terça-feira, 11 de junho de 2019

Lá - Luis Fernando Verissimo


Estavam naquela zona etílico-filosófica que precede as grandes sacadas e as grandes ressacas. Não poderiam dizer se já tinham passado pela fase da cachaça pura, rumo à fase dos chopes. O importante era manter a linha.
– Obrigado por ontem, hein cara?
– O que que houve ontem?
– Você me levou em casa no seu carro.
– Eu? Impossível.
– Por quê?
– Eu não tenho carro.
– Tem certeza que era eu?
– A esta altura, não tenho certeza que era EU!
– Sua mulher não estranhou você chegar tarde em casa? 
– Não, não. Aliás, nem podia. Eu não tenho mulher.
– Alemão, mais uma rodada disso que nós estamos tomando, seja o que for.
*
Um pouco depois – ou antes, nessas situações a cronologia é o que mais sofre – a conversa derivou naturalmente para o monte Everest.
– Quem foi que disse aquela frase genial?
– Que frase?
– Perguntaram pro cara por que ele tinha subido o monte Everest e ele pimba, respondeu na lata. Quem era o cara?
– A frase dele foi uma explicação sobre o que leva as pessoas a subir no Everest mesmo com o risco de morte. O que leva qualquer um a desafiar os perigos de uma assunção, ascensão... Acho que estou ficando bêbado.
– Hillary! Me lembrei.
– Não acredito que a senhora Clinton...
– Senhora Clinton não. Edmund Hillary. Foi o autor da frase.
– Espera aí. Também estou me lembrando! O autor da frase foi George Mallory, que morreu tentando escalar o pico do Everest e desapareceu para sempre.
– E o que ele disse quando lhe perguntaram por que as pessoas escalam o Everest?
– “Porque ele está lá”. 
– Cumé?
– “Porque ele está lá”. Não é genial?
– Minha vó também está lá, o que não me dá nenhuma vontade de pular nas suas costas.
– É. Um pouco inglês demais pra gente.
– Alemão, mais uma rodada! 

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