domingo, 3 de setembro de 2017

A triste vida sem gordura - David Coimbra



O detetive Philip Marlowe estava sozinho em seu apartamento, quando ouviu batidas na porta. Foi abrir e deparou com uma loira que, só de olhar, dava vontade de uivar para a Lua. Ele a encarou. Ela o encarou. Ela perguntou:

- Tem alguma coisa gelada aí?

Ele respondeu: - Só o meu coração.

Ah! Que cena! Que resposta do bom e velho Marlowe! Desde que li esse trecho de um dos romances de Raymond Chandler, fiquei esperando que uma loira de fazer uivar para a Lua batesse à minha porta e me jogasse essa pergunta no peito. Podia ser morena também. Ou negra. Ou ruiva. Tanto fazia, mas eu precisava dizer, com um toque de cinismo amargo:

- Só o meu coração. Tristemente, nunca tive a mesma sorte do personagem de Chandler. Mais uma frase genial que não digo.

O meu amigo Ivan Pinheiro Machado gosta de usar outra frase que Chandler colocou entre os dentes de Marlowe. É quando alguém lhe conta algo e pede discrição. Então, ele invariavelmente cita:

- Jogue um segredo dentro de mim e não ouvirá bater no fundo.

Um homem que diz algo assim é um homem de princípios. Tenho cá também os meus. Repito sempre:

"Nenhuma mulher paga com David Coimbra".

Que tal?

Mas algo em que realmente acredito é o seguinte:

"A vida sem um pouco de gordura não vale a pena ser vivida".

É sobre essa profunda filosofia que queria discorrer. Ocorre que médicos descobriram que a gordura animal não faz mal à saúde.

Você sabe o que isso significa? Significa que a banha de porco, enfim, irá se redimir.

Minha avó, dona Dina, só fazia feijão com banha de porco. Se você nunca comeu feijão feito com banha de porco, você não é feliz.

A banha era fartamente utilizada na cozinha da minha avó. Devido ao preço proibitivo da manteiga, ela às vezes nos servia pão com banha e sal. Nós adorávamos.

Hoje, o regime alimentar na casa da minha avó seria considerado pouco ortodoxo. Como refrigerante, por exemplo, volta e meia ela nos dava vinho com água e açúcar. Coca-Cola, jamais.

Mas o que importa aqui é que a redenção da gordura animal tirará do ostracismo também o bacon. Nos Estados Unidos, come-se bacon sem medo, porém com culpa. No Brasil, dizem que há tolerância, mas a verdade é que existe preconceito dissimulado contra o bacon. O Brasil é assim.

Pois bem, é hora de mudar. Abra sua cabeça. Pense que o bacon é nosso amiguinho. Tanto, que vou lhe dizer o que fazer neste final de semana: você irá adquirir bacon em finíssimas tiras da espessura de uma folha de papel almaço. Feito isso, irá estirá-las gentilmente na frigideira, que estará sobre fogo baixo, bem baixo. Tape a frigideira. E espere. Espere.


Adrede preparados estarão uma cebola de bom tamanho e três dentes de alho, e preparados que digo é que eles estarão picados em pedacinhos minúsculos. Preste atenção: a gordura deve estar escorrendo do bacon, como a verdade escorre das bocas dos delatores da Lava-Jato. É com essa gordura fervente que você fará o refogado da mistura do alho com a cebola. Assim que o refogado estiver pronto, deite sobre ele uma xícara de arroz. Mexa, mexa rapidamente, mas nunca com pressa. Derrame água na panela. Acrescente sal. Mexa mais uma vez e não toque mais na panela, até que a água tenha evaporado.

Ainda há um pouco de gordura na frigideira. Deixe que fique por lá, porque você a usará no futuro próximo. Mas retire as fatias de bacon e triture-as como se elas fossem políticos de Brasília.

Veja! O arroz já está pronto. Agora é hora de usar o resto de gordura que está na frigideira. É com ele que você fritará dois ovos. Lembre-se: gema mole, clara dura, com bordas douradas e crocantes. Este é o ponto divino.

No frigir dos ovos, revolva o arroz com o bacon triturado. Faça com que os dois ovos aterrissem suavemente no monte. O acompanhamento pode ser feito com uma cerveja de trigo da cor das pernas longas de Gisele Bündchen. Coma assistindo a um antigo filme noir na TV. E repita para você mesmo minha frase imortal:

- A vida sem um pouco de gordura não vale a pena ser vivida.


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