sábado, 30 de setembro de 2017

Detalhes, detalhes - Luiz fernando Verissimo

Há momentos de grave introspecção em que um homem faz um inventário de si mesmo – seus sonhos, suas desilusões, suas possibilidades e onde diabo ele enfiou o chaveiro e o antiácido – e se faz perguntas. Valeu a pena? Devo continuar? Quem sou eu, e por que estou falando sozinho? Desta espécie de promontório filosófico, ele avista o caminho que já percorreu e o caminho que ainda precisa andar ou, se tiver sorte e aparecer um táxi, rodar.
O Brasil já teve várias oportunidades de, por assim dizer, afastar-se de si mesmo, examinar-se, decidir o que precisava ser feito, ajustar a gola da camisa e ir em frente. Falam que os nossos partidos políticos não significam nada como se isto fosse um grande defeito, e é uma das nossas vantagens sobre países mais ortodoxos e sem graça.
Ou seria uma vantagem se fosse aproveitada. Nada está preestabelecido na nossa política, não temos compromisso com nenhuma forma de coerência, podemos ir inventando nosso destino no caminho. Mas nosso distanciamento crítico raramente leva à sabedoria. Nossos momentos de introspeção geram curiosidades – um maluco que foge da Presidência, um atleta que é corrido da Presidência, um torneiro mecânico que sucede a um sociólogo como se fosse a coisa mais natural – sem um mínimo de lógica ou fidelidade a princípios rígidos ou até a preconceitos claros.
Como o Brasil, também deveríamos nos reavaliar e nos reinventar, e praticar, a intervalos, uma espécie de escafandrismo interior para descobrir o que somos, o que fizemos e deixamos de fazer, como continuar, como parar e como votar – mesmo sabendo que só uma pequena parte do nosso destino é decidida por nós e que o acaso e a natureza decidem o resto.
E devemos nos consolar com o seguinte pensamento: só um detalhe nos separa da fortuna e da solução de todos os nossos problemas. Foi a mãe do Bill Gates que teve o Bill Gates, não a nossa. E você acertar todos os números de uma Sena acumulada menos um, esse um é o detalhe. Esse um decide o seu destino.
O detalhe é como o vidro de um aquário. Um vidro com poucos milímetros de espessura através do qual você vê claramente os peixes coloridos e as plantas exóticas do outro lado. Os milímetros do vidro do aquário separam dois mundos inteiramente diferentes. Só um detalhe parecido separa você de outra vida.

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

O mundo ao qual o tio não voltaria - Ignácio de Loyola Brandão


“Hora da comida do tio”, dizia minha mãe, no final de tarde, com um farnelzinho nas mãos. Meu irmão Luiz e eu apanhávamos e corríamos, adorávamos a tarefa. Chegávamos lépidos à pequena empresa algodoeira em frente da estação ferroviária. No enorme galpão, mal iluminado, meu tio cuidava da máquina que comprimia o algodão em fardos. Assim que terminava de comer, ele gritava: “Podem pular!” e ficava a nos vigiar. Luiz e eu mergulhávamos de cabeça na massa de algodão macio no fundo de imensa caixa quadrada. Como se nos atirássemos ao mar. Subíamos e nos jogávamos várias vezes. Uma aventura.
Bento, irmão mais novo de mamãe, também dirigia a baratinha Ford, conversível, do dono da empresa. De repente, ele passava em casa, nos colocava no banco traseiro e rodávamos a cidade por ruas longínquas, ou estradas de terra, até a noite baixar. Nunca me esqueço dos faróis iluminando sombras e mistérios. No carnaval, festa do demônio para minha mãe, ele nos trazia confetes e serpentinas. Outras vezes, saíamos a caçar içás. Tio Bento, pura alegria, iluminava tudo. Casou-se com tia Wanda, teve uma filha, Ana Maria. Vez ou outra os dois provocavam encantamento, me levando para jantar na casa deles. Eu, garoto pixulé, tratado como gente grande. 
A vida correu, até o dia em que tio Bento desapareceu, ninguém mais falava nele. Uma vizinha, certa vez, gritou comigo: “Não brinque mais com meu filho, seu tio é tuberculoso”. Meu pai teve de me dizer a verdade, ele era e estava internado em São José dos Campos. As conversas eram veladas, a doença, um tabu, tudo revelado em sussurros. Em que lugar ele estaria, como seria? Divertia-se ou sofria? Até que chegou um postal colorido, de onde tio Bento morava. Era um prédio longo, rodeado por árvores. Um castelo na floresta? Como seria a vida dele ali? Então, de repente, alvoroço. Tio Bento tinha morrido, meu pai ia buscar o corpo. Dia estranho, a casa ainda escura, meu pai partindo, as mulheres chorando. Do funeral, nenhuma lembrança.
Passaram os anos. Tio Bento tornou-se imagem nebulosa. Duas semanas atrás, fui a São José dos Campos a fim de participar de uma mesa literária na Flim, Festa Literomusical. Conversaria com Maria Eduarda Raymundo e Luis Felipe Santos Nascimento, de 16 anos. Os leitores interrogando os autores, ideia de Patrícia Ioco e Marcelino Freire, os curadores. Um homem de 81 anos, um livro com 42 e dois estudantes com 16. A conversa rolou até o momento que os jovens levaram o tema para a relação complexa de José, o personagem do romance, com sua mãe, a religião, a questão do fanatismo católico em minha infância, Deus, pecado, exageros. 
Em 42 anos de vida, Zero foi assunto de centenas de ensaios, críticas, teses, nacionais e estrangeiras. Nenhum jamais tocou no assunto religião, fixados que estavam na política, violência da ditadura, prisões, mortes, tortura. De repente, numa tarde quente, dois garotos de 16 anos me fizeram voltar. Ou seja, ali estava uma nova geração a descobrir Zero, e um tempo de Brasil que precisa ser mostrado, para não ser reativado, como querem alguns desordenados. O silêncio dominou a plateia enquanto eu me abria e trazia aquele instante da infância em que temi a Deus por ter vomitado a hóstia que acabara de comungar. Olhei para a mediadora Adriana Couto, que, emocionada, me piscou. Naquele momento me senti livre e a Flim se justificou. Para isso são esses festivais, abrir almas, atrair gerações, contar a história do Brasil, formar leitores. 
Ainda impressionado com aquela breve sabatina dos jovens, saí para comer. Não podia imaginar que o passado se cristalizaria de repente. Conduzido para um restaurante em uma cadeira de rodas (estava com um pé avariado por violenta torção), atravessei o Parque Vicentina Aranha, 80 mil metros quadrados de área verde. Então, gelei, ao ver de frente o longo edifício projetado por Ramos de Azevedo em 1914, a pedido de dona Vicentina, mulher do senador Olavo Egydio de Souza Aranha. Estremeci. Um choque. Eu conhecia esse edifício. Seria o déjà vu? Tinha estado aqui. Era familiar, mexia comigo, alegria, tristeza. Essas árvores, essa luz de fim de tarde. Sim, era o cartão-postal que tio Bento enviou à família tantos anos atrás. Aqui, me disseram Claudia e Marco voluntários da Flim, foi o sanatório para tuberculosos, em que ricos pagavam, pobres não. Para construí-lo dona Vicentina tinha se empenhado com todas as forças. Ela foi mãe de Francisca Egydio, que se casou com o advogado e romancista Paulo Setúbal, pai de Olavo Setúbal. Uma parte era para tuberculosos que vinham da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, que ajudava a manter o sanatório. A partir do início dos anos 1940, com o advento dos antibióticos, a doença começou a desaparecer, o sanatório foi até os anos 1980.
Mais tarde, tombado, virou centro cultural. Então entendi. Meu pai, ferroviário da Araraquarense, tinha conseguido internar meu tio gratuitamente. Fiquei um tempo olhando, indagando em que quarto aquele homem alegre e cheio de vida tinha ficado separado, isolado. De que janela olhava as árvores, pensava em tua Wanda, Ana, as serpentinas e carnavais, os passeios na baratinha e via o muro que o distanciava do mundo ao qual nunca mais voltaria. A noite começava, ouvi minha mãe chamar: “Levem a comida do tio”.

