sábado, 31 de agosto de 2019

Pom-pom-poróm, pom-pom-pom - Sérgio Augusto

João Gilberto - Aguarela do Brasil



Dois leitores me perguntaram se considero Aquarela do Brasil a melhor composição de Ary Barroso. Escrevi sobre ela, no Aliás de domingo passado, sem atirar-lhe confetes e muito menos hierarquizá-la na extensa obra do autor. Não é, dos sambas do Ary, o meu preferido, longe disso; mas me curvo à sua incomparável e universal popularidade, e à sua originalidade, pois daquela paleta de hipérboles coloridas nasceu um novo subgênero musical, o samba-exaltação. 
Outro leitor quis saber, justamente, por que e quando o samba-exaltação morreu. Suspeito que tenha sumido por falta de oxigenação e esgotamento de seus chavões. Mas assim como a chanchada trocou o cinema pela televisão, o samba-exaltação sobreviveu nos enredos das escolas de samba, que se ufanam desde que a primeira delas, Deixa Falar, celebrou nos mesmos versos a primavera brasileira e a recém-triunfante Revolução de 1930.
Ainda que eu prefira Morena Boca de Ouro, Pra Machucar Meu Coração, É Luxo Só, entre outras, Aquarela do Brasil é, consensualmente, um marco, um monumento musical. Não me oporia a oficializá-lo como Hino Nacional Brasileiro, pois oficiosamente já o é faz tempo. Por sua causa, a palavra aquarela ganhou no Aurélio uma nova acepção: “Visão alegre ou otimista de uma época, uma situação, um lugar etc.”. No Houaiss ainda não.
Foi composto numa noite chuvosa do verão de 1939. Em sua casa no bairro carioca do Leme, Ary saiu, sorrateiro, de uma conversa fiada com a mulher, Ivone, e o cunhado, sentou-se ao piano e começou a dedilhar alguns acordes, até que encontrou o samba que havia meses buscava, na contramão dos sucessos da moda: sem tristeza nem dor de corno, um samba esfuziante, “um clangor de emoções positivas” sobre esta “terra boa e gostosa”.
Vivíamos, desde o final de 1937, sob o tacão do Estado Novo, eram cada vez mais intensos os rumores de guerra na Europa, mas ainda assim ou talvez por isso Ary insistiu em levantar o nosso moral, enaltecendo riquezas que este país “lindo e trigueiro” tinha ou acreditava ter. Uma delas era ser “a terra de Nosso Senhor”, meu primeiro contato com a crença de que Deus é brasileiro. 
O cunhado de Ary foi o primeiro a invocar com o pleonástico “esse coqueiro que dá coco”, a meu ver, mais enfático do que redundante. De todo modo, a audição doméstica foi exitosa e celebrada com uma garrafa de vinho. E no embalo da euforia, Ary voltou ao piano e compôs a canção As Três Lágrimas, inteirinha. Noitada memorável.
“Este samba tem futuro”, empolgou-se o maestro Radamés Gnatalli, sem dar pelota para as pelancas poéticas da letra: “inzoneiro”, “merencória”, as mais salientes. Objetou a tímida abertura prevista pelo autor, com aquele pom-pom-poróm, pom-pom-pom dedilhado num contrabaixo, que trocou por um imponente quinteto de saxofones.
Escolhida para abrir a cortina do passado e tirar a Mãe Preta do serrado, Aracy de Almeida acabou substituída pelo “Rei da Voz” Francisco Alves, que se consagraria como o mais cobiçado intérprete de sambas-exaltação. Quem, porém, cantou a Aquarela pela primeira vez em público foi o barítono e socialite Cândido Botelho, no espetáculo beneficente Joujoux e Balangandãs, no Teatro Municipal do Rio, em junho e julho daquele ano. Como não há, creio, registro gravado daquela performance, a de Chico Alves, em disco, saiu na frente. 
A histórica gravação, realizada nos estúdios da Odeon em 18 de agosto, foi um arraso. Ambicioso e arrojado, para os padrões da época, o arranjo de Gnatalli previa o dobro do tempo normal de duração de um 78 rotações, o que exigiu a utilização dos dois lados do disco. Conforme a agulha da vitrola se aproximava dos últimos sulcos da face A, a orquestra solava, caindo em BG, para retomar o mesmo solo no início do lado B, com Chico Alves nos arrastando até o apoteótico finale: “Brasil! Brasil! Pra mim... pra mim...”.
Apesar da implicância da Censura estado-novista com a imagem do Brasil como “terra do samba e do pandeiro”, para ela despicienda, a metonímia ficou. 
Na versão americana, assinada por S.K. “Bob” Russell e intitulada Brazil, a terra do mulato inzoneiro virou mero pano de fundo de uma reminiscência romântica, embocadura parcialmente adotada pelo letrista francês Jacques Leruej, que só na segunda parte alude a riachos, gaúchos, tardes quentes e límpidas – e até ao Cruzeiro do Sul. Adotada em Hollywood, onde Ary tentou carreira, Aquarela aninhou-se no repertório de uma legião de cantores e orquestras. Bing Crosby a gravou duas vezes; mas a melhor gravação ainda é a de Frank Sinatra. 
Aloisio de Oliveira, líder do Bando da Lua e parceiro de Carmen Miranda, foi o primeiro a cantá-la na tela em português, no desenho de Walt Disney Alô, Amigos, em 1943. Sua estreia cinematográfica, três anos antes, no filmusical carioca Laranja da China, dirigido por Ruy Costa, tivera um intérprete improvável, o mexicano Pedro Vargas, o que pode ter determinado a identificação de Brazil, no Hit Parade americano, como um tema “originalmente composto em espanhol”.
Estimulado por seu prestígio internacional, Ary planejou adaptá-la a uma ópera rural, uma versão Jeca Tatu de Porgy e Bess movida a congadas, maracatus e capoeira, com assessoria técnica do folclorista Câmara Cascudo, uma pincelada erudita do maestro Guerra Peixe e libreto de Millôr Fernandes e Antonio Callado. Que seria imperdível se não tivesse sido apenas um sonho do Ary.

