domingo, 19 de abril de 2020

Lições de quarentena em quatro contos


Ilustração de Catarina Bessell sobre o isolamento social provocado pela pandemia 


O BICHO-VÍRUS - Pedro Bandeira



Agora estou deitada no colo do papai. Ele estava lendo uma história para eu dormir, mas acabou pegando no sono antes de mim, e o livro caiu no tapete. Eu estou bem acordada e sinto no rosto o coração dele batendo com calma: pã, pã, pã... A mamãe havia se aninhado do lado, me abraçando. Também pegou no sono e eu sinto o coração dela pulsando nas minhas costas: pim, pim, pim... Será que coração de homem faz pã e de mulher faz pim? Sei lá...
E o meu? Bom, deve estar bem mais calminho por causa do bicho-vírus que está lá fora de bocão aberto, disposto a devorar quem sair de casa. Eu é que não saio!
Que bicho será esse? Vai ver é algum parente do Bicho-papão ou do Homem-do-saco. Quanta bicharada pra perseguir as criancinhas!
Mas quer saber duma coisa? Acho que esse bicho-vírus é meu amigo, porque desde que ele apareceu, minha vida melhorou muito.
Antes do Bicho-vírus, tinha vez que eu queria me queixar de ter brigado com a Glorinha, a minha melhor amiga na escola, e chegava em casa esperando até o fim da tarde quando o papai e a mamãe chegavam do trabalho pra contar que nunca mais na vida eu ia falar com a Glorinha. Só que quase sempre o papai chegava tão tarde que eu já estava na cama e, a mamãe, quando chegava, já era hora do banho, de preparar o jantar, de escovar os dentes, de ir pra cama, mas daí tinha passado tanto tempo que, quando ela me contava histórias pra eu dormir, eu estava tão cansada que dormia antes do final e nunca ficava sabendo como as histórias terminavam...
Eu adorava as vezes em que o papai chegava mais cedo e me trazia alguma revistinha ou algum livrinho e me punha no colo pra ler as histórias, porque eu ainda não sei ler nem escrever. Só o meu nome, com letra quadradinha. E era maravilhoso quando a mamãe não chegava cansada e me contava dos seus tempos de criança, de mocinha, e lembrava das histórias que sua vovó havia contado para ela, histórias de assombrações, de mulas-sem-cabeça. Que gostoso!
Mas isso só acontecia às vezes. Pelo jeito, os dois trabalham muito, porque dizem que o país está em crise e eu não sei o que é crise, vai ver é porque ninguém põe o país no colo e conta histórias de fadas e de bruxas pra ele...
Eles trabalhavam tanto, que na maioria das vezes era chato. Nessas vezes eu passava a tarde inteira com as minhas bonecas e elas ouviam com atenção todas as minhas queixas das brigas com a Glorinha e com a Ana Eduarda. Quase todas as tardes era assim: depois do almoço eu ia dar aula para as bonecas. Se alguma não prestava atenção, ia de castigo! No aniversário de cada uma eu preparava uma festa daquelas, com brigadeiro-de-mentirinha, com olho-de-sogra de mentirinha, algodão-doce... Daí telefonava pra Glorinha e juntas cantávamos Parabéns-a-você. Teve uma vez que eu fiz de conta que uma das bonecas era um noivo e preparei um casamento daqueles com a minha boneca preferida. Foi demais! Tudo era muito divertido, mas...
Mas tinha coisas que todo dia eu precisava contar pro pai e pra mãe. Às vezes, no fim de semana, dava pra gente ficar junto, mas daí já tinha passado bastante tempo e eu nem mais lembrava do que queria falar. Fim de semana era a casa da vovó, passeio com a Tia Adelaide e com o danado do primo Júnior, que cismava de puxar minha trança. E pro primo Júnior eu não contava nadinha!
Mas agora, felizmente, tudo mudou. E foi o Bicho-vírus que me salvou. Agora eu tenho o papai e a mamãe o tempo todo comigo, meu pai me conta histórias e vive falando do tempo em que ele era caçador de leões na África, depois de como ele pilotava aviões a jato para o Japão, teve até uma vez que ele estava pra ir à Lua num foguete, mas que o patrão dele não deixou porque tinha muito trabalho atrasado no escritório. E a mamãe? Procura receitas na Internet e me leva pra cozinha, me ensinando a misturar a farinha com a manteiga, bater as claras de ovos, e depois me deixa lamber a vasilha do bolo... Que delícia!
Tomara que esse Bicho-vírus nunca mais vá embora!
O escritor Pedro Bandeira: novo bicho-papão para as crianças Foto: Tiago Queiroz