domingo, 24 de setembro de 2017

Perdão, rapazes - Tati Bernardi



Ontem esquentou um pouco, depois do almoço, e fui até a padaria comprar um sorvete. Eu estava com um vestidinho desses curtos e leves, de ficar em casa, sem sutiã, e percebi que bastava meio ventinho primaveril para que eu ficasse seminua.
Primeiro, como boa hipocondríaca, senti medo de "tomar friagem", mas depois lembrei daquela turminha genial (ironia), mais conhecida como "um em cada três brasileiros", que declarou considerar culpada a mulher que sofre um estupro. Pela lógica dessa gente gritantemente provida de intelecto (ironia), se um raio cair na minha cabeça, a culpa é minha por ter cabeça. Se um tubarão comer minha perna, a culpa é minha por ter perna.
A natureza do raio é ser raio, a do tubarão é ser tubarão. Seria então a natureza do homem violentar mulheres e, portanto, caberia a nós, moças honestas que abrem mão de um estuprinho no fim de tarde, só usar moletom GG do Lakers? Um em cada três brasileiros acha que sim. Ou seja, muitas mães acham que sim, muitos pais acham que sim, muitas avós acham que sim. A soma disso você já sabe: vem aí mais uma geração de adolescentes achando que sim. Chega a dar desespero.
Tentei imaginar qual seria a cena possível caso eu realmente fosse culpada por sofrer alguma bestialidade naquela tarde. Um digno (ironia) senhor me espera sair da padaria para dar o bote. Me empurra em algum beco e eu então caio aos seus pés, pedindo perdão.
Perdão, magnânimo ser, perdão. Eu não deveria ter saído de casa, eu não deveria usar vestidos, eu não deveria ter seios, eu não deveria ter bunda, eu não deveria usar esmalte vermelho, eu não deveria chupar sorvetes por aí, pra quem quiser ver. Eu não deveria ter nascido mulher. Eu não deveria nem ter nascido. Oh, soberano macho, dono do universo, rei supremo defendido pelas pesquisas e pelas pessoas de bem, queira, por gentileza, me desculpar por ter uma vagina. Nunca mais farei isso!
O nobre (ironia) senhor estava lá, tranquilão na sua vidinha de merda, dentro da sua mentezinha de psicopata de merda, com seus impulsos animalescos desenfreados de merda (porém defendido pelas leis, por muitos policiais e por um em cada três brasileiros) e eu, que nojenta, que vagabunda, que safada, fui justamente atrapalhar a sua concentração em ser um grande merda. Uma mulher jamais deve atrapalhar a concentração de um grande merda, já diria um em cada três brasileiros.
Mas a culpa é minha. Na próxima encarnação eu venho com pau, que é pra nunca mais pertencer ao gênero que tanto ultraja e ofende a pacata vida terrestre. Quem mandou sair de casa sem gola alta? Quem mandou fazer as duas piores coisas que uma mulher pode fazer à luz do dia: existir e andar? Agora só me resta pedir clemência de joelhos! E tomar muito cuidado pra não pagar cofrinho, pois, segundo um em cada três brasileiros, eu poderia sofrer alguma brutalidade e a culpa.



Finitude cocô - Antonio Prata

Adams Carvalho/Folhapress
Meu filho de dois anos e meio acaba de descobrir o cocô. Não o cocô de verdade, esse ele sabe nomear desde que começou a falar e conhece intuitivamente, suponho, desde seu primeiro dia na maternidade. O que ele descobriu há mais ou menos uma semana foi o cocô como, digamos, conceito. Ou melhor: como ferramenta humorística. Eu poderia começar esta crônica com "meu filho de dois anos e meio acaba de descobrir o humor", mas não teria graça nenhuma. Cocô é engraçado, humor, não. Talvez haja aí um paradoxo, mas meu filho não descobriu os paradoxos, descobriu o cocô; voltemos a ele, portanto.
"Filho, o que você quer comer?". "Arroz com..." –ele me olha e sorri, irônico– "Cocô!". Depois gargalha. Às vezes para ao meu lado, me faz um carinho, meu coração amolece sem perceber que é só a preparação para a piada. Ele me encara com os olhos mais ternos e diz: "Papai cocô!". Aí ri até cair no chão, como os personagens da Peppa Pig no final de um episódio. Aliás, quando a Peppa aparece no desenho ele solta um "Peppa cocô!". E ri. Quando aparece o George: "George cocô!". E ri mais ainda. A mãe dos dois: "Mamãe cocô!". E gargalha. O pai, claro: "Papai cocô!". "Que nem eu?", pergunto. "Não! Ele é porco cocô e você é adulto cocô!".
No último sábado, no elevador, ao ouvi-lo responder ao "Oi" da vizinha do 81 com um sorridente "Oi, cocô!", minha mulher decretou que a sanha coprofílica tinha ido longe demais. Concordo que chamar a vizinha de cocô não é legal, ainda mais a vizinha do 81, uma senhora sempre tão simpática, mas para além disso não consigo censurar meu filho. Afinal, como eu disse antes, o que ele descobriu na última semana é mais do que o cocô, é esse desrespeito radical por tudo o que é sagrado, também conhecido como humor. O que ele sacou foi que não há nada sobre a Terra que não possa ser avacalhado com um pouco de excremento. Não há ícone, não há autoridade, seja a sua ídola Peppa, a vizinha do 81 ou o próprio pai, que resista a um lançamento (mesmo que simbólico) de dejetos. E isso, meus amigos, é a fina flor do Iluminismo.
O que Chaplin disse com "O grande ditador"? "Hitler cocô!". O que Jacques Tati disse em "Meu tio" e "Playtime"? "Modernidade cocô!". Rabelais: "Harmonia cocô!". Monty Python: "Empáfia cocô!". Seinfeld: "Vida em sociedade cocô!". Woody Allen: "Eu, cocô" –eis aí um dos cocôs mais importantes. E todos os humoristas, em última instância, como aponta tão elegantemente meu colega Ricardo Araújo Pereira no ensaio "A doença, o sofrimento e a morte entram num bar", não fazem outra coisa senão nos ajudar, com os risos que produzem, a arreganhar os dentes para a velha dama de preto e afirmar: "Finitude cocô!".
Eu achava que o difícil de educar uma criança era sobreviver às noites mal dormidas e às festas infantis. Ok, privação de sono e risoles frios são dureza, mas o complicado mesmo é nos vermos tendo que ensinar esses pequenos seres humanos a se adequarem à sociedade quando a gente sabe muito bem que a sociedade é o reino da hipocrisia e da injustiça e que a maior meta da educação deveria ser formar adultos aptos a botar o mundo de pernas pro ar. Sociedade cocô! Mundo cocô! Tudo cocô! (Tudo, menos a vizinha do 81, que é gente boa pra caramba, tá entendido, meu filho?).