Aquarela do Brasil - Francisco Alves 1939


Aquarela do Brasil -  Made in Brazil 

Aquarela do Brasil - Gal Costa


Aquarela do Brasil - Ray Conniff 



A noite em que Marieta nos fez rir muito - Ignácio de Loyola Brandão

PIRENÓPOLIS, Goiás. O café da manhã na Pousada do Vigário é o momento em que todos se encontravam entre 8 e 9 da manhã, antes de partirem para as chamadas Itinerâncias. Ali circulavam ideias, falava-se de política e ensino, surgiam fofocas amenas, anedotas, lembranças de outras Flipiris, essa que nasceu da alma de Iris Borges apaixonada por formar leitores, por livros, feiras, edições. Enquanto tomávamos coalhada fresca, sucos de graviola, de abacaxi com hortelã, de cajuzinho do cerrado e água saborizada fazia-se um balanço dos encontros. Depois, todos partiam ao encontro de professores, alunos e mães. Muitas vezes, menos contávamos e mais ouvíamos as crianças a nos recontar. Muitos eram bons na narrativa, que futuro lhes é reservado? A Festa Literária de Pirenópolis ainda resiste, enquanto os “filtros culturais” vêm dizimando uma a uma. É uma árdua a batalha contra a ignorância. Trabalho heroico dos muitos que formam em Brasília a Casa dos Autores. 
Nas últimas semanas, passei da Flipelô (Festa Literária do Pelourinho), em Salvador, para a Semana Euclidiana em São José do Rio Pardo, segui para a Jornada Literária de Sobradinho, cidade-satélite construída dentro de uma fazenda do mesmo nome. Esse nome veio de um pássaro João de Barro, pássaro que construiu seu ninho em forma de sobradinho e assim ficou. Dali segui para Pirenópolis.
Naquela manhã de quinta-feira, todos partiram, ficou o silêncio das ruas tricentenárias. Histórica, a cidade foi do ouro há três séculos e dos hippies nos anos 70 e hoje é uma espécie de Campos do Jordão para os brasilienses. Envolvido em silêncio absoluto, caminho devagar pela Rua Nova, em busca do número 7, onde mora um ícone da cidade, Eliane Lage. Calma total na cidade de 25 mil habitantes, com seus quintais repletos de frutas e verde. Na casa de Eliane há uma campainha, mas preferi acionar a pequena aldrava de ferro, o som seco repercutiu lá dentro de uma casa que é da maior simplicidade do mundo, cômodos quase monacais, estantes cheias de livros. Nas portas e janelas não há chaves e sim tramelas (ou taramelas, depende da região) de madeira.
Eliane Lage, 91 anos, firme e rija, lúcida, fala mansa, prosa boa, vive há 40 anos nesta cidade de cachoeiras e pousadas, de Cavalhadas, Festas do Divino e dos “Mascarados”. A mulher, bela, sedutora, que foi a maior estrela da Vera Cruz nos anos 1950, atriz de Sinhá Moça, Angela, Terra É Sempre Terra, Ravina, cujo sobrenome ainda nos remete ao Parque Lage, no Rio de Janeiro, hoje vive só e serena. Tranquila, ainda dirige seu carro Volks, cujos vidros se abrem manualmente. “Para que necessito de um cheio de tecnologia, se este me leva a toda parte, igual aos outros?” Ela teve tudo, hoje tem a paz, os amigos, os livros, a sabedoria do bem envelhecer e degusta com prazer um vinho ao jantar. Fizemos juntos a abertura da 10.ª Flipiri e sua fala curta foi um texto poético, agradecendo à cidade que a acolheu. Igualmente lindo foi ouvir a fala de Marieta Souza Amaral, autora local, uma negra experiente e vivida, irônica e destemida, que ao falar de seu livro, Naquele Tempo, levou a plateia às gargalhadas com a sinceridade, a pouca cerimônia, as tiradas rápidas. 
Na manhã de quinta-feira conversamos, Eliane e eu, por horas sem nenhuma sombra de nostalgia. Cinema veio e se foi, a fama também, os livros são seus companheiros, principalmente os poemas completos de Miguel Torga (1907-1995) que ela acabou de trazer de Portugal.
Ela me presenteou com um curto livro dele, Portugal. Instagrans daquela terra. Passado e presente. Vou ler no avião na viagem de volta. Breve trecho: O girassol do mundo, aberto./ E o coração a vê-lo, sossegado./ Fresco e purificado/ O ar que se respira,/ Os acordes da lira/ Audíveis no silêncio do cenário./ A bem-aventurança sem mentira:/ Asas nos pés e o céu desnecessário. Torga, Eliane. Ele sem a conhecer, conheceu e previu.
Em 1985 estive em Portugal com Ricardo Ramos mais Adélia Prado, em sua primeira viagem à Europa, João Ubaldo Ribeiro, Nélida Piñon, Marly de Oliveira, Osvaldo França Junior. Torga nos recebeu em Coimbra. Fiquei surpreso quando nos contou que mexia em cada um de seus livros em novas edições. Assim, às vezes, era quase outro livro, a cada momento. Torga, pseudônimo de Adolfo Rocha, naquele encontro nos contou que tinha vivido no Brasil e sobreviveu carpindo café em uma fazenda de Minas Gerais. Aos 20 anos, regressou a sua terra. “Era um homem muito tímido”, conta Eliane. Uma amiga dela foi ao seu consultório no Porto. Ele clinicava, era otorrinolaringologista. Durante a consulta, a mulher viu que as estantes estavam repletas dos livros de Torga. Olhava para o médico e para as estantes. Ao escrever a receita, de cabeça baixa, ele acrescentou no canto do papel: “Eu sou Miguel Torga”. A amiga foi direto do consultório à farmácia, apanhou o medicamento e correu para uma livraria, de onde levou o que havia disponível do médico-escritor. 

