segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Primavera


Mafalda - Quino
Primavera nos dentes - Secos e Molhados

João Ricardo-joão Apolinário

Quem tem consciência pra se ter coragem Quem tem a força de saber que existe E no centro da própria engrenagem Inventa a contra mola que resiste Quem não vacila mesmo derrotado Quem já perdido nunca desespera E envolto em tempestade decepado Entre os dentes segura a primavera





Karina Buhr interpreta "Primavera nos Dentes"



Primavera - Cecília Meireles


A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome, nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la. A inclinação do sol vai marcando outras sombras; e os habitantes da mata, essas criaturas naturais que ainda circulam pelo ar e pelo chão, começam a preparar sua vida para a primavera que chega.

Finos clarins que não ouvimos devem soar por dentro da terra, nesse mundo confidencial das raízes, — e arautos sutis acordarão as cores e os perfumes e a alegria de nascer, no espírito das flores.

Há bosques de rododendros que eram verdes e já estão todos cor-de-rosa, como os palácios de Jeipur. Vozes novas de passarinhos começam a ensaiar as árias tradicionais de sua nação. Pequenas borboletas brancas e amarelas apressam-se pelos ares, — e certamente conversam: mas tão baixinho que não se entende.

Oh! Primaveras distantes, depois do branco e deserto inverno, quando as amendoeiras inauguram suas flores, alegremente, e todos os olhos procuram pelo céu o primeiro raio de sol.

Esta é uma primavera diferente, com as matas intactas, as árvores cobertas de folhas, — e só os poetas, entre os humanos, sabem que uma Deusa chega, coroada de flores, com vestidos bordados de flores, com os braços carregados de flores, e vem dançar neste mundo cálido, de incessante luz.

Mas é certo que a primavera chega. É certo que a vida não se esquece, e a terra maternalmente se enfeita para as festas da sua perpetuação.

Algum dia, talvez, nada mais vai ser assim. Algum dia, talvez, os homens terão a primavera que desejarem, no momento que quiserem, independentes deste ritmo, desta ordem, deste movimento do céu. E os pássaros serão outros, com outros cantos e outros hábitos, — e os ouvidos que por acaso os ouvirem não terão nada mais com tudo aquilo que, outrora se entendeu e amou.

Enquanto há primavera, esta primavera natural, prestemos atenção ao sussurro dos passarinhos novos, que dão beijinhos para o ar azul. Escutemos estas vozes que andam nas árvores, caminhemos por estas estradas que ainda conservam seus sentimentos antigos: lentamente estão sendo tecidos os manacás roxos e brancos; e a eufórbia se vai tornando pulquérrima, em cada coroa vermelha que desdobra. Os casulos brancos das gardênias ainda estão sendo enrolados em redor do perfume. E flores agrestes acordam com suas roupas de chita multicor.

Tudo isto para brilhar um instante, apenas, para ser lançado ao vento, — por fidelidade à obscura semente, ao que vem, na rotação da eternidade. Saudemos a primavera, dona da vida — e efêmera.


Texto extraído do livro "Cecília Meireles - Obra em Prosa - Volume 1", Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro, 1998, pág. 366.

Mafalda - Quino


Umas e Outras - Primaverando



Novos Baianos - De Vera (1969)





Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,

As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.

Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma.

Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.

[PESSOA, Fernando. Ficções do Interlúdio: poemas completos de Alberto Caeiro. In Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1977.]


Quando vier a primavera, Alberto Caeiro - Pedro Lamares




Quando tornar a vir a Primavera - Alberto Caeiro

Quando tornar a vir a Primavera
Talvez já não me encontre no mundo.
Gostava agora de poder julgar que a Primavera é gente
Para poder supor que ela choraria,
Vendo que perdera o seu único amigo.
Mas a Primavera nem sequer é uma coisa
É uma maneira de dizer.
Nem mesmo as flores tornam, ou as folhas verdes.
Há novas flores, novas folhas verdes.
Há outros dias suaves.
Nada torna, nada se repete, porque tudo é real.

quando tornar a vir a primavera 


PRIMAVERA -  Olavo Bilac

Coro das quatro estações:
Cantemos! Fora a tristeza !