Produtividade mínima - Ruth Manus

Meu assento é o 22D, corredor. Retorno de Paris para Lisboa, num voo numa companhia espanhola. Preciso escrever. Determinei em minha cabeça que preciso redigir ao menos um texto quando voo, produtividade mínima. Mas não está fácil dessa vez. É um voo cheio de povos latinos, há sangue demais correndo nas veias para que o silêncio consiga imperar.
Ao meu lado, um casal português de cerca de 50 anos. Eles usam muitas estampas. Tudo tem estampas. A camisa dele, o vestido dela, a armação dos óculos dele, a bolsa dela. São simpáticos. Sorriram para mim ao sentar. Aquele sorriso tímido português que serve unicamente como manifestação de ausência de confronto. Eles gostam um do outro, é evidente que gostam. Apoiam as cabeças uma na outra, dividem o suco de laranja. É impossível dividir um suco com alguém que a gente não ame. Ela não para quieta no assento, mas ele tem uma paciência longa. Paciência é uma forma de amor. Talvez uma das mais valiosas.
Do outro lado do corredor, uma casal muito, muito bonito. Ela é muito morena, aquele tom de moreno dos indianos, um pouco avermelhado. Seus cabelos são como eu jamais sonhei que os meus pudessem ser: longos, volumosos, cheios de ondas, especialmente nas pontas. Ela está grávida de seis ou sete meses e está com um vestido azul-marinho com um elástico abaixo do peito. Tenho vontade de olhar para ela muitas vezes, porque é uma mulher, mas parece muito uma paisagem. Seu marido (sei que é marido, embora não haja aliança) é um belo, alto e magro francês, grisalho, de olhos claros e barba por fazer. Uma fórmula infalível. Em termos estéticos, merecem-se, sem sombra de dúvida. 
No colo do francês está o filho mais velho deles, tem 21 meses, conforme disseram à comissária. Detesto gente que fala idade em meses, me obrigando a fazer cálculos. Ela fala inglês com o bebê, que é simpático, mas que definitivamente não é bonito. Não sei se um dia será, aquela carinha não me parece ter muita solução. Mas se continuar sendo simpático, tudo bem. Ser simpático muitas vezes é mais eficiente do que ser bonito. Ele está fazendo uma bagunça danada: adesivos na poltrona, chupeta no chão, meia no corredor. É uma boa criança.
Na frente do pai francês bonitão, um rapaz negro também muito bonito. Deve ter uns 22 anos. Pelo tom da sua pele, eu diria que ele é cabo-verdiano, mas ele está lendo um livro em francês, que eu tento enxergar sem sucesso, o que me fez imaginar que ele é filho de um belo homem da Costa do Marfim, com uma francesa branca, o que resultou nessa mistura muito mais bem-sucedida do que o bebê do casal capa de revista aqui do lado. O rapaz também é simpático. O bebê chuta suas costas sem parar e ele apenas sorri. Gosto muito, muito desse tipo de pessoa.

Náufragos - Luis Fernando Verissimo

Contam que um homem sobreviveu a um naufrágio e acabou numa ilha deserta, e lá viveu durante 40 anos, até morrer. Os primeiros 20 anos foram os piores. Quando não estava ocupado procurando comida e tratando de se abrigar do sol, da chuva e do vento, quando não tinha mais o que fazer a não ser pensar e lembrar, pensava na vida que levara e lembrava tudo o que perdera.

Pensava na sua dura vida de marinheiro, pensava na mulher fiel que o ajudava a enfrentar a dureza da vida e sempre o esperava no porto, pensava na sua casa modesta, pensava nos vizinhos e nos amigos, pensava nas coisas simples que nunca mais veria, e chorava, chorava muito. Antes de dormir, ao pôr do sol, o homem imaginava o que estaria fazendo, se ainda estivesse com a sua mulher fiel na sua casa modesta, ou com os vizinhos e amigos, na sua simplicidade.

E assim se passaram 20 anos de recordação e tristeza. E então, certa manhã, depois de uma noite de vendaval, o homem viu que o vento tinha derrubado uma árvore da ilha, e que no buraco deixado pelas raízes arrancadas havia um tesouro. Um grande baú cheio de moedas de outro e de joias, certamente enterrado por algum pirata que nunca voltara para buscá-lo. 
Da noite para o dia, o náufrago tornara-se um milionário. Talvez um bilionário, ou um trilionário. Para que perder tempo calculando a fortuna? Havia o suficiente no baú para ele levar uma vida de rei. E a partir daquele momento, e pelos 20 anos seguintes, o homem imaginou tudo o que poderia fazer com a fortuna depois de abandonar a mulher, que não era mulher para um milionário, e os vizinhos e amigos, que só o importunariam com pedidos de dinheiro, e a sua casa modesta, e a sua dura vida de marinheiro. 
O náufrago mal podia esperar o pôr do sol para imaginar a sua vida de rei – ou quase rei, pois decidira comprar dois título de nobreza, um para ele e um para a Gisele, sua nova esposa. E dormia sorrindo.
Ratos. Também tem a história do navio que naufragou e só se salvaram o capitão e um maquinista, que nunca tinham se visto a bordo. O capitão vivia na ponte de comando e o maquinista nunca saía do porão.
Ainda na praia da ilha deserta, o maquinista perguntou:
– Era o senhor que gritava pelo interfone, “Mais força, mais força, seus ratos preguiçosos!”?
– Não, não – respondeu o capitão. – Não era eu. Era o imediato.
Mesmo assim, os primeiros 20 anos foram tensos.
Conchas. Quatro náufragos: um arquiteto, um engenheiro, um banqueiro e um filósofo. Depois de secarem a roupa, examinarem a ilha deserta e escolherem o lugar onde construirão uma cabana, decidem distribuir as tarefas.
– Eu planejo a cabana – diz o arquiteto. 
– Eu faço os cálculos e escolho o material – diz o engenheiro.
– Eu financio a obra – diz o banqueiro.
O arquiteto e o engenheiro se entreolham.
– Como, financia? – pergunta o arquiteto.
– Com que dinheiro? – pergunta o engenheiro.
– Bom... – começa a dizer o banqueiro, olhando em volta. – Essas conchas podem servir como dinheiro. Enquanto vocês constroem a cabana eu recolho as conchas e... – Mas desiste diante do olhar do arquiteto e do engenheiro. E põe-se a trabalhar.
Enquanto os quatro trabalham, só o filosofo fala, e fala sem parar.
– A ideia das conchas não é tão ruim. De um ponto de vista filosófico, é perfeita. Vocês não veem? Propondo-se a usar conchas em vez de dinheiro, está-se dizendo que o dinheiro é, na verdade, uma mentira, ou apenas uma concha supervalorizada. Em termos absolutos, nada tem mais valor do que nada, o valor dado a qualquer coisa é apenas a reificação de um conceito abstrato determinado por uma hierarquização subjetiva arbitrária enquanto...
O filósofo é expulso da construção e mandado para longe. E fica sentado na praia, olhando o mar e bebendo água de coco, enquanto os outros erguem a cabana. 