AURORA - Veronica Stigger

Fazia tanto tempo que não falava com alguém (nem mesmo com sua imagem refletida na tela escura do computador desligado diante de si) que não conseguiu articular um som sequer quando ouviu um estrondo em seu apartamento. Sobressaltada com a suspensão repentina do silêncio que há muito prevalecia sobre as ruas antigamente tão movimentadas do centro da cidade, abriu a boca como se fosse emitir um longo dó de peito, mas nada saiu de seu interior escuro e, agora, fétido. Tentou levantar-se da cadeira, mas suas pernas fraquejaram. Erguera-se tão pouco nos últimos tempos que parecia ter desaprendido a andar. Apoiou-se com as duas mãos na escrivaninha à sua frente e fez força para se manter de pé. Outro estrondo assustou-a novamente, fazendo com que se desequilibrasse e caísse no chão, batendo com a parte de trás da cabeça na quina do assento da cadeira de madeira. Com o rosto franzido de dor, levou a mão esquerda até o machucado e verificou que não sangrava muito. Sentada no chão, olhou para frente e teve a impressão de que sua cama estava mais perto da mesa em que se apoiara. Seu apartamento tinha apenas uma peça, além da cozinha e do banheiro, e parecia ter encolhido. Poderia se tratar apenas de uma impressão, já que sua cabeça latejava muito, deixando-a um tanto zonza e desnorteada. Mal conseguia abrir completamente os olhos. Firmou-se com os braços no assento da cadeira e, num impulso, conseguiu voltar a se sentar. Porém, mais um estrondo fez com que seu corpo todo estremecesse. Dessa vez, podia jurar que a parede do fundo, onde ficava sua cama, de fato, havia se movimentado em sua direção. O quarto estrondo foi o mais violento. Parecia que o prédio iria ruir. Agora ela tinha certeza de que a parede do fundo do apartamento havia se deslocado um pouco mais em sua direção. O medo deu-lhe força para finalmente se levantar da cadeira, mas não o suficiente para fazê-la correr até a porta. Seus passos eram como os de um bebê cambaleante que apenas está descobrindo sua capacidade de pôr-se de pé ou como os de uma senhora centenária que sente o peso dos anos a pressionar os ossos. Não queria sair para a rua. Como todos, a vinha evitando nos últimos tempos e, mesmo agora que o acesso a ela estava plenamente liberado, não se sentia preparada para enfrentá-la. Temia ter de topar com os cadáveres.
Talvez fosse a única, em todo o país, que ainda permanecia em casa. Até mesmo à janela havia deixado de ir, desde que os cantos de guerra subitamente cessaram e restou apenas o silêncio – um silêncio que curiosamente se acentuou depois da libertação. Agora, sentindo a proximidade da parede às suas costas, não via outra maneira de escapar que não pela porta de saída do apartamento. Os estrondos cederam lugar a um som contínuo, como o de uma avalanche, que marcava o deslocamento cada vez mais rápido da parede do fundo. Ela tentava se apressar, mas suas pernas não respondiam à sua vontade. A cama lhe tocou os joelhos por trás e a derrubou no chão. A parede havia vencido e, agora, a empurrava com fúria em direção à porta, que caíra para trás, no corredor, com o desmoronamento das paredes laterais. Seu apartamento a compelia para a rua – e isso a apavorava. Tentou resistir, mas foi em vão. O apartamento continuava a avançar sobre ela que, sem conseguir se levantar, era arrastada pelo chão do corredor até a beira da escada, de onde rolou feito uma bola. Sua cabeça, já tão doída, quicava nos degraus. O interior do prédio estava tão escuro que ela sentia como se girasse no vácuo, feito uma astronauta que se vê subitamente desconectada da nave-mãe, perdida no espaço. Quando deu por si, estava sentada, nua, na calçada em frente ao prédio. Encolheu as pernas em direção ao peito e, quando baixou a cabeça latejante para chorar sobre os joelhos, percebeu que o piso não era mais de pedrinhas portuguesas; era de terra escura, coberta de folhas e galhos soltos. Olhou para os lados e viu que estava entre montanhas: uma cordilheira que se estendia à sua volta, a perder de vista. Os primeiros raios de sol do dia entravam pelas frestas. Como não havia percebido antes que morava numa caverna?, pensou. Lembrou-se, então, dos três ou quatro urubus que, durante todo aquele período de reclusão, via sempre pela janela e do voo livre que eles executavam nos dias ensolarados, como seria também aquele. Um deles, o mais destemido, volta e meia se desgarrava do bando e subia tão alto que parecia ir além das nuvens – ir além do próprio céu, rumo ao infinito. 

