segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Renê - Luis Fernando Verissimo

Lilian desconfiou que Artur iria deixá-la. Ele dormia de costas para ela e não a chamava mais de Lili. Lilian decidiu que a solução era provocar ciúmes em Artur. Como? Comprou um buquê de flores, escreveu num cartãozinho “Lilian: me diga quando e onde...”, assinou – depois de pensar muito num bom nome para amante – “Renê”, e mandou entregarem o buquê com o cartãozinho no seu próprio endereço.
Deu certo. Foi o Artur quem recebeu as flores na porta. Disse:
– Flores para você.
Lilian, fingindo surpresa:
– Flores? Para mim?
– E um cartãozinho.
– Um cartãozinho?
– Posso abrir?
– Não! Deixa que eu...
Mas Artur já estava lendo o cartãozinho.
– Muito bem. Quem é Renê?
– Renê?
– “Lilian, diga quando e onde”. Assinado, Renê.
– Eu não tenho a menor...
– “Diga quando e onde” o quê? Hein? Hein? E quem é esse Renê?
– Eu...
O tapa foi tão forte que Lilian caiu de costas no sofá. Quando se ergueu estava sorrindo. O Artur sentia ciúmes. O Artur ainda a amava, afinal. O Artur ainda a amava! Gritou:
– É uma brincadeira! Fui eu que mandei as flores. Fui eu que escrevi o ...
Não pôde terminar porque o Artur começou a sufocá-la com uma almofada do sofá.
*
Lilian não entendia a raça dos homens. Não sabia que homem não tem ciúmes porque ama. Ciúmes nunca é uma questão entre o homem e a pessoa que ama. Ou é, mas a pessoa que ele ama é ele mesmo. Ciúmes é sempre entre o homem e ele mesmo.
– Quem é esse Renê? Hein? Hein?
Súbito, o Artur parou de sufocá-la com a almofada. Levantou-se.
Tinha se dado conta de uma coisa. Disse:
– Eu sei quem é esse Renê. Eu conheço esse Renê!
A Lilian ainda tentou chamá-lo de volta.
– Não existe nenhum Renê! Fui eu que inventei!
Mas o Artur já tinha saído de casa, depois de passar no quarto e pegar o revólver da gaveta da mesinha de cabeceira.
*
Lilian passou o resto do dia rondando pela casa, nervosíssima.
Quando ouviu o ruído da chave na fechadura, correu para a porta. O Artur entrou sem olhar para ela.
– Onde você estava? O que aconteceu?
Artur não respondeu. Foi para o quarto trocar de roupa. Lilian foi atrás. Havia respingo de sangue na camisa do Arthur. O tiro fora de perto. Ele não trouxera o revólver de volta. Provavelmente o jogara em algum matagal. Lilian:
– O Renê do cartãozinho...
Artur tapou a sua boca com a mão. Disse:
– Não se fala mais nesse nome nesta casa. Nunca mais. Está ouvindo?
E depois:
– Esse aprendeu a não se meter com a mulher dos outros.
*
Naquela noite, nenhum dos dois dormiu. Lilian pensando “Renê, Renê... Quem é que eu conheço com esse nome? Quem é esse Renê, meu Deus? Ou quem era?”
De madrugada, amaram-se loucamente. O Artur dizendo:
– Viu o que eu faço por você? Viu?
Era a primeira vez que se amavam assim em pelo menos três meses. Ele até a chamou outra vez de Lili.
*
A felicidade voltara ao seu lar, pensou Lilian. Fosse quem fosse o Renê, morrera por uma boa causa.

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