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Crianças podem ter fobia de palhaço, a gente tem fobia do noticiário nacional - Contardo Calligaris

Mariza/Editoria de Arte/Folhapress


Quando criança, eu tinha medo do escuro. A porta do quarto (meu e de meu irmão) era de vidro jateado. Meus pais deixavam a luz do corredor ligada até eles irem para cama. Aí, supondo que eu estivesse dormindo, apagavam tudo.
Suposição errada: eu ficava acordado, esperando o momento fatídico em que perderia minha luz. Na minha lembrança, aliás, eu não dormia nunca. Enquanto havia luz, ficava esperando que apagassem. Depois disso, era um pavor crescente e insone.
O medo, em geral, aparece pelos quatro anos de idade. No começo, eu fui pedir socorro para os meus pais, no meio da noite. Eles nunca cogitaram me enfiar na cama deles –nem mesmo para que eu não atrapalhasse seu sono.
O problema é que eles estavam bem entre si e não tinham medo do escuro. Digo isso porque mais tarde descobri que os pais que enfiam um filho ou uma filha na sua cama, de fato, usam a criança quer seja para eles acalmarem sua solidão e seu próprio medo do escuro, quer seja como desculpa para eles evitarem as relações sexuais (com a criança na cama, não dá, certo?).
Os evolucionistas dizem que o medo do escuro é uma herança do tempo em que a gente dormia ao redor do fogo, ouvindo os gritos das feras que nos circundavam, na escuridão.
Muitos psicoterapeutas dizem que o medo do escuro é medo de algo que está dentro da gente –demônios internos que imaginamos e projetamos, como feras que nos atacariam de fora.
Outros ainda acham que o medo do escuro é angustia de separação; e é verdade que, de noite, na nossa caminha, somos separados dos pais e sobretudo da mãe. Note-se: a angustia de separação nas crianças não se cura colocando-as na cama da gente, mas, ao longo de anos, construindo confiança, reaparecendo sempre, depois de uma ausência, bem na hora e no lugar prometidos.
Agora, existem duas grandes categorias de angústia: a angústia de separação e a angústia de se perder na indiferenciação, num magma que nos devoraria e onde perderíamos nossa individualidade para sempre. Ou seja, tem a angústia de ficar sozinho, e tem a angústia de ficar excessivamente junto aos outros, como na "Bolha Assassina" (1958, remake em 1988), em que uma gelatina gosmenta incorpora a todos.
Enfiar os filhos na cama significa entregá-los à angústia da bolha assassina sob pretexto de salvá-los da angústia de separação.
O medo do escuro pode continuar até a adolescência e a idade adulta. E sua frequência é grande: Peter Muris, um dos psicólogos que mais pesquisou o medo do escuro, relata que, numa amostra de crianças entre 4 e 12 anos, na Holanda, 73% declaravam ter medo do escuro. E acrescente os que preferem não confessar seu medo.
Talvez o medo do escuro seja a matriz de todos os outros medos. A ideia de uma matriz comum de todos os medos é a inspiração de "It" ("A Coisa"), de Stephen King (1986), que li nos anos 1990, enquanto me recuperava de uma cirurgia. O filme "It - A Coisa", hoje em cartaz, é ótimo (de muitas formas melhor do que a primeira adaptação, de 1990).
Sem spoilers:
1) Qual é a "Coisa" do medo, seu objeto, seu negócio, sua origem absconsa? Além das representações, das fantasias apavorantes e dos pesadelos de cada um, de que se trata no medo, qual é a fera que nos espreita a todos, no escuro ou nas entralhas da terra? A morte? O futuro incerto? O sexo? Tanto faz, pois"¦
2) "¦a Coisa não se mostra nunca: ela aparece só nos pavores de cada um, todos diferentes, mas que, no livro e no filme, têm uma figura em comum: o palhaço.
O sindicato dos palhaços dos EUA protestou, pela enésima vez, contra as imagens apavorantes de um palhaço no filme. Eles têm razão de protestar, mas o fato é que o medo dos palhaços é bem frequente nas crianças. Há duas explicações básicas:
1) Uma criança faz esforços consideráveis para aprender a interpretar os sentimentos e as emoções dos outros; a maquiagem, assim como as máscaras, tornam os outros incompreensíveis e portanto ameaçadores.
2) Algumas crianças têm fobia de palhaço "porque os palhaços fazem besteiras": elas se assustam com a ideia de que os adultos não sejam confiáveis e façam "besteiras".
Os brasileiros que têm fobia de palhaço estão, aliás, passando mal. Olham para o noticiário e descobrem com horror que seu pesadelo se realizou: somos governados por "adultos" que não são responsáveis e só fazem besteiras. 

domingo, 17 de setembro de 2017

Sicílias - Fabricio Corsaletti

Pedro Piccinni

Às vezes, quando estou cansado ou deprimido, depois de um dia de trabalho ruim ou depois de ler os jornais atrasados, entro no Google Earth e viajo sem mala e sem dinheiro pelo mundo.
Me arrasto por vielas de Tóquio cheias de bares minúsculos com letreiros ilegíveis; plano pela ilha verde e despovoada onde o escritor norueguês Karl Ove passou a infância (e que é o pano de fundo do terceiro volume da sua série autobiográfica); paro no centro de uma praça de Paris onde há jovens e velhos jogando petanque, a bocha francesa, com bolas reluzentes de metal; confiro as samambaias que pendem das sacadas de ferro rendilhado em New Orleans; visito meu bairro preferido em Buenos Aires; revejo (imagino, porque a imagem não é tão boa) a luz amarela da Bahia; desço até o litoral de São Paulo e prometo a mim mesmo que até o fim do mês vou pra lá de verdade, de ônibus, pra não esquecer que sempre há uma saída, nem que seja pro mar; atravesso os campos da Mongólia, com seus cavalinhos peludos e desengonçados; desço em Moscou (claro!, por que nunca pensei em ir pra Moscou?); fico um bom tempo observando uma ponte vermelha na Irlanda que uma mulher de rosto borrado e meias-calças pretas atravessa com o neon de um pub ao fundo.
Depois a Itália –abro um vinho, Veneza, faço anotações repetitivas e sem qualquer censura: "pele de afresco", "olhos de afresco florentino", "olhos de afresco" etc. Mas na Sicília me dou conta de que estou bêbado e com sono. Levo a garrafa vazia pra cozinha, desligo tudo e vou dormir.
E já que falei em Sicília, e como não tenho mais nada a dizer sobre essas viagens virtuais, transcrevo abaixo um trecho do romance siciliano "O Leopardo", de Lampedusa, na tradução de Maurício Santana Dias, que li nas férias com grande prazer. Nele, o protagonista de meia idade, ainda viril mas insatisfeito com o rumo que sua vida erótica está tomando, contempla uma fonte sensual em seu palácio de verão. (A fim de evitar constrangimentos, aconselho o leitor a mudar sua chave de leitura do "estilo vira-lata" pro "estilo chique", que a prosa de Lampedusa é chique mesmo.)
"Sopradas pelos búzios dos Tritões, pelas conchas das Náiades, pelas narinas dos monstros marinhos, as águas irrompiam em filamentos sutis, martelavam com pungente rumor a superfície esverdeada da bacia, produziam saltos, bolhas, espumas, ondulações, frêmitos, remoinhos risonhos; de toda fonte, das águas tépidas, das pedras revestidas de musgos aveludados emanava a promessa de um prazer que jamais poderia se transformar em dor. Sobre uma ilhota no centro da bacia redonda, modelado por um cinzel inábil mas sensual, um Netuno rude e sorridente agarrava uma Anfitrite libidinosa; o umbigo dela brilhava ao sol encharcado pelos jatos, ninho, em breve, de beijos secretos na penumbra subaquática. Dom Fabrizio parou, olhou, recordou, lamentou. Permaneceu ali por um bom tempo."