A escritora Veronica Stigger: estranhamento numa situação de emergência   Foto: Eduardo Sterzi


AS RUÍNAS MAIS BELAS - Carol Bensimon

No tempo em que todos os hotéis estavam funcionando, Edgar trabalhava como limpador de piscinas. Ia de um lugar para outro na kombi azul caiçara, Recanto das Hortênsias, Pousada das Montanhas, Hotel Serrano, Pousada Edelweiss. As coisas mais bonitas que já ouvira enquanto limpava piscinas tinham saído da boca das crianças: se o trabalho dele era salvar insetos – salva-vidas de formiga! –, se ele estava juntando folhas secas para sua coleção, se ele não era grande demais para brincar com uma peneira.
O vírus fechou os hotéis. Os gerentes mandaram mensagens de voz dizendo que não precisariam dos serviços de Edgar por algumas semanas e encerravam sempre com palavras positivas, mas ele não era nem tão otimista, nem tão bobo. Por três noites seguidas, ficou rodando pela cidade. Conseguia enxergar claramente a ruína de tudo. Tinha conhecido o lugar sem o parque temático da fábrica de chocolates, sem o teleférico, sem os festivais. Conseguia imaginar o escuro. Conseguia ouvir os grilos e ver as trepadeiras escalando vagarosamente as colunas de concreto. Sua referência era o cassino abandonado, multiplicado por mil, dois mil. Quando jovem, quantas vezes tinha dormido naqueles cômodos erguidos pela metade? Só precisava de uma garrafa de Velho Barreiro e de um cobertor. Edgar nunca achou difícil imaginar o fracasso. 
O turismo foi a primeira coisa a parecer supérflua na nova configuração do mundo. Os hotéis reabriram como se fossem reféns tentando sorrir ao ver os primeiros raios de luz; balões dourados na entrada, música alta, palhaços sobre pernas de pau, a alegria falsa que tenta mascarar o trauma. Só que todo mundo estava quebrado. Além disso, agora as pessoas sabiam do que antes era invisível; se por um acaso fossem parar num quarto de hotel, respondendo ao velho desejo por lugares distantes e pela quebra de rotina que, por sorte, poderia ser parcelado em até seis vezes, era como se vissem os espectros de todos os que já tinham passado por lá. Um quarto superpovoado. Um museu de saliva, digitais, células mortas. Quantos outros hóspedes tinham tocado naqueles mesmos botões do controle remoto?
As piscinas não reabriram. Colaram cartazes de “temporiamente desativada”. Cartazes de “pensando em sua saúde e sua segurança”. Em um único dia, Edgar cobriu doze delas. Às margens da última piscina, deixou uma abelha secando no sol, as asas ainda coladas no corpo frágil, o abdômen listrado pulsando. Entrou na kombi com tudo que tinha e desceu a serra na direção da capital. 
Trabalhava agora nas casas que ficavam perto do grande lago. Usava luvas e máscara. Ninguém chegava perto dele. Acionavam o porteiro eletrônico e sequer apareciam no jardim para perguntar qualquer coisa ou conferir o que ele estava fazendo. Um copo d’água seria demais. As pessoas com dinheiro ainda tinham o privilégio de ter medo, então queriam todo o lazer dentro dos limites da casa. Algumas dessas construções possuíam muitas décadas de vida, o que se media pelo tamanho de tudo. Parecia que os sonhos, antigamente, tinham mais espaço para onde crescer.
De qualquer maneira, enquanto jogava cloro granulado nas piscinas ou instalava aquecedores solares nos telhados das casas, Edgar achava fácil imaginar o abandono e o vazio do que via ao seu redor, porque tanta gente lá fora, em desespero, um dia ia sem dúvida derrubar os portões, quebrar as janelas e pegar tudo que precisasse realmente e tudo que achasse que precisava, como estava acontecendo em outros lugares chamados Quito, La Paz, Buenos Aires, Los Angeles. Ele tinha ficado impressionado sobretudo com as imagens que viu na televisão de um saque em uma loja de – parecia piada – televisões! Mas também viu casas pegando fogo em lugares que agora não lembrava o nome, e gente saindo com carrinhos cheios de roupas recém lavadas que pertenciam a outras pessoas. Além desse tipo de notícia cuja trilha sonora era sempre a das sirenes e das coisas explodindo – ali, ele ainda ouvia o canto dos passarinhos –, havia as notícias sobre uma segunda onda do vírus, uma terceira onda, uma quarta onda. Sobre uma coisa, podia ter certeza: as piscinas de azulejo seriam ruínas mais bonitas que as de fibra de vidro.
Às vezes, de forma tão imprevisível a ponto de causar um leve arrepio, uma menina ou um menino aparecia atrás de uma janela gradeada. As coisas mais sombrias que Edgar já ouvira enquanto limpava piscinas tinham saído da boca das crianças: se aquele pó que ele levava no balde matava o vírus, se o dragão inflável ia ficar bem depois que Edgar tinha tocado nele, se ele podia contar um pouquinho sobre como era a vida lá fora.
A escritora Carol Bensimon: a estranha beleza das ruínas Foto: Renato Paradia

