Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
Poema em linha reta - Antonio Abujamra
Poema em linha reta - Osmar Prado
Poema Em Linha Reta - Patife Band
Poema em linha reta explicado - sobre o ódio em nós - Leandro Karnal
Eu, ridículo - David Coimbra
Uma das poesias de Fernando Pessoa de que mais gosto é o Poema em Linha Reta, que ele assina sob o heterônimo de Álvaro de Campos.
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,(...)
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;(...)
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida...(...)
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
Tenho apreço especial por este poema porque, para mim, ele serve de consolo. Afinal, já fui tantas vezes ridículo na vida... Já fui humilhado por mulheres que amei, demitido de empregos dos quais não pretendia pedir demissão, já levei porrada, como diz o poeta, já passei muita vergonha, e sei que todos os dias corro o risco de passar por isso de novo.
Realmente não me acho grande coisa. Queria ser um dos campeões, um dos príncipes citados por Fernando Pessoa. Vejo tanta gente a se jactar dos seus talentos, dos seus sucessos, e eu aqui tão... normal.
Mas tem o seguinte: ao fazer essa confissão, não significa que passo por alguma crise de amor-próprio. Nada disso. Não desgosto de mim e sei que tenho meus méritos. Um deles é que consigo me recuperar dessas ridicularias e dessas humilhações. Já voltei para empregos de que havia sido demitido, e voltei por cima. Já tive de volta mulheres que amei e que me maltrataram, e elas voltaram me amando de verdade. Ou então consegui empregos melhores e mulheres melhores. Ou simplesmente fui em frente e suplantei os reveses com bom humor.
O fato é que me reergui, tenho me reerguido.
Fernando Pessoa poderia ter escrito um poema sobre isso, sobre a sobrevivência, sobre a resistência, sobre a bravura da alegria. Você perde hoje, ganha amanhã.
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