A Outra tanto
fez que conseguiu entrar na UTI, onde encontrou a legítima agarrada à mão dele.
Deitado de barriga para cima, com tubos e fios saindo para todos os lados e
conectando-o à aparelhagem em volta, ele parecia um avião recém-pousado depois
de uma longa viagem. Um Boeing com as turbinas apagadas, mantido vivo pelo
pessoal da terra.
- Querido! -
gritou a Outra, procurando uma parte dele que também pudesse agarrar.
A Legítima nem
piscou.
- O que você fez
com ele? - exigiu a Outra.
A Legítima nada.
- Eu sabia que
cedo ou tarde você o mataria. - acusou a Outra.
A Legítima, uma
pedra.
- Só comigo ele
tinha o carinho de que precisava. Você fez isso com ele! Você! Com sua frieza,
com sua maldade, com sua...
Então a Legítima
falou:
- Nós estávamos
fazendo amor.
A Outra recuou
como se tivesse levado um choque.
- Mentira!
A enfermeira fez
"sssh", mas a Outra falou ainda mais alto.
- MENTIRA!
- Ele morreu nos
meus braços - disse a Legítima no mesmo tom triunfal.
- Ele não está
morto - corrigiu a enfremeira.
- Morreu nos
meus braços, está ouvindo?
- Despeito!
Despeito! Ele só fazia amor comigo.
- Sabe quais
foram as suas últimas palavras?
A Outra tapou os
ouvidos.
- Eu não quero
ouvir!
- Suas últimas
palavras foram "Agora cruza!".
- Não!
- Sim! Sim! Nós
estávamos fazendo o Alicate!
- NÃO!
Um médico
apareceu e ameaçou retirar as duas de perto do paciente. Elas não lhe deram
atenção. A Outra soluçava.
- Não, O Alicate
não!
- Sim! Tudo o
que ele fazia com você, ele fazia em casa. Experimentava em você para fazer
comigo.
A Outra
interrompeu os soluços para espiar por entre os dedos que tapavam seu rosto e
perguntar, incrédula:
- A Borboleta
também?
- A Borboleta, A
Chinesa Assoviadora, o Baile dos Cossacos...
- NÃO!
- Sssshh!!
- Tudo. Tudo!
Você era um campo de provas. Eu era pra valer. Com você era treino. Comigo era
pelos pontos!
Então a Outra
gritou uma palavra indecifrável e avançou num dos aparelhos que cercavam a
cama, tentando arrancar os fios, até ser controlada pelo médico e a enfermeira
e empurrada para fora do cubículo. Da porta a Outra ainda conseguiu gritar:
- O Salgueiro
Despencado ele não fazia com você!
- Fazia! Fazia!
Perfilada ao
lado da cama, a Legítima respirou fundo. Depois, sentou-se. Ia pegar a mão
dele, mas recuou. Em vez disso, cochichou no seu ouvido.
- Joca?
Insistiu:
- Joca?
Depois:
- Como era o
Salgueiro Despencado?
Depois:
- Seu safado.
Como era o Salgueiro Despencado?
E o Boeing
quieto.
Amely - Priscila Vieira
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