FEL - Javier Arancibia Contreras

Roberto sente um desassossego irracional, uma amargura que nasce no estômago e sobe pela garganta até a boca. Nesses últimos dias, uma náusea intermitente o controla e volta e meia ele tem a impressão de que vai expelir algo. Preocupado, aciona seu médico particular para uma visita e os exames de praxe.
“Ansiedade, Dr. Roberto. Este momento do mundo faz muitas pessoas se sentirem assim. É a quebra do paradigma da rotina...”
O médico só tem saído de casa para atender pacientes como Roberto. Como o diagnóstico da maioria deles quase sempre é previsível, traz na maleta um ansiolítico poderoso e recomenda que circule pela ampla casa e pelo quintal, que faça exercícios físicos e execute tarefas cotidianas. A verdade, porém, é que Roberto já vem fazendo tudo isso por conta própria e nada adianta. Com o médico já de saída no portão externo, resolve arriscar:
“Acha possível ao menos uma volta com o cachorro pelo bairro?”
O médico olha ao redor do casarão, um palacete da primeira metade do século XX todo reformado e ladeado por um belo jardim, por uma piscina em curva e uma estufa de vidro repleta de orquídeas. Ele balança a cabeça, bufa, diz a Roberto que ele tem restrições de saúde e de idade, que as ruas estão sendo monitoradas, que ele é um privilegiado. Roberto meneia a cabeça positivamente. Entretanto, está na casa há dois meses e não aguenta mais. Os empregados já não vão. É obrigado a pedir comida todos os dias. Tudo está uma bagunça. Há excremento de cachorro por todo o lado.
Vive apenas com sua mulher, Ana Estela, mas a casa é tão grande que às vezes ficam o dia inteiro sem se ver. Ao contrário dela, que tem a habilidade de não ver as horas passarem com seu smartphone, Roberto é um homem à moda antiga, não gosta de tecnologias. Tem prazer em tratar dos assuntos ligados à sua holding sentado em uma sala de reuniões. De terno e gravata. Olho no olho. Com uma caneta na mão a decidir o futuro. Como se fazia antigamente. Talvez o fato de ter fechado algumas unidades de sua rede o tenha deixado exasperado daquele jeito. Para a ruína basta um pequeno passo, pensa.
Vai até a enorme casa de Hans. Ele não gosta daquele cachorro e acha que o sentimento é recíproco. Na verdade, o poodle gigante e branco de Ana Estela o deixa constrangido. Nunca saiu para passear com ele na rua, mas precisa de uma justificativa caso seja flagrado. Apanha a coleira e Hans solta um grunhido grave e interno, mas cede. Roberto decide ir sem a máscara. Pensa que seria incoerente querer um pouco de liberdade usando aquilo. Abre o portão lateral e dá alguns passos. Respira fundo. Tenta rememorar o cheiro peculiar de dama-da-noite, mas só o que sente é o fedor do lixo acumulado nas ruas. Viu na tevê que os lixeiros