terça-feira, 29 de maio de 2018

Humberto Werneck - Crônicas sobre Cinema

Haja sacos!

O cronista já foi menos antipático, dirá você ao se dar conta de que o assunto, desta vez, é pipoca no cinema, e mais, que a opinião do camarada, nesse particular, está longe de ser positiva. Ele gostaria que ainda assim você o acompanhasse até a última linha deste arrazoado, com a disposição de quem, esgotadas as pipocas, considera a possibilidade de encarar, lá no fundo do pacote, os piruás, ou que outro nome tenham esses grãos de milho que, mesmo submetidos a temperaturas abrasadoras, resistiram à pressão para explodirem em flores brancas comestíveis.
Seja dito que o cronista, tanto quanto você, adora pipoca, e que eventualmente as come às baciadas, chegando mesmo, numa devoração desvairada, a proporcionar aos circunstantes um espetáculo digno do mais indecoroso Pantagruel. Nunca o fez, porém, numa sala de cinema, ambiente onde sua abstenção pipocal se escora em numerosas razões, sendo a gordura do petisco apenas uma delas. Acha ele que nenhum guardanapo dá conta de eliminar integralmente os traços de manteiga - ou de óleo ordinário, nunca se sabe - que a pipoca fatalmente deixa na polpa dos dedos, resquícios untuosos que alguns (jamais você, é claro), em sub-reptícia esfregação, não hesitam em transferir para o braço da poltrona, e até para as bordas acolchoadas do assento sobre o qual, na sessão seguinte, outras nádegas haverão de se acomodar.
Há também, prossegue o antipático, a questão do cheiro, aquele mesmo que, no saguão do cinema, atiçou apetites, e que, na sala de projeções, veio a compor uma espécie de trilha olfativa do filme, ainda quando este tenha como tema as privações alimentares de um faquir. Comedores ou não, no escurinho estamos todos condenados ao odor gordurento da pipoca.
Fosse apenas isso, o cheiro - mas não: há também, ainda mais incomodativo, o inconveniente acústico, não só dos sacos de papel sendo escarafunchados por dedos gulosos, como também dos maxilares a triturar o que de lá os dedos extraíram. Talvez haja um pouco de nostalgia da parte de quem, em outros tempos, habituou-se à trilha sonora adicional, mais palatável, gerada pelos pares de enamorados cujos beijos, por vezes, de tão fogosos, chegavam a sugerir salva-vidas engalfinhados em procedimentos de mútua respiração boca a boca.
Nada contra, apressa-se o cronista em posicionar-se. Ele apenas lamenta que ao smack-smack dos casais se sobreponha o crunch-crunch dos mastigadores de pipoca - ruído quase sempre desencadeado, no início da sessão, pelo plec metálico de latinhas de refrigerante sendo desvirginadas em todo canto da sala. E, mais adiante, pelo fragor de pacotes, agora vazios, sendo reduzidos a bolas de papel, as quais serão em seguida, nem tão discretamente assim, postas a rolar sob a poltrona em frente.
Desconfia o cronista que os donos das salas não estarão gostando nada deste papo, de vez que, segundo informações confiáveis, a venda de pipoca em cinema chega a ombrear com a renda da bilheteria, ou mesmo a superá-la. Se assim é, não será impossível que aspirantes a carreiras empresariais estejam a pôr na balança: exibidor de filmes ou pipoqueiro?
Por muito tempo hesitou o escriba em tornar público o desconforto que lhe causa a ruidosa e olorosa comilança em que se transformou a aventura de ir ao cinema. Limita-se, quando muito, a buscar asilo nalgum ponto da sala onde não haja piquenique. Riscou do mapa as salas dos shopping centers, nas quais, a seu ver, em breve será indispensável apresentar, mais que um ingresso, um saco de pipoca. Em dia de pavio especialmente curto e plateia especialmente esfaimada, exasperou-se ele, em meio ao filme: “Gente, pipoca engorda!”. A saraivada de insultos que seu quixotesco protesto suscitou só não foi mais encorpada, supõe, porque incontáveis bocas, de gordos e de magros, estavam ocupadas em mastigar.
Se ele agora se anima a deixar por escrito o que pensa a respeito dessa comezaina, é porque acaba de ler uma crônica em que Carlos Drummond de Andrade, então com 25 anos, protestou - sob pseudônimo, é verdade - contra um fenômeno semelhante, que em 1927 infernizava a vida dos cinéfilos de Belo Horizonte, com o agravante de ser ainda tempo do cinema mudo. “A um ligeiro movimento que fiz”, escreve ‘I.’, “qualquer coisa estalou no chão”. Espalhadas no piso de toda a sala, era impossível não pisar em cascas de amendoim - bolotinhas do assumido agrado do jovem cronista, e às quais se atribuem propriedades afrodisíacas.
“Ora viva o amendoim”, saúda o poeta no verso que fecha O procurador do amor. Até por isso, quem sabe, recomendava ele a seus leitores: “Amigos, comei o vosso amendoim em casa, de pijama, chinelos e quarto fechado”. Das profundezas de sua insignificância, este cronista subscreve o que disse o mestre, apenas trocando por pipoca o amendoim. 