Saudemos a luz do dia:

Saudemos a Natureza !

Já nos voltou a alegria !

A Primavera:

Eu sou a Primavera !

Está limpa a atmosfera,

E o sol brilha sem véu !

Todos os passarinhos

Já saem dos seus ninhos,

Voando pelo céu.

Há risos na cascata,

Nos lagos e na mata,

Na serra e no vergel:

Andam os beija-flores

Pousando sobre as flores,

Sugando-lhes o mel.

Dou vida aos verdes ramos,

Dou voz aos gaturamos

E paz aos corações;

Cubro as paredes de hera;

Eu sou a Primavera,

A flor das estações !

Coro das quatro estações:

Cantemos! Fora a tristeza !

Saudemos a luz do dia:

Saudemos a Natureza !

Já nos voltou a alegria !


Sol de Primavera - Beto Guedes




Beto Guedes - Só Primavera



Armandinho - Alexandre Beck



Canção da Primavera - Mário Quintana

(Para Érico Veríssimo)



Primavera cruza o rio
Cruza o sonho que tu sonhas.
Na cidade adormecida
Primavera vem chegando.

Catavento enloqueceu,
Ficou girando, girando.
Em torno do catavento
Dancemos todos em bando.

Dancemos todos, dancemos,
Amadas, Mortos, Amigos,
Dancemos todos até

Não mais saber-se o motivo…
Até que as paineiras tenham
Por sobre os muros florido!

Canção da Primavera - Mario Quintana CD Crianceiras




Armandinho - Alexandre Beck






Primavera (Carlos Lyra - Vinicius de Moraes)

O meu amor sozinho,
É assim como um jardim sem flor,
Só queria poder ir dizer a ela,
Como é triste se sentir saudade.

É que eu gosto tanto dela,
Que é capaz dela gostar de mim,
Acontece que eu estou mais longe dela,
Do que a estrela a reluzir na tarde.

Estrela, eu lhe diria,
Desce à terra, o amor existe,
E a poesia só espera ver nascer a primavera,
para não morrer,
Não há amor sozinho,
É juntinho que ele fica bom,
Eu queria dar-lhe todo o meu carinho,
Eu queria ter felicidade.

É que o meu amor é tanto,
Um encanto que não tem mais fim,
No entanto ela não sabe que isso existe,
É tão triste se sentir saudade.

Amor,eu lhe direi,
Amor que eu tanto procurei,
Ah! quem me dera eu pudesse ser,
A tua primavera e depois morrer

Primavera - Joyce

Mafalda - Quino






Recado de Primavera – Rubem Braga

Meu caro Vinicius de Moraes:
          Escrevo-lhe aqui de Ipanema para lhe dar uma notícia grave: A Primavera chegou. Você partiu antes. É a primeira Primavera, de 1913 para cá, sem a sua participação. Seu nome virou placa de rua; e nessa rua, que tem seu nome na placa, vi ontem três garotas de Ipanema que usavam minissaias. Parece que a moda voltou nesta Primavera _______ acho que você aprovaria. O mar anda virado; houve uma lestada muito forte, depois veio um sudoeste com chuva e frio. E daqui de minha casa vejo uma vaga de espuma galgar o costão sul da ilha de Palmas. São violências primaveris.
          O sinal mais humilde da chegada da Primavera vi aqui junto da minha varanda. Um tico-tico com uma folhinha seca de capim no bico. Ele está fazendo ninho numa touceira de samambaia, debaixo da pitangueira. Pouco depois vi que se aproximava, muito matreiro, um pássaro-preto, desses que chama de chopim. Não trazia nada no bico; vinha apenas fiscalizar, saber se o outro já havia arrumado o ninho para ele pôr seus ovos.

