Sete meninas altas, de uniforme esportivo, passam à minha frente. Tento ler nas mochilas, perto do logo do Banco do Brasil, umas letrinhas que devem revelar a modalidade. Não consigo, elas se movem rápido, com a pressa de seus dezesseis ou dezoito anos. Penso: é um pouco irônico os jovens terem pressa e os velhos, paciência. Não deveria ser o contrário?
Acho que elas jogam vôlei, são todas altas, mas não tão altas como as profissionais. Imagino-as daqui a algumas décadas —advogadas, veterinárias, engenheiras— contando para amigos, namoradas ou namorados surpresos, "sim, eu era federada, cheguei a ficar em terceiro no sub-17 paulista".
Dois homens bebem cerveja e comem x-burgers. São nove e quarenta e sete da manhã —fora do aeroporto. Ali dentro o tempo é outro. Quem sabe eles estejam no fuso da Alemanha? De Kiribati? Ou talvez seja apenas a licenciosidade concedida pela proximidade da morte. (Uma proximidade apenas imaginada, claro, é muito mais perigoso andar de carro do que de avião, mas vai explicar isso para nossos cérebros que se formaram durante milhares de anos com os pés no chão.).
Não só a gula decola nos aeroportos. Um cara de uns 30 anos, tênis Vert e coletinho estilo XP, com a segurança de quem acaba de receber 10 milhões de investimento em sua startup, troca olhares com uma moça mais ou menos da mesma idade, calça preta, paletó e salto alto, com a segurança de quem acaba de aportar 20 milhões numa startup. (Gostaria de obter dados comparando as vendas de camisinha e Viagra nas farmácias dos aeroportos às das existentes fora dali. Certeza que deve comprovar a minha teoria).
Com todo respeito à sacrossanta Igreja Católica, não pretendia passar do citrato de sildenafila às freiras em um parágrafo, mas três delas cruzam meu caminho. Por que será que freira viaja tanto? Eu nunca as vejo caminhando pelas ruas. Passeando num shopping. Tomando sol num parque. Mas basta eu pisar num aeroporto que elas brotam, sempre aos cachos. (Não existe a freira individual, assim como não existe padre em grupo).
Uma vez viajei ao lado de uma freira. Confesso que, apesar de ateu, me deu uma certa segurança. É sempre bom, numa situação tensa, ter ao lado alguém que fala diariamente com Deus. Mas bastou o avião correr na pista pra ela puxar um papo não muito tranquilo com o divino: começou a rezar fervorosamente, apavorada. Quase a repreendi. "Minha senhora, se você que acredita ir pro céu depois da morte fica assim, o que espera de nós outros que imaginamos virar minhoca? Por favor! Recomponha-se!". Acabei não falando nada, apenas olhei em volta, instintivamente, procurando as outras freiras, que obrigatoriamente estariam no voo. Uma dormia, outra comia uma barra de cereais —o que me pareceu, não sei explicar porquê, uma atitude repreensível.
Um piloto cruza o salão com seus passos imperiais. Gosto de ver o orgulho com que os pilotos transitam pelos aeroportos. Não gosto de como os médicos se portam em hospitais. Há neles uma arrogância que não vejo nos pilotos. Os pilotos são os mágicos da festa. Os médicos são domadores de leão.
Um cara de uns quarenta e cinco anos abre o notebook sobre a mesa de um café. Pensa no trabalho que precisa ser feito. Pensa nos filhos que deixou em casa, dormindo. Pensa numa moça de mansos olhos verdes e revoltos cabelos negros de quem não queria se afastar. Sete meninas altas, de uniforme esportivo, passam à sua frente.
Adams Carvalho
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