Peppa Pig sem partido - Antonio Prata



Adams Carvalho/Folhapress


"Olá. Chamo-me Adolfo Benito Franco Salazar Pinto. Sou um personagem criado pelo esquerdopata cujo nome aparece aí acima, em azul -embora a cor certa fosse o vermelho. Preciso explicar que sou um personagem porque o meu público [dele, Benito -a observação é do Antonio] não entende bem essa viadagem de ficção. A gente, quando quer falar, fala na cara, não fica fazendo livrinho, filminho, quadrinho e outros mimimis para depois dizer, "ah, vocês não entenderam, isso não era isso, isso era um símbolo!". Símbolo é a bandeira de República Federativa do Brasil e a nossa bandeira jamais será vermelha! Nem rosa! Estou falando, evidentemente, da exposição pederasta pedófila comunista "Queermuseu", em Porto Alegre, que tentou destruir a família brasileira, mas foi impedida por cidadãos e instituições de bem como eu, o MBL e o Santander.
Foi uma batalha importante, mas a guerra está apenas começando. Os comunistas estão na arte, na mídia, nas escolas, onde você menos espera: sou pai de seis filhos e posso afirmar que mais de 99% dos desenhos animados são pura doutrinação esquerdista.
"Peppa Pig": clara propaganda feminazi. O Papai Pig é um banana e o George passou quatro temporadas sem aprender outra palavra além de "dinossauro". Já a Peppa, a Mamãe Pig e a Madame Gazela são mulheres "empoderadas" que sabem tudo. A maior mensagem que as feminazi querem difundir, contudo, é subliminar. Repare nas cabeças dos porcos: são na verdade sacos escrotais com pequenos pênis, minúsculos pênis, numa óbvia tentativa de abalar a autoridade masculina.
"Dora Aventureira": mais uma menina! E pior: hispânica. Ou latina. Ou sei lá qual é, hoje em dia, o termo "politicamente correto" para "cucaracha". A função do desenho é ajudar os filhos dos imigrantes ilegais estupradores mexicanos a adaptarem-se aos EUA para roubar o emprego dos americanos e quebrar o país. Felizmente, os EUA têm um presidente forte que está revertendo a invasão, mas a criança brasileira que já é bombardeada de todos os lados pela propaganda esquerdista assiste e acaba achando que imigrante é algo positivo. Acha imigrante fofinho, amigo! Então pega um terrorista árabe e leva pra casa!
"Masha e o Urso": menina, de novo! Essa, porém, apesar de loira, não é nenhum exemplo de conduta. Destrói tudo por onde passa. E o urso, em vez de reprimi-la, exercendo sua natural autoridade masculina, fica passando a mão na cabeça. Alguma semelhança com a esquerda que defende bandido, drogado, "black bloc"? "Ah, os direitos humanos!", "Ah, ela é menor de idade!". A gente sabe quem está por trás desses discursos! Cuba, Foro de São Paulo, Cartoon Network!
"Dumbo" e "Nemo": exaltação da família monoparental com protagonistas deficientes físicos. A esquerda acha lindo! Em "Dumbo", o único empresário, dono do circo, é cruel e inescrupuloso. Em "Nemo", as tartarugas são claramente maconheiras. E "Bambi"?! "Ai, eu não sei andar!", "Ai, a mamãe morreu!". Mimimi! Por que não um touro, um cavalo, em vez de um veado?
Os exemplos são infinitos, mas a nossa paciência, não. Basta! O gigante acordou! Pelo fim da arte degenerada, já! Escola sem partido, já! Remodelação dos rostos da família Pig, já! Por uma Dora caucasiana, já! Revisão do Estatuto do Desarmamento, já! Redução da maioridade penal e Masha na cadeia, já! Bolsonaro 2018, já! Quer dizer, em 2018!
Adolfo Benito Franco Salazar Pinto, Juqueri, 2017 

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Gatos e monstros - Milton Hatoum


Às cinco e vinte da manhã, acendi a luz e comecei a limpar o banheiro dos dois irmãos. O mais magro é bagunceiro e leva jeito de destemido, mas se assusta até com uma sombra; Temis, a irmã dele, é mais quieta e, em certos momentos, se entrega à reflexão. Ambos mantêm uma postura elegante, altiva, sem falar na conduta ética, de fazer inveja nestes tempos... 
Antes de jogar os dejetos nas folhas de um jornal de junho, dei uma olhada nas fotografias e manchetes. E o que vejo, ainda em jejum? Uma imagem de rostos monstruosos: um grupo de machos governamentais, jovens e velhos, uns oito ou nove velhacos, indiciados ou investigados. Ao lado desses homúnculos, uma chamada na capa: “O presidente sancionou uma Medida Provisória que reduz em quase 40% a área da Floresta Nacional do Jamanxim (PA)”. São os grandes grileiros, em conluio com certos políticos do Pará, de Mato Grosso... 
Quando dizem que vão fiscalizar uma área florestal liberada para extração de minérios ou plantação de soja, só um ingênuo é capaz de acreditar nessa mentira deslavada. Não fiscalizam nem mesmo o Parque Nacional, ali perto de Sobradinho, nas barbas do Planalto... 
Por que somos tão passivos diante de tantos crimes? Onde estão as panelas de antanho? Perguntas que faço a Temis, enquanto junto com uma pá a areia suja e cubro a imagem dos machos meliantes, todos eles mais empedernidos que os dejetos dos felinos, e mais rapaces que hienas, com a devida vênia a esses devoradores de cadáveres.
Embrulho tudo e escuto um miado melodioso: é um pedido para que eu abra a janela, pois está amanhecendo, e minha felina de pelagem cinza é crepuscular. Sei que essa bela palavra é batida, mas não encontro outra para expressar a atração de Temis pela primeira luz da manhã e a última da tarde, quando ela contempla com olhar parcimonioso, e não raramente sonhador, o mundo lá fora. 
Ali embaixo se reúnem os primeiros operários que trabalham numa torre de concreto, alguns se benzem ao passar diante da igreja, ainda fechada. À direita, quase na esquina, um rapaz abre a banca de revistas e jornais e pendura as manchetes das iniquidades do Brasil: “País de caminhos fechados”, como escreveu o poeta. 
Temis vê a faxineira do prédio na calçada, olha para mim e pisca: é o afeto felino, tão puro e espontâneo, que rima com cristalino. Nas raras andanças pelo térreo, a gata conversa com a faxineira sobre a vida, sempre mais dura e perigosa para milhares de mulheres que acordam às cinco da matina, rezam para não ser assaltadas e atravessam a cidade para ganhar o pão de cada dia. 
No fim da tarde, a felina gosta de escutar o Magnificat e ver os noivos radiantes sob uma chuva de arroz na porta da igreja, antes de rumarem à primeira ou milésima noite. Ela não sai da janela, pois sabe que ainda ouvirá um réquiem na missa à memória de uma pessoa que passou para o outro lado do espelho. 
Amanhã, bem cedinho, vou acender a luz e despejar os dejetos nos rostos dos farsantes monstruosos. Depois, no crepúsculo do dia e da noite, vou acompanhar o olhar da felina, que salta do mundo real ao imaginário, vai da tristeza à alegria, da esperança ao desencanto, numa onda de emoções que também me comove. 