          Isto é uma história tão antiga que parece que só podia acontecer lá no fundo da roça, talvez no tempo do Império. Pois está acontecendo aqui em Ipanema, em minha casa, poeta. Acontecendo como a Primavera. Estive em Blumenau, onde há moitas de azaléias e manacás em flor; e em cada mocinha loira, uma esperança de Vera Fischer. Agora vou ao Maranhão, reino de Ferreira Gullar, cuja poesia você tanto amava, e que fez 50 anos. O tempo vai passando, poeta. Chega a Primavera nesta Ipanema, toda cheia de sua música e de seus versos. Eu ainda vou ficando um pouco por aqui ______a vigiar, em seu nome, as ondas, os tico-ticos e as moças em flor. Adeus.


Sá e Guarabyra - Coração de Maçã



Mafalda - Quino



Ceumar - Flor Amorosa (Joaquim Callado / Catulo da Paixão Cearense)


Beto



PIRATAS DO TIETÊ   -   LAERTE


Samba da Rosa  - Vinicius de Moraes & Toquinho


Rosa prá se ver, Prá se admirar
Rosa prá crescer, Rosa prá brotar
Rosa prá viver, Rosa prá se amar
Rosa prá colher, E despetalar...

Rosa prá dormir, Rosa prá acordar
Rosa prá sorrir, Rosa prá chorar
Rosa prá partir, Rosa prá ficar
E se ter mais uma Rosa mulher...

É primavera
É a rosa em botão
Ai! Quem me dera!
Uma rosa no coração...

Rosa prá se ver, Prá se admirar
Rosa prá crescer, Rosa prá brotar
Rosa prá viver, Rosa prá se amar
Rosa prá colher, E despetalar...

Rosa prá dormir, Rosa prá acordar
Rosa prá sorrir, Rosa prá chorar
Rosa prá partir, Rosa prá ficar
E se ter mais uma Rosa mulher...

É primavera
É a rosa em botão
Ai! Quem me dera!
Uma rosa no coração...

Rosa prá se ver, Prá se admirar
Rosa prá crescer, Rosa prá brotar
Rosa prá viver, Rosa prá se amar
Rosa prá colher, E despetalar...

Rosa prá dormir, Rosa prá acordar
Rosa prá sorrir, Rosa prá chorar
Rosa prá partir, Rosa prá ficar
E se ter mais uma Rosa mulher...

E se ter mais
Uma Rosa mulher...(2x)

Vinicius de Moraes, Marilia Medalha e Toquinho - Samba da rosa




Primavera - Cassiano / Silvio Rochael
  
Quando o inverno chegar
Eu quero estar junto a ti
Pode o outono voltar
Eu quero estar junto a ti

Porque (é primavera)
Te amo (é primavera)
Te amo, meu amor

Trago esta rosa (para te dar)
Trago esta rosa (para te dar)
Trago esta rosa (para te dar)

Meu amor
Hoje o céu está tão lindo (vai chuva)
Hoje o céu está tão lindo (vai chuva)

Hoje o céu está tão lindo (vai chuva)
Hoje o céu está tão lindo (vai chuva)


Primavera - Tim Maia



Como Se Fosse a Primavera - Chico Buarque
  
De que calada maneira
Você chega assim sorrindo
Como se fosse a primavera
Eu morrendo
E de que modo sutil
Me derramou na camisa
Todas as flores de abril

Quem lhe disse que eu era
Riso sempre e nunca pranto?
Como se fosse a primavera
Não sou tanto
No entanto, que espiritual
Você me dar uma rosa
De seu rosal principal

De que calada maneira
Você chega assim sorrindo
Como se fosse a primavera
Eu morrendo

