terça-feira, 16 de outubro de 2018

Cabeças Neandertais - João Pereira Coutinho

O empoderamento feminino só é uma ameaça para cabeças neandertais

Jantar de amigos. Uma psicóloga, com ar sapiente, disserta sobre a “crise da masculinidade”. Tese dela: os homens estão em crise. E a crise tem uma explicação: as mulheres.
Ri alto. É óbvio que os homens estão em crise por causa das mulheres, disse eu. Sempre estiveram: a história da humanidade poderia ser resumida às crises que os homens atravessam por razões sentimentais.
Engano meu. A questão não é romântica. É de “autoestima”, essa grotesca palavra que deveria ser abolida do vocabulário comum. Diz a especialista que as mulheres estão hoje presentes em todas as áreas da sociedade. Justiça, medicina, universidades.
E, como se não bastasse, o movimento MeToo assusta os homens e torna-os mais inseguros do ponto de vista sexual. “É difícil ser homem no século 21." E os homens, dominantes ao longo de séculos, têm de encontrar o seu novo papel.
Enquanto isso não acontece, a saúde psíquica dos machos sofre. E, em casos extremos, a agressão contra as mulheres aumenta.
Não é opinião isolada. Regularmente, encontro textos severos sobre essa crise. O New York Review of Books, por exemplo, publicou um texto de Arlie Russell Hochschild em que os números suportam a ciência.
Os rapazes falham mais na escola do que as moças. Sofrem mais de deficit de atenção e são medicados por causa disso. Consomem mais álcool, consomem mais opioides. E, no mundo da criminalidade, não há paridade de gênero.
Respeito os números. Respeito a ciência. Mas há algo de desconfortável na teoria.
 
Ponto prévio: não nego que as mulheres estão mais presentes em áreas acadêmicas ou profissionais em que estavam ausentes. Sou professor. Vejo isso todos os dias e celebro o fato todos os dias também.
Não sei se os meus alunos (homens) sofrem por causa disso. Nunca notei, francamente. Mas que diria eu a um aluno —ou, melhor, a um filho— se ele se viesse lamuriar por haver mais mulheres a disputar a supremacia?
Provavelmente, diria a ele para se portar como um homem. Não no sentido sexual do termo; no sentido cavalheiresco de quem não suporta a autovitimização.
Se existem mais mulheres fazendo doutorados ou cursando medicina, os homens relapsos deveriam aprender alguma coisa com elas: hábitos de trabalho; seriedade acadêmica; comprometimento profissional.
A crise da autoestima masculina faz lembrar as birras das crianças quando não têm um brinquedo fácil. Não tolero isso em crianças. Por que motivo deveria tolerar em homens adultos?
De resto, a afirmação implícita de que os homens agridem mulheres porque se sentem “inseguros” soa a justificativa repugnante. Um homem que agride uma mulher é um criminoso, não uma “vítima” da emancipação feminina. Isso é tão absurdo como afirmar que HannibalLecter optou pelo canibalismo quando a McDonald’s conquistou o mundo.
Admito que o empoderamento feminino constitui uma ameaça para cabeças neandertais. Mas quem precisa dessas cabeças? E quem sente compaixão, genuína compaixão, pelo pessoal que vive nas cavernas?
Em rigor, um pai não deve educar um filho para um mundo “dominado” por mulheres. Deve simplesmente educar a descendência para um mundo partilhado por iguais.
Se há homens que não entendem isso, talvez a palavra “homens” seja um abuso de linguagem.
Ângelo Abu