terça-feira, 12 de setembro de 2017

Napoleões - Luis Fernando Verissimo

Napoleão Bonaparte era um escritor frustrado. Tinha escrito contos e poemas na juventude, escreveu muito sobre política e estratégia militar e sonhava em escrever um grande romance. Acreditava-se, mesmo, que Napoleão considerava a literatura sua verdadeira vocação, e que fora a sua incapacidade de escrever um grande romance e conquistar uma reputação literária que o levara a escolher uma alternativa menor, conquistar o mundo.
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Estive pensando no que isso significa para os escritores de hoje e daqui. Em primeiro lugar, deve levá-los a pensar na enorme importância que tinha a literatura nos séculos 18 e 19, e não apenas na França, onde, anos depois de Napoleão Bonaparte, um Vitor Hugo empolgaria multidões e faria História não com batalhões e canhões, mas com a força da palavra escrita, e não em conclamações e discursos, mas, muitas vezes, na forma de ficção.
Não sei se devemos invejar uma época em que reputações literárias e reputações guerreiras se equivaliam dessa maneira, e em que até a imaginação tinha tanto poder. Mas acho que podemos invejar, pelo menos um pouco, o que a literatura tinha então e parece ter perdido: relevância. Se Napoleão pensava que podia ser tão relevante escrevendo romances quanto comandando exércitos, e se um Vitor Hugo podia morrer como um dos homens mais relevantes do seu tempo sem nunca ter trocado a palavra e a imaginação por armas, então uma pergunta que nenhum escritor daquele tempo se fazia é essa que hoje fazem o tempo todo: para o que serve a literatura, de que adiantam as palavras, onde está a nossa relevância?
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Depois que a literatura deixou de ser uma opção tão respeitável e vigorosa para um homem de ação quanto a conquista militar ou política – ou seja, depois que virou uma opção para generais e políticos aposentados, mais um consolo para a perda de poder do que poder – ela nunca mais recuperou o seu pé de igualdade. Ou, digamos assim, sua respeitabilidade, na medida em que qualquer poder, por armas ou por palavras, pode ser respeitável. Hoje, a literatura só participa da política, do poder e da História como subalterna e como instrumento. Ou como cúmplice. 
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Acho que todos nós que escrevemos no Brasil, principalmente os que têm um espaço na imprensa para fazer sua pequena literatura ou simplesmente dar seus palpites, temos essa preocupação. Nunca sabemos exatamente do que estamos sendo cúmplices. Podemos estar servindo de instrumentos de alguma agenda de poder sem saber, podemos estar contribuindo, com nossa indignação ou nossa gozação, para legitimar alguma estratégia secreta, sem querer. Ou podemos simplesmente estar colaborando com a grande desconversa nacional, a que distrai a atenção enquanto a verdadeira história do País acontece em outra parte, longe dos nossos olhos e indiferente à nossa crítica. Não somos relevantes, ou só somos relevantes quando somos cúmplices, conscientes ou inconscientes.
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Mas comecei falando da frustração literária de Napoleão Bonaparte e não toquei nas implicações mais importantes do fato, pelo menos para o nosso amor-próprio. Se Napoleão só foi Napoleão porque não conseguiu ser escritor, então temos esta justificativa pronta para o nosso estranho ofício: cada escritor a mais no mundo corresponde a um Napoleão a menos. A literatura serve, ao menos, para isso: poupar o mundo de mais Napoleões. Mas existe a contrapartida: muitos Napoleões soltos pelo mundo, hoje, fariam melhor se tivessem escrito os romances que queriam. O mundo, e certamente o Brasil, seria outro se alguns Napoleões tivessem ficado com a literatura e esquecido o poder. Não me peçam para citar nomes. 

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Etiqueta - Luis Fernando Verissimo



A duquesa de Noailles era conhecida na corte de Luiz XVI como “Madame la Etiquette”. Era obcecada pelo protocolo. Tanto que, quando ficou senil, começou a escrever longas cartas para a Virgem Maria discutindo questões de etiqueta no céu e ditando regras de conduta e prudência na eternidade. O padre confessor da duquesa respondia às cartas, assinando-as “Maria”. As respostas aparentemente não agradavam à velha e ela uma vez comentou a respeito da sua correspondente no Além, que não se podia esperar demais de uma camponesinha de Nazaré que, afinal, só entrara para a nobre Casa de Davi através do casamento. 
A duquesa de Noailles ficou como um exemplo extremo das pessoas que não entendem o tempo em que vivem. Certamente, o comentário que faria sobre a revolução que rugia à sua volta, se tivesse lucidez para notá-la, seria que se tratava de uma coisa de muito mau gosto. Pelas normas da duquesa, tudo se dividia entre o que era e não era de bom-tom. Um recado para a elite e a classe patronal brasileiras, que deveriam mudar seus termos de referência para não acabar como a duquesa - que, por sinal, foi guilhotinada.
Não se sabe a opinião da duquesa de Noaille sobre outra questão protocolar francesa. O restaurante Laperouse, que fica na beira do Sena, na esquina com a Rue des Grands Augustins, tem salas particulares, usadas, há mais de século e meio, por grandes senhores e suas “petites filles”. Na parede de uma dessas salas ainda existe um espelho, todo riscado. Era na sua superfície que as meninas testavam a autenticidade dos diamantes que acabavam de receber - e, portanto, o caráter e as intenções dos seus acompanhantes. A cada arranhão daquele vidro correspondia um romance, um caso bem-sucedido ou no mínimo uma hora de amor agradecido. Tudo feito com elegância e distinção.
Mas a verdadeira prova de comportamento civilizado - e, pensando bem, de todos os valores da época - devia ser quando o diamante do anel não produzia nenhuma marca no espelho. Imagine a cena, a moça esfregando o falso diamante contra o espelho e este, com silenciosa eloquência, denunciando a falsidade tanto da pedra quanto do cavalheiro. Ninguém, certamente, diria uma palavra sobre o vexame. O único efeito do fiasco seria que, pelo resto da noite ficaria, entre eles, um clima que só pode ser descrito como meio assim. Eles teriam que conviver, educadamente, com a evidência de que “monsieur” era um patife. 
Restaurant Lapérouse