Eu morrendo
   

Chico Buarque - Como Se Fosse A Primavera


Recruta Zero - Mort Walker



Leminski

inverno
primavera
poeta é
quem se considera

Laranja Freak - Alérgico a Flores



Legião Urbana - Perfeição




Primavera, NY - Antonio Prata


Para dar um curso, vim passar um mês fora do Brasil, num lugar incrível ao qual eu nunca tinha vindo: chama-se primavera. Faz fronteira ao Sul com o inverno, ao Norte com o verão, a Leste com o East River e a Oeste com o Rio Hudson. Viajando por oito meses, tanto para cima quanto para baixo, é possível visitar o outono.
“Você vai adorar vir pra cá em abril”, havia dito a professora que me contratou. “A grama dos parques fica verdinha, há flores por todo lado, depois de vários meses trancadas em casa as pessoas saem pra rua, há gente dia e noite correndo e andando de bicicleta na beira do rio, nos fins de semana os restaurantes botam mesas nas calçadas, os brunchs vão até as três da tarde com mimosas e cervejas artesanais transbordando de lúpulo fresco”.
Ao chegar, achei que tivesse sido enganado. Fui recebido por cinco graus Celsius, chuva e um vento que vinha direto do Alasca. Por duas semanas, vivi entre árvores secas e canteiros áridos; tristes retângulos de terra de onde brotavam apenas esporádicas bitucas de cigarro. Nesta terça-feira, no entanto, saímos do nosso apartamento e demos de cara com duas dúzias de tulipas amarelas.
Achei que o zelador tivesse comprado as flores e plantado naquela manhã, na jardineira do prédio, mas bastou andarmos pela rua para perceber que era geral: ou o zelador era o The Flash, capaz de cuidar de todos os canteiros de Manhattan antes do meio-dia, ou havíamos realmente chegado à primavera. Desde então, as pessoas correm e pedalam na beira do rio, os brunchs vão até as três da tarde, o aroma do lúpulo nos copos de cerveja atravessa o Rio Hudson e chega até Nova Jersey.
Não sei se estou mais impressionado com os efeitos da primavera ou com essa experiência raríssima na vida de um brasileiro: a mudança de estação.
Como vocês bem sabem, no Brasil não há estações do ano. Há, no máximo, verão e inverno, mas convenhamos, mesmo eles são conceitos tão frágeis quanto a meritocracia e a proibição do caixa 2. Dá pra ir à praia em julho. Dá pra usar cachecol em janeiro. Dá pra chegar a CEO apenas porque se é parente do dono e a maior empreiteira do país tinha um departamento inteiro só pra “patrocinar” campanhas políticas.
Comparando o rigor das estações do ano, aqui, com a esculhambação meteorológica, aí, fica difícil não cair no mais raso determinismo geográfico. Como se a certeza de que todo ano, depois do inverno, virão o sol e as flores incutisse nas pessoas uma espécie de senso natural de justiça, enquanto entre nós uma semana fria em janeiro e um dia de calor em julho reforçassem a tese de que no nosso país nada funciona: se nem o calendário respeita as regras, por que nós haveríamos de respeitá-las?

Expus minha hipótese a um americano e ele disse que aceitaria de bom grado mais bagunça se pudesse se livrar dos quatro meses de inverno. “Felizes são vocês, que têm 12 meses de primavera”. Pensei em explicar que, há uns anos, a sensação térmica está mais pra outono, mas não queria emburacar no pessimismo. Apenas sorri, concordei e, à beira do rio, entre orquídeas e tulipas, pedimos mais dois copos desta bela filha da primavera, a cerveja, a flor engarrafada.


Delicatessen - Setembro


Vanusa - Manhãs de Setembro



Ipês amarelos sabem que sobreviver em São Paulo exige resiliência - Drauzio Varella



Os ipês amarelos estão em festa na cidade. Na secura do inverno, eles se despem das folhas para poupar energia. Fingem-se de mortos, até nos surpreender com o desabrochar de uma profusão de flores, com pétalas que se juntam em forma de cálices delicados que ao despencar dos galhos, rodopiam em espiral, para tecer um tapete amarelo que forra o asfalto e a calçada, ao redor do tronco.