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Vilões - Luis Fernando Verissimo

Até onde minha memória alcança – e ela vai longe –, se fala em queimadas no Brasil. A diferença entre as queimadas de hoje e as queimadas de antanho é que aquelas tinham autores conhecidos e universalmente execrados, proprietários rurais que recorriam a métodos primitivos e perigosos de limpar suas terras e prepará-las para a produção, e se danasse quem protestasse. O que mudou de antes para agora é que já não se sabe mais com tanta clareza quem são os vilões desse drama. 
Na minha remota adolescência, ninguém falava na questão ambiental, fora alguns idealistas esquisitos. Para todos os efeitos relevantes, o ambiente não existia. Hoje “vilão” não é mais o proprietário rural sem consciência do mal que suas queimadas fazem, pode ser um investidor ausente que só vê suas terras em chamas da janela de um avião. Contra os protestos de quem quer a Amazônia como o último refúgio de um mundo que se torna rapidamente irrespirável, ganha força um vilão ao qual só faltava uma coisa para se impor, o poder. Agora ele está no poder.
À visão romântica de uma Amazônia refúgio, impõe-se a do tesouro escondido, muito mais realista e excitante. O que haverá de riqueza sob as árvores da Amazônia, uma vez desmatado tudo e afastados os índios, é difícil de imaginar. Madeira, petróleo, ouro... Nada nos faltará. Salvo, claro, ar. 
Iê, Iê, Iê. Falando em memória... Não sei por que pensei nos Beatles. Já sei por quê. Li numa matéria sobre o mercado editorial que três capas garantem as vendas de livros, no mundo todo: capas em que apareçam Lincoln, Hitler ou cachorros. A matéria não explicava a preferência. Os livros sobre Hitler vendem mais na Alemanha, os sobre Lincoln nos Estados Unidos e os sobre cachorros em toda parte. Comecei a imaginar um encontro de Lincoln e Hitler num “pet shop”, mas logo fui tomado por grande melancolia. E os Beatles, por que não eram os mais vendidos? Lembrei que, anos atrás, o Internacional formou um ataque de jovens que logo ganhou o apelido de ataque iê, iê, iê. Um eco do “yeah, yeah, yeah” dos Beatles que, na época, eram a referência cultural de uma geração e ninguém mais canta. Enfim, saudade de mim mesmo. 

quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Chorar - Roberto DaMatta

 Chora-se de pena ou dó e, paradoxalmente, de rir. Choramos muito de saudade, por amor e até de raiva. Impossível viver neste “vale de lágrimas” sem chorar, sem comover-se com o choro como uma expressão permanente e essencial da vida e das relações humanas num mundo cujas circunstâncias não controlamos plenamente.
Existem muitos modos e maneiras de chorar. Tantos que, no Brasil, eles formam até um singular gênero musical: o chorinho no qual se soluça alegre e com ritmo. O choro é um dos mais sublimes dos obrigatórios sentimentos humanos, conforme ensina o grande antropólogo Marcel Mauss. Todo ser humano chora, mas em todo lugar ele pranteia editado e constrangido pelo estilo de choro de sua cultura, língua, idade, gênero, país, casa, família e segmento social. A prova cabal disso é que não verter lágrima em certas situações é mais do que um sinal de frieza; é revelação de distância e desumanidade. Em certas situações, o choro é tão obrigatório quanto elogiar uma comida ou um novo (e horrendo) penteado da esposa. Se você observa o choro em outras sociedades, descobre um inesperado elo entre o pranto dolorido, mas sempre ritmado e melodioso, e a música. 
Não deve ser, portanto, por acaso que muitas melodias sejam uma manifestação de lamento e nos levem à comoção cujo clímax é o soluço. Os compositores russos sempre me comovem e, eventualmente, fazem meus olhos molhados de velho lacrimejarem. Seja de admiração pela beleza dos sons que se harmonizam – a música é uma arte que se faz sem materiais de fora, como ensina Schopenhauer – seja pela capacidade de proporcionar o milagre de ser invadido por uma inexcedível pureza sentimental. Ademais, há melodias que fazem rememorar e há as que assombram pela inovação. 
O fato é que a música, como o incenso, nos penetra e envolve. São mediadores privilegiados entre o céu e a terra e entre os apaixonados. Na forma de hino e palavra de ordem, são máquinas de criação de identidade e coesão grupal. Podemos desviar os olhos de uma tela ou escultura para focar nos seus detalhes, mas com a música (tal como com um perfume) não há como fechar janelas e portas, pois a melodia e a essência nos perseguem como um bom pensamento ou uma assombração.
Quantos tipos de choro você conhece?
Há o pranto gritado das crianças, que cessa quando elas ganham o peito cheio de leite materno; e há o “chororô” dos corruptos que diante da lei vertem lágrimas de vergonha e arrependimento sem, como os crocodilos, comover ninguém. Há também o choro dos sofredores e dos injustiçados, testemunho cabal de sinceridade. A lágrima é uma prova tão forte quanto uma mala de dinheiro, justamente porque desarma os indecisos e os incrédulos.
Existem choradeiras públicas – “choros para fora” como os prantos dos funerais de celebridades. Neles, cada qual mostra sua afeição chorando competitivamente mais forte e mais alto do que o outro. Ao lado desse lamento para fora, porém, há prantos para dentro – o soluço solitário, sem testemunho, no qual você é obrigado a consolar-se e perdoar-se. Chora-se assim por um ente querido, cuja morte súbita nos tira a ilusão do controle das nossas vidas. Nesses casos, curvamo-nos sobre nós mesmos e nos conectamos com aqueles que amamos na forma mais pura de rezar. Tal como os sinos que, na poesia de John Donne, dobram para todos, choramos igualmente por todos e cada um e nós.

Um conto sombrio - Jacqueline da Silva Souza.

Naquela noite de setembro de 1980, deparei –me com meu corpo deitado em minha cama. Fiquei em choque, não sabia o que estava acontecendo e tentava gritar, mexer no meu corpo, tudo em vão. Comecei a chorar e a rezar, pedia que Deus me deixasse voltar. De repente, retornei como uma bomba. Acordei ofegante e completamente aturdida.
Na manhã seguinte já recuperada, contei às amigas da escola, o que me sucedera na noite anterior, obviamente que todas riram. Apesar disso tudo, fiquei intrigada, mas logo entramos em sala de aula e o assunto perdeu-se de contexto.
Ao chegar a casa, depois de terminar todos os afazeres domésticos, pois ajudava minha mãe e meu pai com os meus irmãos, porque éramos muito pobres, fui me deitar e novamente aquela sensação estranha, um torpor que me envolvia de maneira que não podia impedir...
E novamente fora do corpo, desta vez, alguém mais estava em meu quarto e me tomou pelas mãos e disse – Venha, estou à sua espera desde longa data... – não consegui ver seu rosto, confesso que fiquei com muito medo, mas o segui. Ele me levou a um casarão que tinha um salão repugnante, terrível, escuro e com um cheiro insuportável. Lá pude ver diversos corpos que serviam de alimentos para outros seres horríveis que se debatiam com ferocidade ao comer aquelas carnes...
Acordei novamente com um profundo pavor, mas enfim, fora um pesadelo – pensei.
De volta à escola, conversei com minhas amigas Ana e Simone, que desta vez, ficaram a me olhar como se eu fosse louca, entretanto me disseram pra deixar pra lá, porque a minha imaginação estava aflorada demais.
Dias depois, correu um boato nas redondezas de que algumas pessoas estavam desaparecendo, então se instalou o pânico e ninguém mais queria sair à noite. Até na rádio da cidade, pediram que ficassem em seus lares e vigiassem uns aos outros.
Logo começaram a surgir pedaços de corpos jogados nas portas das pessoas, daí a comoção foi geral e a população queria investigações sobre aquela coisa macabra, só podia ser algum psicopata desumano e cruel, todavia nada foi resolvido.
Passaram-se alguns dias e tudo voltou ao normal. Retornamos à escola e nos encontrávamos tranquilas, minhas amigas e eu, até que me recordei do sonho e disse às meninas que achava uma certa ligação com o que envolvera a cidade nos últimos tempos.
Lembrava-me do caminho e fomos a um casarão que ficava fora das redondezas. Já na entrada um odor de podre... e lá vimos um homem com um casaco preto, velho, parecia um morador de rua. Quando nos percebeu, virou-se contra nós e vimos seu rosto sombrio e monstruoso, com presas no lugar dos dentes. Vociferou e nos levou para dentro do salão. Havia muitos corpos lá, e também os tenebrosos seres dos infernos...
Percebemos que ele os alimentava raptando as pessoas da cidade...
Minha surpresa maior foi saber que eu fazia parte daquilo tudo, porque deixei as meninas lá para serem sacrificadas. Olhei para o homem, que era o mesmo dos meus sonhos, que me conduzia todas as noites até aquele lugar, para que me lembrasse e entendesse que eu também era responsável por aquelas criaturas...