É possível compreender? - Roberto DaMatta

Um dos mistérios das sociedades humanas é a constatação de como os seus membros são (e estão) convencidos de que suas crenças, gestos, comidas, rituais, utopias, ideologias (e tudo o mais que denominamos “estilo de vida”) são óbvios, virtuosos, legais e religiosamente certos. O deles é fantasioso. Mas o nosso é mais do que verdadeiro - é real. 
Além disso, é espantoso descobrir que toda essa tonelagem de valores é invisível aos seus membros. O crente não tem consciência da sua crença. O feitiço é tão grande a ponto de pensarmos que falamos uma língua quando é a língua que nos fala. E só tomamos consciência disso quando nos confrontamos com a aparente algaravia de um outro idioma. O encontro com o outro obriga a perceber a diferença e a diferença é o limite que condena a traduzir e a tentar compreender.
Para o portador da boa-nova e para o crente, o extraordinário é descobrir o tamanho do batalhão de outros crentes que, com crenças diferentes das suas, também formam a humanidade. Esse foi o susto desagradável que a antropologia social deu no eurocentrismo. A tolerância é um hóspede não convidado de um mundo que confunde tecnocracia com sabedoria. 
A diversidade agencia dúvidas, conduz a escolhas e engendra o inimigo capital dos crentes: a liberdade, o ceticismo e o inesperado abraço da compreensão. O caminho da transcendência anunciada por alguns santos, poetas e filósofos. 
Mesmo quando o crente conhece outras crenças, ele não as percebe como alternativas, mas as encara dentro de uma matriz que vai do infantil e do eventualmente divertido até chegar ao “esquisito”. Daí para o errado, o proibido, o censurável, o louco e o abominável, é um passo. 
Mas como toda rigidez contém o seu contrário, só a crença produz descrença. E, assim, toma o infiel como desafiador - o outro absoluto -, como forte ou superior justo porque ele resiste. A religião abolida torna-se feitiçaria; a ideologia reprimida vira virtude, a música censurada é a mais ouvida. E o estrangeiro branquela e louro, engalanado por sotaques, é tido como mais civilizado; enquanto o nosso familiar universo misturado é apresentado como doente e atrasado.
Para o nosso lado permanentemente colonizado, os estrangeiros brancos - os “de fora” - sempre foram superiores. Eles contrastam com os negros africanos e os nativos que, no Brasil, constituem uma ficção chamada de “povo”. Na nossa mitologia, cada qual tem uma cota de poder. 
Mas nenhuma atinge o ideal atribuído aos “brancos”, que reiteram o paradigma clássico segundo o qual o herói civilizador é um superestrangeiro. Só que eles não vieram do céu, como os deuses, mas nos “descobriram”. Assim, imperadores e imperatrizes austríacas que falavam com sotaque, mandavam na multidão de mestiços e negros dominados por costumes tidos como exóticos e atrasados. De um lado, a Corte; do outro, o Brasil...
O modelo de cima e de fora proibia o de dentro, lido como inferior e doente. Aceitamos costumes de fora tanto quanto ignoramos as nossas práticas cotidianas. Tudo o que é de fora é “legal”. Tudo o que é de dentro é visto como “tupiniquim” - como atraso. Daí resulta essa imensa segmentação entre a máquina administrativa, com seus formalismos supostamente civilizados, e o Estado e a sociedade feitos de jeitinhos nos quais se concretiza o mal-estar de uma indisfarçável ilegalidade recorrentemente produzida. Ilegalidade que cresce na medida em que recusamos levar a sério hábitos e estilos de vida e inventamos leis que não podem pegar. De fato, que fazer quando o compadrio e o parentesco puxam para a nomeação do sobrinho, contrariando a regra que criminaliza o nepotismo costumeiro? O administrador público segue a lei até ser capturado pela força das crenças embutidas nos costumes. Achar que costumes mudam com leis é uma crença que, como diz Gilberto Freyre, promove enormes mudanças formais, mas deixa intocados costumes e crenças para os quais essas mudanças foram dirigidas. Mudamos as leis, mas não preparamos a sociedade para as mudanças por elas requeridas. Seria muito melhor diminuir o fervor legalista para dar mais atenção às demandas dos costumes. Pois a sua força só será domesticada quando eles forem reconhecidos, compreendidos e, na medida do bom senso, atendidos.
Enquanto isso não for realizado, vamos continuar a ter Estado e sociedade como inimigos. Cada qual cavando a sepultura do outro como é o caso dessa crise interminável na qual as demandas da amizade se confundem com as responsabilidades dos cargos e poderes. 

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Crianças, cachorros e deuses - Leandro Karnal


Na Idade Média, não havia crianças e não existia o amor materno como o entendemos hoje. A ideia é tradicional para os historiadores. Costuma encontrar alguma reação em públicos de outras áreas. “Não havia crianças? Nasciam adultos”? Sim, adultos “inaptos” que deveriam ser treinados para que se tornassem produtivos e responsáveis. Criança está ligada ao verbo latino para aumentar, produzir, erguer. Infantil é literalmente quem não sabe falar. A criança era definida pela negativa do adulto. É difícil pensar sobre outros modos de significação quando estamos diluídos no nosso.
Um processo de séculos, como a invenção da criança, perde objetividade. Vamos para uma transformação mais recente: a relação dos humanos com animais domésticos de companhia. 
Nasci no interior, em uma casa de pátio amplo. Cães e gatos eram frequentes. Aprendi a gostar deles desde muito cedo e ainda tenho saudades de animais que morreram há mais de 30 anos, como o cocker spaniel Drop ou a gata Lucrécia (sem raça definida).
Nosso amor era compartilhado pela família e, mesmo assim, cães e gatos comiam, quase sempre, restos das refeições familiares. O veterinário existia, mas, mesmo entre bem situadas famílias de classe média do interior, era um apelo extraordinário em caso grave. Animais não eram levados regularmente a consultas. 
Tudo isso foi sendo transformado em ambientes urbanos brasileiros. A ideia de alimentação deu um passo quando se popularizou o hábito de misturar uma polenta com alguma carne de segunda ou miúdos de frango. Quem fazia isso já indicava um pertencimento social acima da média. 

Vi surgir o mercado de rações. Propagandas ressaltavam como era saudável e como era prático comprá-las. Os ramos se especializavam: havia para gatos, para cães e para filhotes em geral. Embalagens começaram a destacar virtudes: pelos sedosos, disposição, saúde dental. Brotaram biscoitos caninos, bifinhos, ossos artificiais, brinquedos e casinhas cada vez mais sofisticadas. 
Canis e gatis brotavam junto a pet shops. Assisti também às primeiras propagandas de passeadores, hotéis de fim de semana para animais e, bem mais recentemente, acupuntura, ofurô e hidroginástica para nossos amados quadrúpedes. 
Parece, por simples observação empírica sem método científico, que há mais raças e maior variedade pelas ruas hoje. Minha infância tinha muitos sem raça definida ao lado de um minoritário pastor-alemão, pequinês, fox paulistinha e um punhado escasso de outros.
Os nomes? Meu avô tinha um cão denominado Piloto que o acompanhava em caçadas e pescarias. Nós tivemos uma Lady: por influência do desenho A Dama e o Vagabundo. A já citada Lucrécia era uma exceção ligada ao meu gosto por História (de Lucrécia Bórgia). A norma eram nomes como Rex para cães e Mimi para gatos. Hoje, nome e sobrenome, quase sempre sofisticados, substituem os simples e diretos do passado. 
Um cão dormindo do lado de fora de casa, amarrado por um fio de arame ou corrente, é algo menos comum hoje, ainda que existam muitos animais abandonados. 
Cães e gatos, especialmente na classe média e alta, foram humanizados. Em vez de adereços simpáticos, transformamos cães e gatos em parte integrante da afetividade humana. As raças são variadas e, como todo dono de animal sabe, ao passear com seu animal, parte do sucesso do bípede está relacionada ao quadrúpede. 
Usei esse exemplo para pensar o que eu dizia no começo. O século 20 viu surgirem códigos de proteção aos animais e, hoje, uma cena de espancamento de um cachorro na rua pode causar indignação muito intensa. A antropomorfização dos animais é quase completa e visível ao longo da minha geração. Cães e gatos foram tornados filhos. Sua morte provoca luto familiar e até depressão. 