 

Há de todos os tamanhos. Alguns são crianças que aos dois ou três anos já medem três metros, idade suficiente para criar as primeiras flores, ainda esparsas, distantes umas das outras. Outros, em compensação, são árvores majestosas de tronco rijo, que atingem 20 ou 30 metros de altura, com galhos emaranhados em copas de cinco ou seis metros de diâmetro, nas quais expõem um buquê amarelo visível a quilômetros de distância.

 

Senhores do que restou da mata atlântica, conscientes de que viver em São Paulo exige resiliência, sobrevivem em qualquer canto: na calma dos bairros, nos jardins das casas, nos parques, na periferia, no centro e no trânsito das grandes avenidas.

 

Um deles, plantado no canteiro que separa as duas pistas da rua da Consolação, junto ao cemitério do mesmo nome construído no terreno doado pela Marquesa de Santos, é um escândalo florido.

 

Ergue-se altaneiro sobre um corredor de ônibus que trafegam nos dois sentidos, alheio à fuligem projetada contra seu corpo, dia e noite. Ele retribui com um arranjo floral que encanta os olhos dos motoristas, a agressão perpetrada por eles.

 

A beleza é efêmera, no entanto: em uma semana as flores serão varridas das calçadas e esmagadas pelos pneus que passam sem vê-las.

 

No processo de seleção natural, levaram vantagem evolutiva os ipês mais floridos, capazes de atrair mais insetos para a polinização, processo essencial para a formação das vagens compridas que protegem as sementes aveludadas, capazes de viajar ao sabor do vento para perpetuar a espécie.

Como a ciência não é a única forma de entender o mundo, conta a lenda que Deus um dia reuniu as árvores para perguntar em que estação do ano gostariam de florescer. Quase todas escolheram a primavera ou o verão, algumas preferiram o outono.

 

O Criador disse, então, que a Terra não podia passar o inverno na tristeza desflorida. O ipê se ofereceu como voluntário. Para recompensá-lo, Ele lhe deu caules fibrosos, longevidade, resistência ao frio e à seca e flores multicoloridas: roxas, rosadas, brancas e amarelas, de tonalidades diversas.

 

A São Paulo da minha infância era cinzenta. Quem pretendesse descansar a vista num verde, precisava ir aos limites da zona urbana. A primeira providência ao abrir uma rua nova era cortar todas as árvores. As únicas cultivadas eram as frutíferas, nos quintais: goiabeiras, jabuticabeiras, mamoeiros, pitangueiras e ameixeiras que nos obrigavam a pular o muro das casas, para colhê-las assim que ameaçavam amadurecer.

 

A partir dos anos 1950, a cidade começou a ser arborizada, de início timidamente; de forma sistemática

nas últimas décadas.

 

Hoje, entre outras, temos tipuanas de troncos enormes, com copas que chegam à calçada oposta e espalham milhares de flores amarelas miúdas pelo chão; sibipirunas que dão flores empoleiradas no topo das copas, como se fossem canários pousados; jacarandás mimosos de flores roxas; paus-ferro de troncos brancos, muito altos; quaresmeiras; figueiras de folhagem exuberante; e jerivás, palmeiras com cachos de coquinhos alaranjados que atraem pássaros e o zumbido das abelhas.

 

São Paulo está longe de ser arborizada. A cidade que cresceu como um polvo com tentáculos, que invadiram e devastaram as matas que a circundaram nos tempos da garoa, ainda tem bairros periféricos e favelas com ruas tão cinzentas quanto as do Brás de quando nasci.

 

A consciência de que o verde e as flores a tornam mais humana, entretanto, ficou clara até para os paulistas que andam para lá e para cá ensimesmados, com os olhos no trânsito, nas calçadas esburacadas e nos transeuntes sem se dar conta da existência das árvores.

 

Para o ipê da rua da Consolação nossa apatia distraída não faz a menor diferença. Se vier uma epidemia capaz de varrer a humanidade da face da Terra, no inverno seguinte ele estará lá, frondoso, abarrotado de flores amarelas que o vento irá derrubar.

 






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