domingo, 30 de setembro de 2018

Almoço de negócios: um flagelo - Ricardo Araújo Pereira

Luiza Pannunzio/Folhapress


Tenho conseguido passar pela vida sem participar no mundo dos adultos, com a ajuda de Deus. Não sei se Deus está a proteger-me a mim ou aos adultos, mas em qualquer dos casos agradeço.
Em minha casa, sou uma espécie de ministro da Cultura: disponho de um orçamento muito reduzido e não tenho verdadeiro poder para decidir sobre qualquer matéria importante.
Fora de casa, nunca tive uma ocupação que a minha avó considerasse um emprego autêntico. Para a minha avó, só havia cinco profissões: médico, engenheiro, arquiteto, professor e advogado. Todo o resto do mundo era vagabundo.
Estava profundamente errada, claro. É preciso não esquecer que ela era de outro tempo —um tempo em que, pelos vistos, advogados não eram vagabundos.
No entanto, e apesar da minha habilidade para evitar compromissos e responsabilidades, acabei por me ver envolvido, duas ou três vezes, na maior abominação do mundo empresarial: o almoço de negócios.
É preciso ser um tipo muito perverso de pessoa para misturar uma coisa tranquila e prazerosa como o almoço com a fria e suja realidade dos negócios. O negócio, como a etimologia indica, é a negação do ócio —o que significa que o almoço de negócios é a negação do almoço.
Sempre que vou a um almoço de negócios, começo a ficar impaciente bem antes da sobremesa de negócios. Começo a pensar na digestão de negócios que me espera e nem me concentro no almoço nem nos negócios.
É uma invenção tão pérfida quanto ridícula. Organizar um almoço de negócios faz tanto sentido como combinar uma ida à praia industrial, ou um cineminha agrícola, ou uma transa imobiliária.
Há que escolher entre o prazer e a atividade econômica. Ou se almoça ou se pensa em negócios; ou se come ou se mercadeja. A mesma lei que proíbe animais nos restaurantes devia impedir a realização de almoços de negócios.
As outras pessoas que estão no restaurante não têm de ser obrigadas a olhar para gente empenhada na captação de recursos financeiros, na celebração de vínculos com efeitos jurídicos e na geração de lucro. Que nojo. Estamos a comer.

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