Sábado é o meu dia livre. Esse descompromisso semanal me torna melhor observador do mundo. Então, capto histórias corriqueiras da vida, no passeio pelo calçadão, na feira, na vizinhança.
Caminho em marcha acelerada, como fazia no quartel e como recomendava o doutor Moriguchi. Ainda assim, ouço fragmentos de conversas de outros frequentadores do local:
– Dói tanto, que não consigo nem abrir os olhos – diz a senhora da bengala, passos lentos, amparada pela acompanhante.
– Não corre, Dudu! – grita a mãe para o menininho que cai na grama e prossegue engatinhando na direção da pracinha.
– Ele disse que eu era lindinha e que queria dançar comigo – conta uma adolescente para a outra, ambas sentadas num banco de madeira.
Penso na esfinge da lenda: três pernas ao anoitecer, quatro ao amanhecer e duas ao meio-dia.
Sou semianalfabeto em verduras e legumes, mas não perco a feira de produtos orgânicos. Observava intrigado uma espécie de capim grosso numa das bancas quando dois fregueses falaram ao mesmo tempo:
– Quanto é o alho-poró?
A vendedora olha para ambos:
– Custa três e cinquenta, mas só tem esse maço.
Os pretendentes, uma mulher e um homem, se fitam. Quem levará? – me pergunto. Ela toma a iniciativa:
– Três ramos para você, três para mim.
A solidariedade entre estranhos custou pouco: R$ 1,75 para cada um.
O menino tem cinco anos e descobriu uma fórmula para ser ouvido: inventa raps. A mãe já não suporta a chorumela diária. É o rap do motorista, o rap do futebol, o rap da escola, tudo o que passa por sua rotina vira discurso cantado. É o próprio bardo das aventuras de Asterix. Qualquer coisa é motivo para uma cantoria que ninguém quer ouvir. Com uma diferença: ele sempre pede licença para a mãe antes de soltar o verbo. Já ouvi várias vezes esse diálogo:
– Mãe, posso cantar?
– Não, agora não. Vê se fica quieto um pouco.
– Mas eu não consigo...
Outro dia ele obteve a licença e repetiu 150 vezes a mesma frase, mais ou menos como fazem os rappers profissionais, até que a plateia de dois ouvidos chegou à exaustão.
– Vou te botar uma mordaça! – disse a mãe.
A resposta do gabrielzinho pensador foi demolidora:
– Aí eu não vou poder mais dizer que te amo.
Meu nome é Emanuel. Há tempos, eu pensava em criar um blog sobre leitura mas não encontrava o nome. "Crônicas Recolhidas e Cia Ilimitada" é, por enquanto, o nome provisório do blog. Além das crônicas, artigos de opinião, contos e poemas terão seu espaço aqui. Sempre que possível, além do texto, serão incluídos links e/ou imagens relativos ao tema.
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