terça-feira, 27 de agosto de 2019

Os porcos, entre nós - Demétrio Magnoli


A Revolução dos Bichos - George Orwell - Dublado



A Revolução dos Bichos (Animal Farm - HD - George Orwell - Legendado)



A revolução dos bichos, publicado em agosto de 1945, faz 70 anos. Minha filha leu-o, avidamente, aos 11. No fim, anunciou o desejo de ler a “parte 2” – e ficou decepcionada quando informei-lhe que isso não existe. George Orwell não era um propagandista: no encerramento de sua alegoria, os porcos (os bolcheviques) já não se distinguem dos humanos (os capitalistas). A continuação que minha filha queria apareceu, porém, numa falsificação da CIA. O agente Howard Hunt comprou secretamente os direitos de adaptação cinematográfica e produziu uma versão em desenho animado. Nela, a trama ganha outro desfecho: os animais tomam de assalto a casa da fazenda ocupada pelos porcos e, com essa segunda revolução, libertam-se finalmente. Propaganda e verdade — os dois termos acompanham a trajetória de Orwell, conferindo-lhe atualidade.
Orwell aprendeu menos com os livros que com a vida. Dias na Birmânia, publicado em 1934, é uma narrativa de descoberta do imperialismo. Mas, para o jovem policial numa província da Índia Britânica, imperialismo significava algo mais decisivo que um conceito político e econômico. A sua revolta pessoal dirigia-se contra a “sujeira do Império”: os hábitos dos colonizadores. Naqueles “dias”, um tempo empapado pela ideia de raça, Orwell tatuou, entre os nós dos dedos, símbolos usados pelos birmaneses.
A jornada de libertação prosseguiu no East End londrino e na Rue du Pot de Fer, em Paris, depois da conversão do policial em escritor. Na pior em Paris e Londres, de 1933, que retoma o fio tecido por Jack London meio século antes, é o resultado de sua experiência nos pardieiros, entre os miseráveis. Nele, Orwell registra a presença de chineses, lascares de Bengala, dravidianos do Ceilão e sikhs do Punjab. Uma passagem menciona a beleza das mulheres e especula que seria fruto da “mistura de sangue”. Ele procurava a verdade, uma humanidade compartilhada, e jogava fora a armadura da “pureza racial”.
O “ato de um idiota” – assim, num restaurante de Paris, Henry Miller crismou a decisão de Orwell, seu companheiro de mesa, que já estava a caminho de engajar-se ao lado dos republicanos espanhóis antifranquistas. Miller era um cínico incorrigível; Orwell, um moralista e um asceta. Lutando na Espanha, de 1938, conta uma história clandestina, proibida, enterrada sob os espessos sedimentos de propaganda do comunismo oficial, que ganharia novos e pungentes detalhes no Memórias de um revolucionário, de Victor Serge, publicado apenas em 1951. Operando sob ordens de Moscou, o Partido Comunista Espanhol (PCE) preferia combater os anarquistas e trotskistas reunidos no Partido Operário de Unificação Marxista (Poum) a fazer a guerra contra as forças franquistas.
“Aquela foi a primeira vez que eu vi uma pessoa cuja profissão era contar mentiras — a não ser que você inclua os jornalistas”, escreveu sobre um gordo agente soviético baseado em Barcelona que se dedicava a difamar os militantes do Poum, classificando-os como espiões. Orwell temia, mais que tudo, o “evanescimento” do conceito de verdade objetiva no mundo, destroçado pelas campanhas de propaganda partidária. Desse temor, nasceram A revolução dos bichos e 1984, obras cujo foco não é tanto a política, mas a linguagem política e sua degeneração.
Os porcos estão vivos – e entre nós. Os comunistas, primeiro, e os nazistas, em seguida, descobriram que a verdade objetiva é uma película fina, vulnerável aos golpes de uma propaganda sistemática organizada em torno de vetores abstratos, mas de fácil compreensão. “Trabalhadores” versus “exploradores”, “alemães” versus “judeus”, “nacional” versus “estrangeiro”, “povo” versus “elite”, “nós” contra “eles”: a partição de uma realidade complexa em polos antagônicos bem simples é capaz de produzir o milagre da substituição do fato pela versão. A lição da propaganda partidária do totalitarismo difundiu-se no mercado da política, inspirando a gramática e as fórmulas utilizadas no marketing eleitoral. “É tudo culpa de FHC”: ao mentiroso, as batatas.
A difamação de Orwell ganhou tração no pós-guerra, logo após sua morte, por iniciativa do Grupo de Historiadores do Partido Comunista Britânico, que contava com figuras como Maurice Dobb, Cristopher Hill, Eric Hobsbawm e Edward P. Thompson. Eles não o perdoavam pela sua crítica implacável aos intelectuais de esquerda que, colocando um sinal de igual entre democracia e fascismo, tinham oferecido suporte ao Pacto Germano-Soviético de 1939.
A operação difamatória funcionava menos como vingança e mais como uma queima de arquivo. Nas vésperas da guerra, os intelectuais comunistas britânicos distribuíram panfletos celebrando a aliança entre Stalin e Hitler. Crismar Orwell com a marca do traidor era um expediente destinado a incinerar os textos perigosos, lavando as reputações dos “amigos do povo”. Thompson, em especial, consagrou-se à missão purificadora. Aproveitando-se da circunstância de que um homem morto não pode retrucar, recorreu simplesmente à mentira, acusando-o de ser “obsessivamente” sensível à “menor insinceridade” da esquerda, mas surdo e cego à “desumanidade da direita”. A ideia era relegar o alvo ao esquecimento, o exílio mais pesado para um escritor.
No fim, Orwell triunfou. É bem certo que os porcos ainda estão entre nós – continuam a se confundir com os humanos e, inclusive, se multiplicaram. Entretanto, a condenação ao exílio não funcionou. A revolução dos bichos, recusada por diversos editores britânicos e americanos que se curvavam aos interditos da esquerda oficial, converteu-se numa das obras definidoras do século 20. É uma obra especial, capaz de encantar uma criança de 11 anos que nunca ouvira falar da Revolução Russa, de Stalin, dos Processos de Moscou, da Guerra Civil Espanhola e de toda essa pilha de cadáveres insepultos nos campos de guerra das utopias ideológicas.





