Vai-se para uma cobertura atrás de um quintal
Amigo nosso, que acabei de inventar, mudou-se de um
apartamento no quarto andar para um apartamento de cobertura. E nos contou que
descobriu outra civilização: o povo das coberturas.
Começara investigando as coberturas próximas à sua, num raio
que permitia o abano e a identificação fisionômica. Havia quatro à sua volta e
ele estabeleceu contato com três. A quarta era de uma mulher de idade
indefinível que molhava suas plantas de biquíni e desprezava os seus acenos
matinais.
Todas as coberturas próximas tinham plantas, duas tinham
pequenas piscinas. Uma tinha o que parecia ser uma coleção de esculturas
eróticas. Ele está convencido de que, como um arqueólogo ao contrário,
tropeçara numa civilização desconhecida no céu. O povo das coberturas é
diferente. Ele só não sabe se é a diferença que o faz procurar as coberturas ou
as coberturas que o torna diferente.
Ele encheu o terraço da sua cobertura com plantas, o que
serviu para aproximá-lo da mulher de biquíni, com quem ele agora troca
saudações entusiasmadas todas as manhãs. Agitam os braços, fazem grandes gestos
de agradecimento ao sol e à chuva e desenvolveram uma sólida identificação
comunitária pela mímica, de pomar a pomar.
Nosso amigo acredita que é a vegetação que faz a diferença
entre o povo das coberturas e o dos outros andares. O povo das coberturas
distancia-se o máximo possível do chão atrás de uma paradoxal compulsão
agrícola. Em vez da fascinação milenar do jardim suspenso, o que ele tem, no
fundo, é uma nostalgia da casa.
A cobertura é o térreo invertido e, portanto, uma espécie de
exaltação do térreo. Ao contrário do que se pensa, vai-se para uma cobertura
por humildade, pela mais rasteira das virtudes. Vai-se atrás de um quintal.
Nosso amigo conta que está à beira de uma revelação.
Suspeita que todas as coberturas da cidade formam uma rede semafórica, uma
silenciosa conspiração de sinais trocados acima da percepção comum e do
controle das autoridades. Ele já captou luzes piscando numa cobertura e
respondida da outra num código desconhecido. E acha que ainda não foi incluído
na rede porque talvez duvidem das suas credenciais. Podem ter concluído,
observando-o através de suas lunetas (todas as coberturas têm lunetas), que a
dele é uma irreversível alma de quarto andar.
Ele tem passado as noites em claro, tentando decifrar o código e saber o que eles dizem. Não tem dúvida de que existe um intercâmbio clandestino entre os tetos da cidade e não descansará enquanto não descobrir o que combinam. Ou o incluírem no mistério.