segunda-feira, 23 de julho de 2018

Dias e dias - Luis Fernando Verissimo

Existe dia de quase tudo. Começou com o Dia das Mães. Um americano, cujo nome me escapa, mas é reverenciado onde quer que se reúnam diretores lojistas, foi o inventor do Dia das Mães. Fez isso pensando na própria mãe, aquela mulher extraordinária que o carregara no ventre durante nove meses sem cobrar um tostão, que o amamentara, que o embalara no seu berço e costurara sua roupa e, quando o descobrira dando banho no cachorro no panelão da sopa, quebrara uma colher de pau na sua cabeça. Sim, a mãe merecia um dia só dela. A ideia foi lançada num “brainstorm” da agência em que ele trabalhava.
– Precisamos criar dois, três, muitos natais. Só ganhamos dinheiro mesmo no Natal.
– Espera aí – disse alguém. – Só houve um Jesus Cristo.
– E os apóstolos? São 12 apóstolos. Podemos comemorar o aniversário de cada um.
– Mas nós não sabemos as datas dos aniversários.
– Melhor. Inventaremos, todos os meses, o aniversário de um apóstolo. Teremos natais o ano inteiro!
A ideia dos apóstolos não agradou. Podia dar confusão com a Igreja. Foi quando ele sugeriu:
– E o que me dizem de um Dia das Mães?
– Gênio! – gritaram todos, em uníssono.
*
O Dia das Mães foi um sucesso instantâneo. Ninguém poderia chamar aquilo de crasso oportunismo comercial. Ser contra o Dia das Mães equivaleria a ser contra a mãe como instituição. A reação seria grande, principalmente entre as mães, que, como se sabe, formam uma irmandade internacional, como a máfia, que também oferece proteção a seus fiéis e castigos aos seus infiéis que podem incluir até chantagem sentimental, muito pior do que mergulhos no rio com pés de cimento.
*
O Dia dos Pais também nasceu nos Estados Unidos, mas custou a pegar devido ao puritanismo que, sabidamente, influenciou a história americana durante anos. Foi só na década de 30 do século passado que os americanos descobriram a relação entre o ato sexual e a procriação. Até então, julgava-se que as mães geravam os filhos sozinhas e que o sexo, como beber e jogar cartas, era apenas uma coisa que os homens gostavam de fazer aos sábados. Instituída a proibição do sexo em todo o território nacional – a chamada Lei No No, uma coloraria da Lei Seca – notou-se uma acentuada queda no número de nascimentos no país, concluindo-se que o homem era importante na multiplicação da espécie. Muitas mulheres não aceitam isso e ainda consideram os homens perfeitamente dispensáveis, a não ser naquelas atividades reconhecidamente masculinas como a de costureiro, cozinheiro, cabeleireiro, decorador de interiores, “drag queen” e estivador. Estabelecido o papel essencial do homem na formação da família, lançaram o Dia do Pai, também chamado por algumas mulheres, com um sorriso secreto, de Dia do Pai Presumível. 

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