segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Supersimples - Daniel Furlan

Luciano Salles/Folhapress


Levantei sem comer e fui para o aeroporto. Crianças no avião gritam exigindo coisas. As que não sabem falar só berram vogais. Sento ao lado de uma mãe e seu filho Arthur, saído diretamente de “A Profecia”. Anunciam que há algo errado com avião, supersimples.
Três horas depois, eu, Arthur, a mãe de Arthur e todos os passageiros temos que sair rumo à loja, onde após uma fila de mais de uma hora somos informados de que um novo voo sairá de outro aeroporto. Eu tenho que pedir um voucher de táxi para um funcionário chamado Daniel.
— Oi, você é o funcionário Daniel?
— Sim, qual o seu nome?
— Daniel.
— O meu nome também é Daniel!
— Várias pessoas têm o mesmo nome, é normal.
O rapaz na minha frente sugere dividirmos um táxi e eu aceito por ser uma ideia sustentável. Chegando já tarde da noite sem comer no outro aeroporto, o motorista encontra, enfurecido, uma casca de banana deixada pelo meu colega passageiro. Enquanto pega minha guitarra no porta-malas, ele esbraveja que “se não estivesse num ambiente social, nós iríamos apanhar muito.”
— Eu não conheço essa pessoa. Por favor não arremesse meu instrumento por causa de uma casca de banana.
Novo check-in e pergunto sobre a possibilidade de um voucher para comer. Essa pergunta me coloca em outra fila, até que sou agraciado com um voucher, mas o restaurante fechou. Vou comer um pão de queijo mesmo e tomara que vomite lactose no uniforme de algum funcionário. 
Entro no avião e o bagageiro superior não fecha com a guitarra dentro. A aeromoça tem a ideia de guardar só a guitarra ali e despachar o case separado. Boa ideia. 
Pousamos. O selvagem Arthur está em algum lugar do avião gritando em desaprovação ao pouso. Chove muito e ter a guitarra sem case agora se revela uma péssima ideia. Me recuso a sair. Acabo pressionado a ir na chuva com a guitarra embaixo da camisa.
Descendo do ônibus no centro, sem celular e sem computador com bateria ou carregador, pergunto num bar se ainda existe orelhão. O dono do bar pede pra eu “tocar um rock”. Vejo um táxi passando e me jogo dentro.
— João?
— Não, Daniel.
— Desculpa, foi o João que chamou no aplicativo.
Um vulto surge na porta do táxi. Muita chuva, não vejo quem é, mas deve ser João pronto para me agredir em reivindicação ao seu táxi de aplicativo.

Um comentário:

  1. Oi. Tudo bem?
    Achei o seu blog por acaso. Isso aqui é ouro, amigo. Que trabalho impecável de compilar crônicas tão boas. :)
    Muito obrigado.

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