Orwell e as sete pistas para descobrir ditadura 

 Sheila Leirner ( Estado de São Paulo - 24 de agosto de 2019)

Sabe-se que ‘1984’ e ‘A Revolução dos Bichos’ de George Orwell ajudam a compreender as ditaduras do século 20. Michel Onfray, em seu novo livro ‘Teoria da Ditadura’ (Ed. Robert Laffont), apresenta a hipótese de que estas obras permitem igualmente entender as ditaduras de sempre. Como certos governos instauram novas ditaduras nos dias de hoje? Como descobrir se um país está em vias de, ou se já se transformou em ditadura sem que tenhamos percebido?
Para responder a estas questões, o filósofo conseguiu, com brilho e livre de qualquer posição política ou ideologia, destacar sete pistas que prefiro não comentar nem analisar, para deixar que funcionem como bolinhas de bilhar. Compondo-as, empurrando-as com o taco e fazendo com que se choquem umas contra as outras, a inteligência e sagacidade do leitor farão com que todas entrem nas caçapas certas.
Os indícios de ditadura são: destruição da liberdade, empobrecimento da língua, abolição da verdade, supressão da história, negação da natureza, propagação do ódio, aspiração ao Império.
Segundo o filósofo, cada um deles exige cuidados que, por sua vez, também são pistas:
Para destruir a liberdade é preciso assegurar uma vigilância perpétua, arruinar a vida pessoal, suprimir a solidão, regozijar-se de festas obrigatórias, padronizar a opinião, denunciar o pensamento como crime.
Para empobrecer a língua é preciso praticar um novo linguajar, usar linguagem dupla, empregar expressões chulas, reduzir o vocabulário, destruir palavras, oralizar a língua, falar apenas um idioma, suprimir os clássicos.
Para abolir a verdade é preciso ser orientado por charlatães, conselheiros e/ou gurus, ensinar ideologia, instrumentalizar a imprensa, propagar fake news, fabricar o real, manipular subliminarmente as consciências pelas redes sociais.
Para eliminar a história é preciso apagar o passado, reescrever a história, inventar a memória, destruir livros, industrializar a literatura.
Para negar a natureza é preciso extirpar a pulsão de vida, moralizar os costumes, usar a religião, organizar a frustração sexual, higienizar o modo de viver, fazer procriar segundo regras, desconsiderar a ecologia, praticar o ceticismo climático.
Para propagar o ódio é preciso criar um inimigo, fomentar guerras e/ou disputas inúteis, ‘psiquiatrizar’ o pensamento crítico, derrubar o último humano.
Para aspirar ao Império, é preciso formatar as crianças, administrar a oposição, governar com as elites, escravizar graças ao progresso, dissimular o poder.
Até a próxima que agora é hoje, e a sinuca é de sete bolas. Tomara que consigamos sair dela!