Turma do barulho

Para minha surpresa, foi moderada a chiadeira que causei, duas semanas atrás, ao falar mal do ruidoso hábito de comer pipoca no cinema. Vai ver que bocas e mãos estavam ocupadas na mastigação nalguma sala escura. Em compensação, houve fartura de reclamações contra outros vilões: quem desembrulha bala no melhor do filme, tosse na sala de concerto, ou, mais execrável ainda, faz uso de celular nesses ambientes em que o silêncio deve falar mais alto. De fato, comparada a tais abominações, talvez a começão de pipoca no cinema seja um pecado apenas venial.
Confesso que não havia pensado na importunação sonora que é alguém desembrulhando bala no momento mais delicado de uma sonata ou sinfonia. Também nesse particular, devo estar mal-acostumado com os bons tratos na Sala São Paulo, onde a plateia tem à disposição, de graça, balas que já vêm desembaladas. Ainda assim, há sempre quem leve ao concerto seu farnel de guloseimas.
É este o caso de amiga cujo nome, em nome de preciosa camaradagem, peço licença para não declinar aqui. A querida fulana não põe os pés e ouvidos na Sala São Paulo sem um estoque de balas a seu ver inigualáveis, acondicionadas, porém, no papel mais potencialmente ruidoso que existe no mercado.
Por se tratar de vício incurável, cuidou a jovem senhora de desenvolver técnicas para abrir as embalagens, de modo a não importunar além da conta seus vizinhos de poltrona, procedimentos esses que tomo a liberdade de passar adiante, na esperança de que sejam úteis para outros viciados - e, sobretudo, para quem se sentar ao lado deles.
O segredo, ensina ela, é não desembrulhar aos poucos, mas de uma vez, e somente nas passagens em que os instrumentos mais potentes estejam rugindo em uníssono. Na hora, por exemplo, daquele tchan-tchan-tchan-tchan da Quinta Sinfonia de Beethoven. Ou no momento em que, na Nona do mesmo compositor, as goelas do coro fazem jorrar todos os decibéis de que são capazes. Bem-humorada, a melomaníaca com mel se permite fazer frase: “Quando soam os tímpanos da orquestra, nenhum tímpano humano vai perceber que você está desembrulhando uma bala...”.
Mais preocupante, na opinião da minha amiga, é a questão do celular, que a etiqueta não só de concerto manda deixar desligado. O contrário é merecedor de abominação unânime, com exceção, claro, do pessoal que, por esquecimento ou desídia, não dá trégua ao telefone, ligado a ele como enfermo grave aos aparelhos em leito hospitalar. Para muitos casais - permita-me a divagação -, faz tempo que o celular deixou de ser motivo de desavença, passando a funcionar, ao contrário, como substitutivo da briga conjugal: como brigar, se está cada um monogamicamente atracado a seu telefone?
A menos que eu esteja mal informado, não há toque de celular capaz de harmonizar-se com um diálogo na tela ou um fraseado musical. Ouvi contar a história da moça que se esqueceu de desligar o iPhone, e, quando ele soou, no mais inadequado dos momentos, não viu melhor saída que atirá-lo no colo do vizinho, um total estranho, como quem não tivesse nada a ver com o incidente sonoro. 
E há também, mais grave no concerto do que no cinema, a questão da tosse, sempre fora do programa. “Não dá para tossir com Debussy”, diz aquela amiga das balas. Tão irritante que eu mesmo, nulidade em teoria musical, imaginei compor um 1.º Concerto para Pigarro e Tosse, para o que me bastaria, em determinados ambientes, ligar um gravador. Não é por outro motivo, aliás - o alívio das gargantas -, que a Sala São Paulo oferece balas.
O inconveniente causado pelos tossegosos (acabo de aprender a palavra) foi responsável, ali, alguns anos atrás, por um incidente prenhe de potencial pedagógico: exasperado com a tosse na plateia, o maestro Daniel Barenboim depôs a batuta, sacou um lenço e cobriu a boca, num eloquente pito sem palavras, sendo aplaudido até por quem tossia.
O regente argentino-israelense foi mais sutil que seu colega alemão Kurt Masur, o qual, em circunstância semelhante, à frente da Filarmônica de Nova York, abandonou o palco em pleno terceiro movimento da Quinta Sinfonia de Shostakovich. Com seu lenço, Barenboim foi mais delicado, também, que a violinista coreana Kyung-Wha Chung. Numa sala londrina, a grande dama interrompeu a Sonata em Sol Maior de Mozart para ralhar com os pais de uma criança que tossia: “Tragam-na de volta quando ela estiver mais velha”. Metade da sala aplaudiu, metade vaiou.
E há, por fim, quem perturbe o concerto ou sessão de cinema sem nada fazer, simplesmente por cair no sono. Nem precisa roncar. Vi na internet uma sequência em que o rimbombar da orquestra, rompendo a calmaria, desperta uma senhora, a qual, assustada, dá um berro, desencadeando gargalhadas.
Ao contrário do que se passa com embalagens, celulares e pulmões tonitruantes, não há o que fazer em relação à soneca no espetáculo. Quem sabe poderia a Sala São Paulo oferecer, além das balas, alguma pílula capaz de manter a plateia em estado de vigília? 

