Dia desses, perguntei para uma amiga de Moscou como é que se
pronuncia Dostoiévski em russo. Ela respondeu assim: “Dostoiévski”.
E me cumprimentou por falar russo tão bem.
Disse-lhe que respeito os russos mais por Dostoiévski do que
pela Batalha de Stalingrado, e vi que ela ficou ponderando sobre essa
observação.
Na terra dela é usual fazer -45ºC no inverno. Mais frio do
que aqui, no extremo norte dos Estados Unidos.
– E em Moscou nós não dispomos da estrutura de Boston –
acrescentou.
Boston é mesmo uma cidade preparada para o frio. Há máquinas
de remover neve da calçada, máquinas de remover neve do meio da rua, máquinas
de derreter neve da pista do aeroporto. A neve derretida ou removida é levada
para um curioso depósito de neve. Não pode ser despejada no rio ou no mar,
porque é água suja.
Neve é coisa bonita, mas trabalhosa. A prefeitura passa o
inverno inteiro, longo inverno, em atividade por causa da neve. Às três da
madrugada, você pode ouvir o barulho das máquinas trabalhando ao longe. Se não
é assim, a cidade para. E as consequências são duras. No inverno do ano
passado, o mais rigoroso em 80 anos, houve duas violentas tempestades de neve.
O trem deixou de funcionar por um dia e o diretor da companhia foi demitido.
Mesmo assim, sinto menos frio em Boston, com -20ºC, do que
em Porto Alegre, com 5ºC. No Brasil, os invernos mais rascantes são enfrentados
com a estrutura básica do século 19: cobertores e, quando possível, lareiras.
Nem pode ser diferente. O inverno brasileiro é muito curto.
Melhor suportar o frio de alguns dias do que suportar os gastos para vencê-lo.
Inverno demorado é para ricos. Os vidros têm de ser duplos, as paredes precisam
de revestimento especial e o aquecimento, seja a gás, seja a motor, seja
elétrico, é caríssimo. A conta de energia de um apartamento de dois quartos
fica entre 30 e 40 dólares no verão e sobe para algo entre 150 e 200 no
inverno.
Portanto, resistam, gaúchos!
A vantagem é que o recolhimento invernal pode dar frutos. Na
Rússia, o General Inverno não apenas derrotou Napoleão e Hitler como gerou
Gogol, Tchekhov, Nabokov, Tolstói e ele, Dostoiévski. Mas Dostoiévski teria
sido quem foi se tivesse vivido no Leblon? Não. Se tivesse vivido no Leblon,
Dostoiévski teria escrito uma crônica de manhã e passado a tarde entre o
futevôlei com Renato Portaluppi e o Jobi com o Admar Barreto.
Frio combina com mocotó e vinho tinto, sim, mas também com
literatura. Há exatos 200 anos, o mundo viveu o chamado Ano Sem Verão. Em 1815,
ocorreu o evento mais espetacular em 10 milênios de história: o vulcão Tambora
entrou em erupção, com a potência de 60 mil bombas atômicas, e, no ato,
explodiu uma ilha da Indonésia e matou 100 mil pessoas. As cinzas liberadas formaram
uma capa na atmosfera que tapou o sol por mais de um ano, a temperatura
desabou, as plantas e os animais morreram, e as pessoas também. Não se sabe
quantas foram as vítimas daquela isolada manifestação da natureza. Centenas de
milhares, talvez.
Por isso, não houve verão em 1816. Foi um ano soturno, de
sentimentos soturnos. Numa casa na Suíça, jovens escritores, sentindo-se
soturnos, reuniram-se para beber e escrever. Um deles, Lord Byron, propôs que
cada um concebesse uma história de terror. E assim nasceram Frankenstein, da
imaginação de Mary Shelley, e o primeiro de todos os vampiros, o pai de
Drácula, da imaginação de Polidori.
Clássicos de um ano sem verão. O que será gestado no próximo
e temível inverno do sul do Brasil? 2016 poderá ser um ano de glórias. Depende
de você.
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