podia ter sido médico, músico, poeta, presidente, ator, engenheiro, astronauta, marinheiro, assassino, traficante, cantor de ópera, bailarino, inventor, cabeleireiro… Mas aquilo tudo foi dar no que ele é hoje. Rodolfo, esse é seu nome. Um número de RG. E outro de CPF.

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Queria ter de novo aquela obstinação de criança concentrada em devorar o seu caqui. Um ardor. Isso! Era um ardor. Hoje, soa como algo quase sexual. Mas é só um caqui. 

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Alguém disse uma vez que era a fruta preferida de Zeus. Zeus chupando os dedos sujos de caqui é uma imagem perturbadora demais. 

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Rodolfo precisou disfarçar a emoção ao encontrar caquis tão bonitos no Mercado Municipal. 

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Às vezes, Rodolfo tem a impressão que ninguém mais liga para caqui. Injustiça. Uma fruta assim tão carnuda merecia mais respeito.

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Caquis são muito sensíveis. Rodolfo também. 




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