Delinquentes fesceninos 

Também entre os cinemas, há aqueles que, depois de velhos, se convertem à religião. Faz sentido. A amplidão da sala se presta à maravilha ao propósito de arrebanhar fiéis. Com palco e poltronas, o pasto espiritual ali está, prontinho, a dispensar grandes investimentos dos empresários da fé. Saem os Irmãos Lumière e entram os irmãos, simplesmente. Mas será que não há, na conversão de cinema em templo, um ingrediente extraimobiliário? Uma determinação até divina, quem sabe, de exorcizar os demônios da concupiscência, responsáveis pela fartura de pecados cometidos naquele escurinho propiciatório - na tela, onde por vezes passam indecências, e sobretudo na plateia, onde nem seria necessária a ficção para inspirar a fricção lasciva de casais arfantes.
Quem nunca viu este filme? Um belo dia, ou melhor, um péssimo dia, o letreiro se apaga e, com ele, o velho cinema. O enredo já rendeu filmes, exatamente - está se lembrando, por exemplo, de A Última Sessão de Cinema? Se bem que no clássico de Peter Bogdanovich, de 1971, o Cine Royal não vira igreja, nem mesmo estacionamento, como também costuma acontecer: apenas acaba, por falta de plateia na ínfima Anarene, Texas.
Qualquer que seja a causa mortis, estamos falando dessa instituição que em toda parte se vai extinguindo, o cinema de rua, desbancada pelo cinema de shopping. Na hipótese menos melancólica, pode uma sala mudar de ramo, mas não de rumo, mantendo-se ligada ao universo do entretenimento e da arte. Mas é raro. Não sei de outro cinema que tenha, como o paulistano Astor, se convertido em livraria, a Cultura, onde, no mesmo plano inclinado, as poltronas cederam lugar a estantes e pontos de leitura. Que me perdoem os pentecostais e os donos de estacionamento, mas salas de cinema, quando desativadas, decaem.
A enésima reprise do assunto vem ao fato de que acaba de completar 70 anos, em Belo Horizonte, o cinema onde vi passar boa parte de minha infância, adolescência e primeira mocidade. O predinho art déco do Pathé lá está, protegido por tombamento, na região que hoje se chama Savassi (na época, este era o nome de uma padaria quase em frente), mas sua última sessão terminou há quase 20 anos. Faltou entre os belo-horizontinos o mesmo ardoroso empenho que em São Paulo assegurou a sobrevivência do Belas Artes. Desde então o ventre oco do Pathé abrigou igreja, feira de roupas, estacionamento. Nada disso vingou, como também não andaram uns projetos para ressuscitar o que, na capital mineira, mais se pareceu com um cinema de arte.