estão em greve após a morte de dezenas deles. Circula um pouco. Faz tempo que não anda por ali. Usa o carro para tudo e, a pé, a perspectiva é outra. Parece um estranho na sua própria rua. Hans puxa a coleira com uma força descomunal em direção à grande praça do bairro. Roberto fica nervoso, o cão está atrapalhando seu passeio noturno. Dá-lhe um safanão e um chute leve nas costelas, mas não adianta. Só consegue ganhar ainda mais a antipatia do animal, que rosna para ele. É incrível como as praças e os parquinhos sempre são assombrados por vagabundos, pessoas improdutivas incapazes de gerar qualquer tipo de retorno à sociedade e loucos, Roberto pensa assim que se aproxima do lugar. Não lembra daquela praça estar assim, ao deus dará. Seus filhos brincaram ali. Tudo deve ter piorado após a quarentena compulsória se arrastar por meses. Até a segurança do bairro pareceu diminuir.
Ao olhar de longe aqueles homens, sente medo. Se arrepende de ter contrariado o médico. De não ter usado a máscara. A rua é só silêncio quando ouve a melodia repetitiva e pegajosa de um assovio. Quer dar o fora dali o quanto antes, mas nesse instante Hans consegue escapar de suas mãos e corre como o diabo. Roberto não sabe o que fazer. Se voltar sem aquele cachorro, Ana Estela é capaz de matá-lo. Fica minutos parado, sem reação.
“Ei, esse cachorro é seu?”, diz um homem fantasmagórico que surge às suas costas, num átimo, com uma barba enorme e um cobertor quadriculado vermelho sobre o corpo.
Lá está Hans, ao lado daquele homem. Lambendo seus pés enegrecidos pela sujeira. Roberto sente nojo. Aquele cachorro desgraçado não pode mais voltar para casa, vai contaminar a todos, o vírus já está alojado em seu organismo, pensa. Súbito, um líquido quente e amargo lhe chega à boca.
“Porque se não for seu, vou pegar ele pra mim”, diz o homem magro que, agora agachado, abraça Hans que por sua vez lambe seu rosto e balança o rabo sem parar.
Nessa hora, Roberto decide correr, mas congela e já não consegue mover os músculos do corpo. Em seguida, seu coração para num ataque fulminante e ele cai estatelado no chão. Após ver cena, o homem se aproxima, cutuca o corpo de Roberto com o pé descalço e sujo, mas ele não responde. Hans cheira o corpo até chegar à cabeça, onde um líquido esverdeado escorre da boca entreaberta de seu ex-dono. Ele rosna, o homem o acalma com um afago nas orelhas e decide sair dali o quanto antes para não ter problemas com a polícia.
Enquanto caminha lado a lado com o cão, o homem volta a assobiar baixinho a mesma melodia e, logo, outros corpos surgem mais adiante, esperando a coleta do dia seguinte.
O escritor brasileiro Javier Arancibia Contreras, autor de 'Crocodilo' Foto: Renato Parada


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