domingo, 7 de fevereiro de 2021

O que sabe um americano sobre ligar o f*da-se? A gente é que inventou isso - Ricardo Araújo Pereira

 


Luiza Pannunzio/Folhapress


Quando constatei que a obra " A Sútil Arte de Ligar o F*oda-se" se encontra, há bastante tempo, no top de vendas de livros tanto em Portugal quanto no Brasil, pareceu-me que este súbito interesse dos nossos povos era merecedor de reflexão.

Em princípio, sou favorável a que nós, portugueses e brasileiros, abandonemos a nossa conhecida obsessão pelo rigor e adotemos um estilo mais descontraído e despreocupado. Julgo que nos faria bem. Ter sempre tudo pronto a tempo e horas, cumprindo prazos e orçamentos, tem as suas vantagens, mas também cansa —e até deve fazer  mal à saúde.

Chega de ser tão certinho e responsável. Vamos aprender mais sobre a sutil arte de ligar o f*da-se. O problema é que essa nova atitude, esse “estou-me cagandismo” à moda de Alfred Jarry, que eu saúdo, parece ainda reticente, circunstância que o título do livro parece testemunhar.

Das duas, uma: ou estamos, de fato, nos lixando para tudo, e falamos desbragadamente, ou mantemos alguma da nossa velha postura tensa, e nos pomos com estrat*gemas ridícul*s p*ra evit*r choc*r pess*as s*nsíveis. Abraçar as duas disposições ao mesmo tempo é que não faz sentido. Ou ligamos o f*da-se sem curinga ou não estamos a ligá-lo de todo.

Intrigado, fui investigar o autor que tinha a desfaçatez de vir ensinar portugueses e brasileiros a serem mais relaxados e descobri que se tratava de um americano chamado Mark Manson.

Absurdo, comentei baixinho. Um americano. Vem do país do empreendedorismo e da competição nos ensinar a ligar o f*da-se? A gente é que inventou o ligar o f*da-se. Ninguém o liga como nós, temos a melhor ignição de f*da-se do mundo. O que sabe um americano sobre ligar o f*da-se?

Um país que foi à Lua sabendo perfeitamente que lá não há praia nem chope. Fazer o quê? Há uma página na Wikipedia em inglês com a palavra “malandragem”, para ilustrar os estrangeiros sobre o conceito. E depois eles vêm nos ensinar a ligar o f*da-se? Não queria acreditar. Por isso, continuei a pesquisa e descobri que Mark Manson é casado com uma brasileira chamada Fernanda Neute.

Ah, bom. Agora percebi. Manson descobriu o que é ser brasileiro (que é o mesmo que ser português vezes 20) e resolveu escrever um livro sobre o assunto. Como obteve as ideias em segunda mão, não as absorveu totalmente e ainda escreve f*da-se. Mais uns anos e ele se educa. Força, Fernanda.






terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Entre o café e o uísque - Gilberto Amendola

 Você começa o dia com um café. E termina com um uísque. No meio, você vai enchendo de coisinhas.

A vida, portanto, é aquilo que acontece entre o café e o uísque. O segredo do negócio é tentar encontrar algum significado durante essas horas que separam o ponto A do ponto B. Esse tempo pode ser preenchido por um trabalho duro ou por um dia desses de babar no sofá da sala, tanto faz. 

Se você não estragar tudo entre o café e o uísque, você já é um vencedor. Mas, infelizmente, o nosso impulso é cometer desatinos nesse meio tempo.

Quantas besteiras você já fez durante essa pandemia?Tem aquele dia em que você acorda e, logo depois do café, pensa: “vou cortar meu próprio cabelo e pintá-lo de azul”. Ou chega a cogitar algo como: “se eu me pendurar pelo lado de fora, consigo limpar essa mancha ridícula na janela”.

Teve um dia em que pensei: “hum, e se eu comprasse um tapetinho de ioga...” E teve outro momento em que me pareceu aceitável fazer aulas de violão online ou aprender passos básicos de rumba. Outros dias, antes da hora do uísque, você começa a achar razoável “escrever para uma ex” ou “pedir as contas no trabalho para viver como caçador de ÓVNIS em Magé”. Um pouco antes da hora do uísque é super perigoso. É aquela horinha que bate a carência e os grandes dilemas da existência atacam nossas defesas já fragilizadas pelo isolamento. Você acaba se achando um Nietzsche, mas agindo como um bocó (adoro a palavra bocó).“Ah, qual o problema se eu aceitar aquele convite para participar de uma festa clandestina na casa daquele conhecido negacionista? É só para dar uma respiradinha, conhecer umas pessoas...” 

Além do café e do uísque, o tempo também pode ser dividido em períodos menores. A vida também é aquilo que acontece entre um comercial do Boston Medical Group e a propaganda do alarmes monitorados Verisure (adoro a interpretação brechtiana dos atores).

Neste pequeno intervalo de tempo, você também pode estragar tudo. O esforço é não cometer desatinos, como comer uma lata inteira de leite condensado, mandar nudes, defender um participante do Big Brother no Twitter ou fazer um Pix não solicitado – com uma mensagem engraçadinha.

Como diria Vinicius de Moraes, “são demais os perigos dessa vida”. Principalmente, acredito eu, durante uma pandemia. 

Como a vida anda muito restrita, concentrada, quase uma existência no modo haicai, tudo é amplificado e multiplicado. Uma mensagem respondida com desleixo ou um “bom dia” com a voz errada pode desencadear uma sequência de acontecimentos trágicos. 

Ou seja, quem atravessa um dia de home office (do café ao uísque) sem arranhões sérios merece uma estátua. 

Vou tomar o meu café. E fazer o meu melhor para chegar ao meu uísque. Ninguém disse que seria fácil.


Manhã - Café



Tarde - Drink (Uísque com Café)
 

Noite - Uísque 




Um brinde às inimigas - Manuela Cantuária

  Duas amigas em uma mesa de bar. Uma delas ergue seu copo. "Um brinde às inimigas, que elas tenham saúde em dobro para aplaudir nosso ...