quarta-feira, 14 de junho de 2023

Como ficar rico - Roberto DaMatta

 “Como ficar rico?”, perguntou brasileiramente Hermógenes, depois do terceiro copo de cerveja. “Ficar rico em que lugar, cara?”, questionou Cirênio, sério como quem sabia o segredo de enricar.

“Você pode vender sua alma ao diabo”, sussurrou Lourenço que, de todos nós, era o único católico praticante, devoto da Virgem de Guadalupe, padroeira do México e misericordiosa protetora dos fracos pelo álcool – a grande aflição do nosso amado companheiro.

“Estou falando em como ficar rico aqui no Brasil!”, bradou um irritado Hermógenes, com o copo transbordante da tão admirada loirinha bebida nesses simpósios do Bar do Soares – único lugar, como dizia o Raposo, onde havia discussão inteligente neste País.

“No Brasil, o modo mais fácil, mais suave, mais honesto, mais eficiente, mais glorioso e mais rápido de enricar é...” “Jogando no bicho ou na Mega Sena!”, disparou Soares, um gringo niteroiense compadre de um poderoso bicheiro.

“Pelas almas do purgatório! Como vocês são burros, pascácios, retardados, beócios, palermas, imbecis, tapados, retardados e sonâmbulos”, derramou o magistrado Pedreira, pálido de veemência que, com a lucidez de um Antônio Conselheiro, continuou: “Ouçam bem: fica-se rico na política, pela política e sendo político ou, como diz o Aurélio, virando um politicalho! Esse é o passaporte para se arrumar no Estado – ser dono do poder”.

“No Brasil”, continuou o magistrado, “ser ‘político’ é ser aquele que dá nó em pingo d’água. Quando falamos em ‘político’, estamos (com, claro, as devidas vênias) pensando num narcisista trancado em si mesmo, mas com sérias dívidas coletivas, porque, como ‘candidato’, ele messianicamente promete tudo resolver, mas, eleito e empossado, entra no sistema e nada muda. Personaliza-se e suas alianças neutralizam o seu élan mudancista. O revolucionário da campanha é devidamente domesticado e vira o reacionário vingativo e egoísta que transforma o cargo público em coisa sua. Aí ele fica rico, porque o servidor eleito passa a ser servido pelos seus inúmeros privilégios. Aliás, o viés histórico-social do sistema o transforma num aristocrata. O candidato ‘esquece’ o seu papel político impessoal e ‘emprega’ os compadres e amigos, pois a ética da ‘casa’ é mais poderosa do que a moderna impessoalize da ‘rua’. Os ‘centrões’ nada mais são que um retrato do personalismo do eleito e empossado, em paralelo a partidos sem compromisso com suas diretrizes sociais.”

“Então”, gritou do outro lado um colérico Mario Batalha, “você é contra a política, gostaria de um mundo de chefes e sem eleições?”

“De modo algum. O que quero é que a ‘política’ seja resgatada como Política – um nobre serviço. Um instrumento de igualdade, compensação e justiça social; e não um sinônimo de boa vida, narcisismo, autoritarismo, hipocrisia, negacionismo e enriquecimento pessoal.”

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