Foto: Daniel Teixeira (Estadão)
Eu ando pelo bairro contabilizando placas de “Aluga-se” ou “Passo o Ponto”. A cada portão fechado, uma fagulha de memória acende alguma coisa dentro de mim.
Um bar fechado não é só um bar fechado.
As cadeiras estão empilhadas sobre um balcão em que eu já me debrucei. Dos quadros na parede, sobraram apenas pregos solitários onde fantasmas ainda se balançam.
O papel no chão mostra tudo o que consumimos (e, eventualmente, aquilo que nos consumiu). Quanto gastamos naquela noite? Quanto gastamos nos iludindo que tudo seria pra sempre – como nossos empregos, amores e projetos de festim. Uma conta no chão, uma conta que ainda não foi varrida. Quem vai pagar por isso?
O colarinho do chope era perfeito. Dois dedos de colarinho. E tinha um bigode de espuma no meu rosto embasbacado.
Quantas vezes eu me levantei para ir ao banheiro?
Uma porção de fritas também é poesia.
Eu paro para ouvir o vazio dos salões. O riso do amigo contando uma vantagem mentirosa, a discussão que o álcool regou por muitas rodadas. A flor áspera das nossas ilusões plantada em uma mesa de perna bamba.
Agora, quando fecho os olhos, o som que ouço me lembra o de um respirador, são como apitos, alertas de uma UTI, iguais aos do quarto em que meu pai estava internado.
Um restaurante fechado não é só um restaurante fechado.
Eu ainda te vejo sentada na mesma mesa, demorando para fazer o pedido, invejando meu prato e se arrependendo da escolha que havia acabado de fazer. O vinho era sempre do mais barato. A conta era dividida sem cerimônia.
A gente achava o garçom a melhor pessoa do mundo. E ele era, sem nenhuma dúvida, a melhor pessoa do mundo. Um dia você disse que “garçons eram anjos fazendo estágio na Terra”. A gente riu e deixou uma caixinha generosa.
Não tinha delivery. Mas a gente levava uma quentinha para depois. Era o nosso “restô dontê”. Como era boa a nossa vida quando ainda existia um “restô dontê”.
Um barbeiro fechado não é só um barbeiro fechado.
Eu queria mudar um pouco. Passar a máquina. Ficar careca. E acordar no ano que vem.
As placas de “Aluga-se” balançam com o vento. Uma tempestade está se formando. Na banca de jornal, leio que o presidente avisou que não irá comprar a vacina chinesa.
Passo o ponto. Passo o ponto também.
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