Não são apenas cinematográficas as minhas lembranças do Pathé. Algumas, devo confessar, beiram o crime e a contravenção, e chega a ser espantoso que eu nunca tenha sido apanhado, de madrugada, com a boca na botija - mais exatamente, com a mão nas letras de madeira que compunham o título do filme na fachada.
Com o destemor de adolescentes quando em grupo, numa disputa para ver quem apronta mais, eu e alguns comparsas galgávamos a grade que fechava o hall do Pathé, e cada qual furtava uma letra, com o propósito de presentear a namorada, ou namorada alguma, com a inicial de seu nome. O fundo de meu guarda-roupa escondeu por um bom tempo um estoque de letras, farto o bastante para a hipótese de vir a namorar representantes do alfabeto inteiro.
Se nunca passei disso, havia uns porra-loucas (adjetivo e substantivo então de largo uso) dados a reescrever os títulos na fachada do Pathé. Primeiro, postavam-se no outro lado da avenida Cristóvão Colombo, e dali ficavam a matutar o que se poderia compor com as letras do filme. Em seguida, passavam aos atos. As letras sobrantes eram deixadas sobre a marquise do cinema.
Alguns dos gaiatos voltavam, na manhã seguinte, para saborear, a prudente distância, as gargalhadas de alguns passantes e os queixos caídos da Tradicional Família Mineira. Em qual dos times se incluiria o mais ilustre dos moradores da região, o Dr. Tancredo Neves, dono de uma casa em estilo normando na Praça Diogo Vasconcelos?
Lamento não ter tido a ideia de anotar todas as barbaridades que li na fachada do Pathé. Lembro-me de dois arranjos. Um deles, dos menos trabalhosos, fez As Pupilas do Senhor Reitor resultar em As Putas do Senhor Rei. O outro? Ainda me pergunto como se chama o filme que permitiu a um gaiato convertê-lo em Rola na Garota.
Consultado, o cinéfilo Sérgio Augusto me conta que sua participação em estripulias desse tipo, no Rio de Janeiro, se limitava a mexer nos títulos - abundantes na década de 50, com direito a farta reprise na seguinte - em que entrasse a palavra “céu”, da qual se eliminava uma das vogais. “Éramos uns delinquentes fesceninos, meu destino era mesmo o Pasquim...”, admite o Sérgio Augusto. “Imagine o estupor das senhoras indo às compras de manhã e dando de cara, nas marquises, com títulos de filmes que originalmente se chamavam Céu de Agonia, Céu Amarelo, Sem Barreiras no Céu, E o Céu Mandou Alguém, Até o Céu Tem Limites, Entre o Céu e o Inferno e, talvez imbatível, Tudo Isso e o Céu Também...”

