quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Urutus - Luis Fernando Verissimo

Urutu é uma cobra rápida e venenosa que, por isso mesmo, no Brasil, deu nome a um blindado muito útil em ações militares e controle de multidões. A versão brasileira do bicho foi elogiada até pelos americanos, que a consideram superior à deles e a usaram no Iraque até há pouco tempo. Os urutus têm prestado bons serviços às forças amadas e na contrainsurgência, mas ficarão na história também por outra razão.
Não sei se alguém já se deu o trabalho de calcular quanto foi gasto no deslocamento dos blindados liderados pelo general Olympio Mourão Filho, de Juiz de Fora para onde mesmo? Gasolina, mantimentos, munição – pois havia o risco real de um enfrentamento com tropas leais ao presidente João Goulart – o transporte dos insurrectos... Uma nota.
Os urutus do Mourão Filho na estrada eram um desafio à nação: sigam-nos porque isso não tem volta e preparem-se porque pode ter sangue. O golpe vitorioso inaugurava um período de exceção que feriria a instituição militar tanto quanto suas vítimas na sociedade civil, e deixaria manchas na sua própria consciência como um legado incômodo. Tanto que ninguém se surpreendeu mais com as primeiras faixas pedindo intervenção militar durante as manifestações da direita brasileira subitamente energizada do que a extrema direita brasileira subitamente levada a sério. O que, outro golpe? Onde estão os urutus? Que entrem os urutus.
A ironia de tudo isso é que os urutus não são mais necessários. Como parecemos estar a caminho de uma revisão geral de currículos e princípios para adaptá-los à moral dos novos tempos, será interessante saber como os novos tempos tratarão a nossa História. O que dirão do progresso de um golpe que não se chamava golpe e podia ter sangue para um golpe que conseguiu botar mais generais na ativa do governo do que durante a ditadura? Pense só no que se economizou em combustível para urutu. 

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