Os dois namorados
estavam dentro do carro, à noite, estacionados em frente ao prédio da excelentíssima,
discutindo a relação. Discutindo mesmo, aos berros, brigando. Em meio a algum
pra mim chega!, surgiram dois meliantes armados e interromperam aquele
bate-boca. Transferiram os namorados para o banco de trás e saíram em disparada
com eles: sequestro relâmpago. Rodaram a cidade durante 50 minutos, fizeram
saques em caixas eletrônicos, até que os levaram para um lugar ermo, no meio do
mato.
Duas coronhadas, uma em
cada um, rostos sangrando, mas era pouco: despiram os dois, deixando-os apenas
com a roupa de baixo, e os amarraram em troncos de árvores. Não houve agressão
sexual, mas não se pode dizer que foi um passeio no bosque. Em plena madrugada,
abandonaram o casal imobilizado e seguiram com o carro do rapaz rumo à
impunidade garantida.
Restou o silêncio.
Assustados, os dois tentaram, tentaram de novo, e conseguiram, finalmente, se
desamarrar. Livres, sozinhos, sem saber onde estavam, olharam um para o outro e
tiveram um ataque de riso. Ele a abraçou fortemente e só conseguiu dizer duas
palavras: “Casa comigo”.
Aconteceu mesmo. Quem
me contou, olho no olho, foi a protagonista feminina da história. Eu não
conseguiria imaginar pedido de casamento mais romântico. Sem vinho, sem luz de
velas e sem anel de brilhantes – um pedido movido simplesmente pela emergência
da vida, pela busca de uma felicidade genuína, pela supressão da razão em
detrimento da emoção verdadeira.
Estavam para morrer, os
dois. Foram unidos pelo mesmo pensamento desde que foram surpreendidos por dois
estranhos armados: acabou. Não tem mais por que discutir a relação. Não tem
mais relação. Não tem mais manhã seguinte. Não tem mais futuro. Acabou. Que
perda de tempo. Para que brigar? Para que se estressar com ciúmes, com queixas,
com mágoas? Acabou.
E então descobrem que
não acabou. Desamarram-se, estão nus por fora e por dentro, despidos de
qualquer racionalidade, apenas aliviados com o desfecho da aventura e
absolutamente tomados pela potência do que é essencial na vida. O amor.
Casa comigo.
Estão casados há 10
anos. Não sei se plenamente felizes. É provável que os motivos dos ciúmes e das
queixas e de tudo aquilo que explodiu naquela discussão dentro do carro antes
do sequestro tenha se repetido outras vezes. A realidade impõe os seus
caprichos. Obriga a gente a pensar e manter a sanidade. Maldita sanidade.
Mas houve um momento em
que eles não pensaram. Só sentiram. Sentiram tudo. Sentiram sem amarras.
Sentiram soltos. Sentiram livres. Pura emoção. E a emoção se impôs: casa
comigo. Tiveram os piores padrinhos do mundo: a violência e o medo. Mas que
beijo deve ter sido dado ali no meio do nada.
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