"Liberdade não é sobre transar na primeira noite, e sim sobre não querer transar e não transar." A frase me aparece no artigo de uma jovem feminista brasileira que as ondas digitais trouxeram casualmente à minha praia.
Incorporo o velho copidesque e a traduzo mentalmente para o português publicável: "Liberdade não tem a ver com transar na primeira noite, e sim com não querer transar e não transar". Só então me dou conta de que, fazendo isso sempre que me deparo com a construção torta, ando ocupadíssimo.
Como tantas traduções ruins, "ser sobre" deixa entrever a construção estrangeira que tem por matriz -no caso, o inglês "to be about".
Em dublagem barata de telefilme, passa. Num texto original brasileiro, a ideia contida em "to be about" costuma ser expressa pelas palavras "ter a ver com", "ter relação com". Ou mesmo, num belo exemplo de concisão, pelo verbo "ser"!
Não fica bacana? "Liberdade não é transar na primeira noite, e sim não querer transar e não transar."
Estamos falando de um dos mais insidiosos modismos importados da língua do Pato Donald. Uma tradução literal que poderíamos chamar de macunaímica -no sentido da preguiça, sem dúvida; no da ausência de caráter, talvez.
Quero deixar claro que não sou xenófobo ou purista. A língua portuguesa não é uma moçoila virginal ameaçada pela avalanche de palavras inglesas. É mais forte do que se pensa e, vamos falar claro, nunca foi santa.
A própria "avalanche" do parágrafo anterior, remanescente do tsunami de palavras francesas que arrastou nossos letrados no século 19, prova que uma dieta rica em estrangeirismos engorda e faz crescer. Aliás, o termo japonês "tsunami" está no mesmo caso.
Podíamos ficar nisso o dia todo.
Anos atrás, fui um dos críticos do projeto do deputado Aldo Rebelo (PCdoB) que previa multa para quem usasse palavras importadas. Coisa não só irrealizável, mas ignorante em sua visão do idioma e perigosa em sua inspiração totalitária.
Nada disso nos obriga a aplaudir a anglofilia jeca que acomete setores da classe média, em especial lá pelas bandas do corporativês, do marquetês e do informatiquês.
Se o uso de termos anglófonos tem lógica econômica, pois as palavras vêm nos pacotes de tecnologia e serviços que importamos, seu alcance é muito ampliado por certa aura, por uma sobra de valor simbólico.
Aquilo que se exprime em inglês, idioma "vencedor", soa mais sério, competitivo, atraente. Isso, sim, me parece um alvo digno de chumbo grosso. O abuso de estrangeirismos não ameaça o português, mas revela uma deficiência de autoestima.
É sintoma de um problema cultural.
O que fazer? Confesso que, além da minha resposta-padrão para as mazelas brasileiras em geral (educação, educação, educação!), não sei.
Talvez um começo seja denunciar a postura culturalmente servil que falantes educados, quem sabe intelectuais, alguns até inflamados de nacionalismo, revelam sem querer quando concebem uma construção grotesca como "ser brasileiro é sobre ter jogo de cintura".
Ou não. Vai ver que o errado sou eu e que um dia teremos de traduzir para o "sobrismo" diversas frases famosas de nossa história: "Um país é sobre homens e livros" (Monteiro Lobato); "Governar é sobre abrir estradas" (Washington Luís); "O mundo é sobre um moinho" (Cartola).
Incorporo o velho copidesque e a traduzo mentalmente para o português publicável: "Liberdade não tem a ver com transar na primeira noite, e sim com não querer transar e não transar". Só então me dou conta de que, fazendo isso sempre que me deparo com a construção torta, ando ocupadíssimo.
Como tantas traduções ruins, "ser sobre" deixa entrever a construção estrangeira que tem por matriz -no caso, o inglês "to be about".
Em dublagem barata de telefilme, passa. Num texto original brasileiro, a ideia contida em "to be about" costuma ser expressa pelas palavras "ter a ver com", "ter relação com". Ou mesmo, num belo exemplo de concisão, pelo verbo "ser"!
Não fica bacana? "Liberdade não é transar na primeira noite, e sim não querer transar e não transar."
Estamos falando de um dos mais insidiosos modismos importados da língua do Pato Donald. Uma tradução literal que poderíamos chamar de macunaímica -no sentido da preguiça, sem dúvida; no da ausência de caráter, talvez.
Quero deixar claro que não sou xenófobo ou purista. A língua portuguesa não é uma moçoila virginal ameaçada pela avalanche de palavras inglesas. É mais forte do que se pensa e, vamos falar claro, nunca foi santa.
A própria "avalanche" do parágrafo anterior, remanescente do tsunami de palavras francesas que arrastou nossos letrados no século 19, prova que uma dieta rica em estrangeirismos engorda e faz crescer. Aliás, o termo japonês "tsunami" está no mesmo caso.
Podíamos ficar nisso o dia todo.
Anos atrás, fui um dos críticos do projeto do deputado Aldo Rebelo (PCdoB) que previa multa para quem usasse palavras importadas. Coisa não só irrealizável, mas ignorante em sua visão do idioma e perigosa em sua inspiração totalitária.
Nada disso nos obriga a aplaudir a anglofilia jeca que acomete setores da classe média, em especial lá pelas bandas do corporativês, do marquetês e do informatiquês.
Se o uso de termos anglófonos tem lógica econômica, pois as palavras vêm nos pacotes de tecnologia e serviços que importamos, seu alcance é muito ampliado por certa aura, por uma sobra de valor simbólico.
Aquilo que se exprime em inglês, idioma "vencedor", soa mais sério, competitivo, atraente. Isso, sim, me parece um alvo digno de chumbo grosso. O abuso de estrangeirismos não ameaça o português, mas revela uma deficiência de autoestima.
É sintoma de um problema cultural.
O que fazer? Confesso que, além da minha resposta-padrão para as mazelas brasileiras em geral (educação, educação, educação!), não sei.
Talvez um começo seja denunciar a postura culturalmente servil que falantes educados, quem sabe intelectuais, alguns até inflamados de nacionalismo, revelam sem querer quando concebem uma construção grotesca como "ser brasileiro é sobre ter jogo de cintura".
Ou não. Vai ver que o errado sou eu e que um dia teremos de traduzir para o "sobrismo" diversas frases famosas de nossa história: "Um país é sobre homens e livros" (Monteiro Lobato); "Governar é sobre abrir estradas" (Washington Luís); "O mundo é sobre um moinho" (Cartola).