Eu tinha me separado há coisa de duas semanas. Estava
acampado no apartamento da minha irmã. Umas três da tarde, quarta-feira, toca o
telefone. "Senhor Antonio, aqui é da Verisure. O alarme da sua casa
disparou. Minha senha é navio, qual é a sua?"
Quando não aconteceu nada e o alarme disparou porque abrimos
uma janela ou porta esquecendo de desativá-lo, basta dar a contra-senha. Ao
ouvir "navio", devo dizer "mar". Caso haja um bandido com
uma AK-47 na minha cabeça, devo dizer "tranquilo" e eles chamam a
polícia. (Claro que as senhas não são essas. Fica a dica, caso você esteja
interessado em assaltar minha ex-casa).
Pois bem, a moça disse "navio" e eu respondi
"não moro mais nessa casa". Digo para ela ligar pra minha mulher,
quero dizer, minha ex-mulher. Ela diz que já ligou várias vezes e não atende.
Fico nervoso. Resolvo chamar um Uber e ir até a minha ex-casa ver se está tudo
ok. Quando já estou na calçada e o Marcílio do Renaut Kwid com placa de final
98 está há sete minutos de mim, lembro do seu Antonio.
Seu Antonio é o segurança da rua. Eu tenho o telefone dele.
(Um aparte: é sempre engraçado falar com seu Antonio, porque eu o chamo de
"seu Antonio" e ele também me chama de "seu Antonio".
Parece uma brincadeira de criança que fica repetindo o que o outro fala. Um dia
pensei que devíamos nos tratar por "nosso Antonio", mas isso não tem
absolutamente nenhuma relevância para essa história).
Pois: seu Antonio atende. "Oi, seu Antonio", eu
digo. "Oi, seu Antonio", ele repete. Conto da ligação da Verisure e
peço para que ele toque a campainha e veja se está tudo bem. Desligamos. Uns
três minutos depois, seu Antonio me escreve. (Marcílio, do Renaut Kwid com
placa de final 98, ainda está há seis minutos de mim, porque o tempo do Uber
passa em uma dimensão diferente da dos nossos telúricos relógios, de forma
muito mais lenta).
Seu Antonio me acalma: "Seu Antonio, está tudo
bem". Escrevo: "A Julia tá em casa?". E é neste momento que esta
história realmente começa. O WhatsApp mostra seu Antonio
"digitando...". Então "online". Então
"digitando..." de novo. Então "online". Então
"digitando..." de novo.
O que faria com que seu Antonio se comportasse como se estivéssemos
num xaveco na madrugada, hesitante, em dúvida se o próximo passo seria ousado
ou pudico demais? Depois de uns trinta segundos de "digitando..." e
"online", chega a resposta: "Está sim. Com o massagista".
Entendo imediatamente a hesitação do seu Antonio e sou grato
por seu cuidado. O massagista é um cara de um metro e noventa, careca,
musculoso e tatuado. Evidente que seu Antonio não acredita que ele seja um
massagista. Deve estar pensando, neste momento, coitado do seu Antonio, saiu de
casa há duas semanas e a Julia já o trocou pelo fortão.
Imagino a fofoca na rua. A Márcia, faxineira do 165, falando
pra patroa: "Dona Julia se deu bem. Botou o baixinho pra fora e tá pegando
um homenzarrão". Ou "agora entendi porque separaram. Entre o
barrigudinho e o sarado, eu também ficava com o sarado".
Eu agradeço a seu Antonio e desligo, mas o incômodo vai
crescendo. Sei que o massagista é de fato um massagista, conheço-o e também seu
namorado, mas o famigerado patriarcado tem suas raízes bem fincadas em
minh’alma. Passo a tarde aflito, imaginando a fofoca correndo pelo bairro. Oito
da noite, cinco horas depois do ocorrido, mando um áudio. "Tranquilo, seu
Antonio. Conheço ele. Ele é gay". Ridículo, eu sei. Patético. Mas é o que
temos para hoje.
ilustração: Adams Carvalho
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