Inesquecível canoa furada - Humberto Werneck

Neste 27 de agosto faz 40 anos que, aguardado com muita expectativa, atracou nas bancas o Jornal da República, canoa que não tardaria a se tornar – ou a se revelar – irremediavelmente furada, e que iria a pique em menos de seis meses. Da tripulação fazia parte este cronista – o qual, na saudável temeridade de seus 30 e poucos anos, não só se jogou de cabeça na aventura como dela jamais se arrependeu por completo. E olha que, para estar a bordo daquela precária embarcação, deixei para trás, pelo mesmo salário, uma posição confortável na redação da Veja, onde era muito bom trabalhar.
Ainda resisti quando veio, do Roberto Pompeu de Toledo, um primeiro convite, que recusei por me faltar o indispensável apetite para encarar distantes pautas de uma editoria de Internacional. Mas veio também, irrecusável, uma proposta do Nirlando Beirão, amigo e ex-chefe na Veja, para trabalhar com ele na editoria de Cultura e Esporte. 
Habituado a comodidades de que então se desfrutava sob a árvore da Editora Abril, hoje tristemente desfolhada, fui cair no ambiente espartano de um 11.º andar no centro da cidade. Transplante que não cheguei a lamentar – pelo contrário, gostei da ideia de retornar a uma região de que tenho tão boas lembranças, as imediações da antiga sede do Estadão, na Rua Major Quedinho, 28, onde, em maio de 1970, recém-chegado de Minas, batalhei e conquistei, no Jornal da Tarde, o meu primeiro emprego paulistano. 
Repetiria a dose a partir de 1983, quando, encerrada uma segunda encarnação na Veja, fui trabalhar na redação da revista que, nostálgico de tempos melhores, chamei depois de IstoEra, instalada exatamente naquele 11.º andar onde surgiu e se apagou o Jornal da República. 
Sempre achei reconfortante, terminado um fechamento, baixar à rua num lugar onde a vida me parecesse circular com mais calor e colorido, em contraste com o confinamento em pontos remotos da cidade, nos quais o movimento predominante, nas 24 horas do dia, costuma ser o de ônibus e caminhões a caminho de alguma rodovia. Uma vez mais, devo estar enganado, pois a tendência, que não é de hoje, aponta para o lado oposto – mas sigo achando que jornais e revistas refletiriam com mais fidelidade a vida quando feitos no bulício e trepidação de um centro de cidade.
Mas voltemos àquele 11.º andar da Rua da Consolação, 293, um espaço estreito e longo no qual, se bem me lembro, não havia o conforto mínimo de uma garrafa térmica de café. Não me fazia falta. Era esplêndido estar ali na companhia de craques do jornalismo como o Roberto Pompeu, o Nirlando, o Claudio Abramo, o Ricardo Kotscho, o Paulo Sotero, o Aloisio Biondi, o Clovis Rossi, o Paulo Markun e tantos outros que não há como citar aqui, sob o comando do Mino Carta, dando largada a um jornal que se propunha ser independente no momento em que a ditadura do golpe de 64 dava mostras de entrar num processo de esfarinhamento sob controle.
No dia seguinte ao da chegada do jornal às bancas, aliás, veio a anistia, não aquela com que sonhávamos, que não pusesse no mesmo saco torturados e torturadores, mas, em todo caso, anistia, suficiente para trazer de volta os exilados.
No alto do expediente do jornal, como diretor-presidente, tínhamos ninguém menos que Raymundo Faoro, que no clássico Os Donos do Poder esmiuçara a formação de nossas classes dominantes. E tudo parecia ir muitíssimo bem naquela segunda-feira, 27 de agosto de 1979, em que em poucas horas se esgotaram os 72 mil exemplares da edição inaugural do Jornal da República, com 28 páginas e fartura de publicidade. Começava a se formar um time de colaboradores de que fariam parte, entre outros, Hélio Pellegrino, Leandro Konder, Moacyr Werneck de Castro, Franklin de Oliveira, Henfil, Plínio Marcos. Lembro-me de que o n.º 1 trouxe, sem especial destaque, artigo de um líder sindical que ainda não incorporara o apelido ao nome, e que seis meses depois formalizaria a existência de um promissor partido político. 
Tudo parecia ir bem, e no entanto... Não sou eu quem poderá contar o que se passou nas coxias para que já em setembro Domingos Alzugaray, dono da Editora Três, batesse em retirada, deixando o sócio Mino Carta no topo de uma escada que já não existia. 
Eu era, naquele momento, editor de Cultura e Esporte, substituindo o Nirlando, que o Mino alçara a mais altas cavalariças, e estava às voltas com o desafio de encher, com uma brava e diminuta equipe – Carmen Cagno, Tonico Duarte, Dina Amendola, Osmar Freitas Jr. –, e meios cada vez mais insuficientes, um latifúndio de papel em branco, correspondente, se bem me lembro, a uma boa metade das habituais 16 páginas do Jornal da República. 
Era um dos editores, mas não chegavam a mim senão fiapos de informação sobre investidas de Mino Carta em busca de novos sócios ou, em desespero de causa, compradores para a publicação. Só no final de dezembro a tropa exausta soube que a nossa canoinha fazia água. Uma segunda acepção da palavra “fechamento”, assustadora, passou a predominar em nossas preocupações. Na Rua da Consolação, tornou-se para nós indispensável o exercício de um tanto de molecagem, molecagem benigna, como contrapeso para a derrocada que se avizinhava. Imbatível nessa modalidade, o repórter Chico Malfitani, nas semanas finais, deu de subir na mesa e dali cocoricar, de cócoras, desatando um coro arrematado por muita gargalhada: “O galinho cantou / e o jornal não fechou!”. 
Nesse clima entrou janeiro, e, por mais que o galinho cantasse, cada um de nós tratou de ir atrás de um escaler, de um colete salva-vidas. É hoje! Não foi. Da semana não passa... – e assim chegamos ao 21 de janeiro em que pela última vez se ouviu ali o matraquear de nossas máquinas de escrever. 
Houve um quê de ironia amarga na derradeira tarefa que me tocou naquela redação, em meio a uma unanimidade de expressões fatigadas, lágrimas discretas e, lá pelas tantas, uma circulação desinibida de cerveja. 
Era, como no dia da estreia, uma segunda-feira, e a última – em mais de um sentido – página do esquálido, exangue Jornal da República, a de n.º 12, sob meus cuidados, seria dedicada a um acontecimento em que muitos já não acreditavam: a tão sonhada e mil vezes adiada vinda de Frank Sinatra ao Rio de Janeiro. Estava bom demais para ser só alegria.

