terça-feira, 20 de março de 2018

Saudável loucura - Humberto Werneck

Penso em Hélio Pellegrino, cuja morte chegará aos 30 anos nesta sexta-feira, 23 - e, na desoladora paisagem do Brasil de hoje, outra vez me pego a lamentar a falta que nos faz este homem carregado de apaixonada indignação, empenhado permanentemente em “transformar a reflexão em ato vivo”, como lembrou Antonio Candido, capaz de harmonizar em si aparentes contrários como marxismo e cristianismo.
Como estaria reagindo, e facilmente posso adivinhar, o psicanalista, poeta e sobretudo ser político Hélio Pellegrino, se afrontado por horripilantes ocorrências hoje quase banais, de tão corriqueiras, como a execução de Marielle Franco e Anderson Gomes? Ele que, ao preço de três meses de cadeia após o AI-5, tão desassombradamente reagiu a violências como o assassinato, também das ruas do Rio de Janeiro, do estudante Edson Luís de Lima Souto, em 1968; o Hélio que, possuído da mesma ira justa, anos mais tarde pôs a nu e ajudou a desmantelar o baronato encastelado na Sociedade Psicanalítica (à qual ele pertencia, e que em retaliação o expulsou), camarilha capaz de acobertar a participação de um psicanalista em sessões de tortura da ditadura militar.
Fundador do Partido dos Trabalhadores, Hélio Pellegrino por certo teria reagido com visceral indignação aos descaminhos que desfiguraram um sonho de tantos, assim como não se calaria ante rasteiras parlamentares implementadas graças a tortuosidades jurídicas, ou, ainda, ao ver pousarem no noticiário helicópteros movidos a pó por gente com aspirações também políticas, ou malas e apartamentos recheados de dinheiro de nauseabunda procedência. E o que pensaria um psicanalista ao se inteirar de furtivos encontros em porões, a horas mortas, com alguém que fosse autoridade em questões da carne?
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