Cabeças neandertais

Pergunta científica: quando um homem se dedica ao onanismo, fantasiando com uma mulher que não deu o seu consentimento para isso, estamos na presença de uma forma de violência metassexual?
Dito de outra forma: existirá um crime de objetificação da mulher através da "masturbação não consensual"?
Três autores submeteram o estudo à revista Sociological Theory. O estudo foi rejeitado, o que me parece sensato: se houvesse delito, ninguém passaria pela adolescência sem conhecer o presídio. Mas a notícia do ano não é essa.
A notícia do ano é que os autores —Helen Pluckrose, James A. Lindsay e Peter Boghossian— submeteram mais 19 estudos igualmente delirantes a outras publicações científicas de prestígio. Saldo: sete ensaios foram acolhidos; quatro foram publicados; três aguardam publicação.
Além disso, outros 7 continuavam em jogo quando os autores foram denunciados pelo embuste acadêmico. Mas o estrago estava feito.
E o estrago, nas palavras dos próprios, procurou mostrar como certos estudos das "ciências sociais" não procuram necessariamente a verdade. Procuram, apenas, responder a ressentimentos igualitários e a agendas ideológicas politicamente corretas.
Nesse sentido, os autores tentaram provar (com sucesso) que a transfobia masculina poderia ser aliviada se os homens (hétero) experimentassem um vibrador de vez em quando. Que os parques para cachorros são antros de violação canina (do cachorro dominante sobre o cachorro oprimido).
E que não há nenhum motivo para admirarmos a "construção" de músculo nas academias, desprezando a acumulação de gordura. "Construção" é "construção".
(Sobre esse último ponto, devo dizer que concordo com os pesquisadores, embora a minha senhora discorde. O debate continua.)
Eis um retrato sobre o estado das "ciências sociais". Fato: não é possível generalizar. Será injusto até. Mas qualquer pessoa com um conhecimento mínimo do que se estuda, ensina e publica em certos covis acadêmicos sabe que a sanidade não abunda. E que é difícil distinguir a fraude inconsciente da fraude consciente. Que fazer?
Defendo há vários anos que as "humanidades" (prefiro essa palavra; "ciência social" é uma contradição nos termos) deveriam seguir o espírito dos esteticistas em finais do século 19. A arte pela arte, diziam eles?
Então o conhecimento pelo conhecimento, digo eu. Sem a pretensão lunática e mendaz de "construir um mundo melhor".
Um bom modelo seria o colégio All Souls, da Universidade de Oxford, esse paraíso de liberdade intelectual por onde passaram William Gladstone, T.E. Lawrence (o "Lawrence da Arábia") ou Isaiah Berlin.
Todos os anos, o colégio aceita dois candidatos para um período de estudos de sete anos. Para entrar, o dito cujo tem de se submeter ao "exame mais difícil do mundo", com duração de 12 horas de escrita e dividido em dois dias.
O jornal Daily Telegraph partilhou com os leitores algumas das questões que as mentes mais brilhantes tiveram pela frente neste ano. As minhas preferidas, que me obrigaram a parar e a pensar, são:
"Será que existem livros a mais?"
"O turismo é um mal necessário?"
"Shakespeare é demasiado bom para atores?"
"Será que o iluminismo aconteceu?"
E, sobretudo, esta:
"Você preferia ser um vampiro ou um zumbi?"
Infelizmente, por motivo de agenda, não pude comparecer ao exame de 2018 (embora declare aqui que, na canseira da sociedade pós-industrial, existem sérias vantagens em sermos zumbis).
Mas é possível fazer um teste ao leitor desta Folha:
"Você considerou absurdas essas questões?"
Em caso afirmativo, parabéns: você está preparado para estudar os grandes temas das "ciências sociais" do nosso tempo.

P.S.: Escrevi em coluna recente que "o empoderamento feminino só é uma ameaça para cabeças neandertais". Algumas dessas cabeças reagiram com insultos para o meu email. Tese comprovada.
Gostaria de acrescentar, porém, que existem "cabeças neandertais" em ambos os sexos. Daisy Goodwin, produtora e roteirista britânica da série "Victoria", afirmou recentemente que séries de TV em que as mulheres têm os papéis principais podem ser um obstáculo para a luta pela "igualdade". Por quê? Porque o público pode acreditar na ficção, esquecendo a dura realidade em que as mulheres não têm igual protagonismo.
Eis a moral dessa história: mulheres em papéis menores são um problema; e mulheres em papéis maiores, também. Qual será a conclusão lógica? A abolição das mulheres?
Esperemos pela opinião do próximo neandertal.

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