Na contramão da fé

Falei aqui, faz uma semana, de cinemas que se convertem à religião, passando a acolher fiéis onde imperavam cinéfilos - e eis que lá de Minas, sempre atento, o Fernando Dolabela, amigo desde os nossos 11 anos, autoridade mais que nacional em empreendedorismo, veio acudir a minha abrangente ignorância. Nesse movimento, contou ele, há também contramão: igrejas de variados credos que mudam de ramo, cedendo espaço para atividades mais terrenas, eventualmente pecaminosas.
Numa sumária lambiscada na internet, topei com igrejas que foram transformadas em livraria, cervejaria, casa de degustação e venda de vinhos, supermercado, academia de ginástica e até, valha-nos Deus, boates - uma das quais, em Nova York, dando por encerrada ali a busca da Virtude, chafurdou no Pecado, notabilizando-se como antro fervente do sexo, das drogas e, quase à guisa de pretexto, do rock’n’roll. Haja vendilhões de templos!
Em meio a tão diversificada conversão, tomei conhecimento da existência de uma capela transmudada em cinema. Coisa de estrangeiros ímpios? Nada: aconteceu aqui em Búzios, no litoral fluminense, e não consta que tenha havido reclamações quando, há cinco anos, aquela modesta sucursal da casa de Deus deu lugar ao Cine Teatro da Rasa.
Até o momento, só não encontrei (mas pode haver, preciso consultar o Fernando) igreja que tenha mudado de credo, passando de pentecostal a católica, ou vice-versa. Também não consegui saber o que pode ter levado padres e pastores a desistir do ramo religioso; a pura e simples perda de fé, como sucede às vezes no rebanho? Ou, na leitura do balanço, a constatação de que nem sempre templo é dinheiro? Igualmente desconheço se algum dos desistentes, nessa melancólica encruzilhada, chegou a afixar no frontispício uma tabuleta de “vende-se” ou “aluga-se”.
Vamos aos fatos, e comecemos pela tal discoteca nova-iorquina. Até para desestimular apressadinhos, seja dito que não adianta correr, pois a antiga Limelight é hoje, com o mesmo nome, uma academia de ginástica. Na verdade, trata-se apenas do uso mais recente de uma construção erguida - em plena América, mas em estilo gótico... - em meados do século 19.
Desconsagrada no começo dos anos 70, aquele reduto da Igreja Episcopal da Sagrada Comunhão foi um centro de reabilitação de drogados e alcoólatras, antes de se tornar exatamente o contrário disso, na década seguinte, quando se instalou ali a discoteca. 
A farra crepitou até 1996, pois que o promoter da casa matou e esquartejou um dos habitués, traficante de drogas. Reabriu anos mais tarde com o nome de Avalon, para a certa altura virar supermercado, o qual, há dois anos, ufa, cedeu espaço à Limelight Fitness. O que mais está por vir?, pode perguntar-se quem passe por aquele cambiante ponto do distrito de Chelsea.
Bem menos acidentada tem sido a história de outra discoteca, a Paradiso, vicejante entre as paredes do que foi uma igreja de Amsterdam, erguida no século 19. Ali, além de sacolejos na pista, os fiéis frequentadores têm à disposição desfiles de moda, sessões de cinema, palestras científicas e festivais de poesia.
Também na Holanda, o mesmo clima de tranquilidade pode ser desfrutado em duas igrejas desativadas nas quais o livro santo deu lugar ao livro, simplesmente - as livrarias Selexyz, em Maastricht, e Waanders in de Broeren, em Zwolle, acomodadas em edificações dos séculos 13 e 15, respectivamente. Bem parecido com o que se vê, faz alguns anos, em Óbidos, vila portuguesa com pouco mais de 3 mil habitantes, numa construção do século 18 onde há muito já não se rezava missa e hoje é livraria, cujo nome, ao menos, evoca santidade: Santiago.
Se a fé remove montanhas, como parecem crer as empreiteiras, houve quem removesse igreja de uma cidade a outra. Coisa de americano, quem duvidaria? Não foi lá que alguém, na década de 30, teve a ideia de construir um convento nada menos que medieval, The Cloisters, ao norte de Nova York, agora extensão do Metropolitan Museum of Art?
Pois algo ainda mais radical se passaria em anos recentes, quando, viajando de carro em Ohio, um viticultor viu em Shalersville um templo metodista desativado, e se encantou por ele. Com determinação de recém-convertido, não teve dúvida: mandou demolir a construção, do ano de 1892, para reerguê-la, tijolo por tijolo, em sua cidade, Geneva. Dizem que na casa, templo da degustação enológica, espírito divino e espírito de vinho podem perfeitamente harmonizar-se.
No mesmo capítulo etílico, inteirei-me da existência, também nos Estados Unidos, de uma cervejaria, a Church Brew Works, de Pittsburgh, literalmente nascida das cinzas de uma igreja batista incendiada em 1915. “E no oitavo dia... o homem criou a cerveja”, trombeteia o site do estabelecimento. Os proprietários restauraram com esmero as ruínas do antigo templo, que estivera abandonado por 80 anos. Entre outras relíquias, existe ali, intacto, um confessionário, ao que se saiba sem uso específico, e certamente não por falta de matéria-prima espiritual. 

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