Graciliano Ramos inovou muito ao fazer o conto Baleia, que daria origem a Vidas Secas. Imprimiu personalidade ao animal. Baleia parece mais matizada nos sentimentos do que os pais Fabiano e Vitória. As crianças nem têm um nome. 
Há dois anos, eu dei um curso em São Paulo sobre a história da concepção de Deus. Dois jornalistas de um importante órgão de imprensa vieram fazê-lo. Perguntei, no intervalo, sobre a motivação. Eles disseram que havia sido feita uma pesquisa no jornal e foram identificados dois temas de máxima atenção do público. Com a pesquisa, os diretores enviaram jornalistas em missão de angariar conhecimentos a fim de que a empresa se afinasse com a vontade soberana dos leitores-clientes. Quais os temas? O primeiro era óbvio: Deus, o que explicava a presença no curso. O segundo? Animais de estimação. Não me recordo se a ordem era crescente ou decrescente de importância. Em todo caso, pensei em silêncio: a ideia bíblica de um Adão nomeando e submetendo a natureza ia dando lugar à divinização egípcia dos seres. O Gênesis recuava diante do Livro dos Mortos. 
Tivemos um santo cachorro na Idade Média, São Guinefort. Os animais foram humanizados. Será que o próximo passo seria torná-los deuses? Há cemitérios para animais de estimação. Campos-santos guardam a vontade de homenagear com a esperança do reencontro. Há sempre uma promessa de alma quando sepultamos com reverência. 
Estamos em maior sensibilidade em relação aos outros seres vivos ou diminuindo nossa crença no humano? Não sei. Só sinto que tenho saudades da Lucrécia e do Drop.


domingo, 3 de setembro de 2017

A triste vida sem gordura - David Coimbra



O detetive Philip Marlowe estava sozinho em seu apartamento, quando ouviu batidas na porta. Foi abrir e deparou com uma loira que, só de olhar, dava vontade de uivar para a Lua. Ele a encarou. Ela o encarou. Ela perguntou:

- Tem alguma coisa gelada aí?

Ele respondeu: - Só o meu coração.

Ah! Que cena! Que resposta do bom e velho Marlowe! Desde que li esse trecho de um dos romances de Raymond Chandler, fiquei esperando que uma loira de fazer uivar para a Lua batesse à minha porta e me jogasse essa pergunta no peito. Podia ser morena também. Ou negra. Ou ruiva. Tanto fazia, mas eu precisava dizer, com um toque de cinismo amargo:

- Só o meu coração. Tristemente, nunca tive a mesma sorte do personagem de Chandler. Mais uma frase genial que não digo.

O meu amigo Ivan Pinheiro Machado gosta de usar outra frase que Chandler colocou entre os dentes de Marlowe. É quando alguém lhe conta algo e pede discrição. Então, ele invariavelmente cita:

- Jogue um segredo dentro de mim e não ouvirá bater no fundo.

Um homem que diz algo assim é um homem de princípios. Tenho cá também os meus. Repito sempre:

"Nenhuma mulher paga com David Coimbra".

Que tal?

Mas algo em que realmente acredito é o seguinte:

"A vida sem um pouco de gordura não vale a pena ser vivida".

É sobre essa profunda filosofia que queria discorrer. Ocorre que médicos descobriram que a gordura animal não faz mal à saúde.

Você sabe o que isso significa? Significa que a banha de porco, enfim, irá se redimir.

Minha avó, dona Dina, só fazia feijão com banha de porco. Se você nunca comeu feijão feito com banha de porco, você não é feliz.

A banha era fartamente utilizada na cozinha da minha avó. Devido ao preço proibitivo da manteiga, ela às vezes nos servia pão com banha e sal. Nós adorávamos.

Hoje, o regime alimentar na casa da minha avó seria considerado pouco ortodoxo. Como refrigerante, por exemplo, volta e meia ela nos dava vinho com água e açúcar. Coca-Cola, jamais.

Mas o que importa aqui é que a redenção da gordura animal tirará do ostracismo também o bacon. Nos Estados Unidos, come-se bacon sem medo, porém com culpa. No Brasil, dizem que há tolerância, mas a verdade é que existe preconceito dissimulado contra o bacon. O Brasil é assim.

Pois bem, é hora de mudar. Abra sua cabeça. Pense que o bacon é nosso amiguinho. Tanto, que vou lhe dizer o que fazer neste final de semana: você irá adquirir bacon em finíssimas tiras da espessura de uma folha de papel almaço. Feito isso, irá estirá-las gentilmente na frigideira, que estará sobre fogo baixo, bem baixo. Tape a frigideira. E espere. Espere.


Adrede preparados estarão uma cebola de bom tamanho e três dentes de alho, e preparados que digo é que eles estarão picados em pedacinhos minúsculos. Preste atenção: a gordura deve estar escorrendo do bacon, como a verdade escorre das bocas dos delatores da Lava-Jato. É com essa gordura fervente que você fará o refogado da mistura do alho com a cebola. Assim que o refogado estiver pronto, deite sobre ele uma xícara de arroz. Mexa, mexa rapidamente, mas nunca com pressa. Derrame água na panela. Acrescente sal. Mexa mais uma vez e não toque mais na panela, até que a água tenha evaporado.

Ainda há um pouco de gordura na frigideira. Deixe que fique por lá, porque você a usará no futuro próximo. Mas retire as fatias de bacon e triture-as como se elas fossem políticos de Brasília.

Veja! O arroz já está pronto. Agora é hora de usar o resto de gordura que está na frigideira. É com ele que você fritará dois ovos. Lembre-se: gema mole, clara dura, com bordas douradas e crocantes. Este é o ponto divino.

No frigir dos ovos, revolva o arroz com o bacon triturado. Faça com que os dois ovos aterrissem suavemente no monte. O acompanhamento pode ser feito com uma cerveja de trigo da cor das pernas longas de Gisele Bündchen. Coma assistindo a um antigo filme noir na TV. E repita para você mesmo minha frase imortal:

- A vida sem um pouco de gordura não vale a pena ser vivida.


Um brinde às inimigas - Manuela Cantuária

  Duas amigas em uma mesa de bar. Uma delas ergue seu copo. "Um brinde às inimigas, que elas tenham saúde em dobro para aplaudir nosso ...