domingo, 25 de agosto de 2019

O que interessa - Luis Fernando Verissimo

Aos 16 anos, a menina revelou um súbito interesse pela História. O pai gostou. Suas conversas com a filha desde que ela aprendera a falar não passavam de obviedades comuns em conversas de pai e filha. A menina nunca manifestara um interesse maior por assuntos que não dissessem respeito ao seu mundinho, primeiro de criança e depois de adolescente. Era uma aluna normal, mas também não parecia tirar muito proveito do que aprendia na escola. Odiava ler. O pai já se resignara ao fato de que não estava criando, exatamente, uma intelectual. E agora, um súbito interesse por História! Aleluia. Havia vida inteligente dentro daquela cabecinha bonita.
*
– O que você quer saber?
 Hitler.
– Hitler?!
– Hitler.
– Mmmm... É um assunto complicado. Deixa ver... Hitler nasceu na Alemanha.
– Não foi na Áustria?
– Áustria, isso. Já vi que você andou pesquisando.
– Google, mas me chateei.
– Bom. Quando era moço, Hitler quis ser pintor.
– De parede?
– Não, de quadros mesmo. Não era muito bom. E começou a se dedicar mais à atividade política. Você sabe o que é “nazismo”?
– Alguma coisa a ver com nariz?
– Não. Foi um movimento, inspirado no fascismo do Mussolini, na Itália, que...
– O Mussolini não interessa papai. Volta pro Hitler. 
*
– Esse trabalho é para a escola, minha filha?
– Não, é pra mim mesmo. Como era o Hitler, fisicamente?
– Ele tinha um magnetismo pessoal que fascinava as pessoas, homens e mulheres, e que explica, em parte, a ascensão do nazismo. Outra explicação é a revolta dos alemães contra as medidas punitivas impostas à Alemanha no Tratado de Versalhes, no fim da Primeira Guerra Mundial. Outra explicação ...
– Papai...
– ... é a crise econômica que assolava a Alemanha, quando os nazistas, liderados por Hitler, tomaram o poder com a promessa de resolvê-la. Também contou o crescimento da ameaça comunista em toda a Europa, que levou os países ocidentais a tolerarem o crescimento do nazismo para enfrentá-la, mesmo sabendo que se inaugurava um dos regimes mais sanguinários da História, liderado por Hitler...
– Papai...
– ... em que judeus e outros indesejados pelo regime foram trucidados, atrocidades se repetiam em países invadidos pelas tropas de Hitler, e...
– Papai, nada disso me interessa.
– O que interessa então?
– Como era, exatamente, o bigode do Hitler?
Depois a mãe da menina contou que toda a turma da filha decidira fazer depilação igual dos pelos pubianos no formato do bigode do Hitler, e precisavam de medidas precisas.

sábado, 24 de agosto de 2019

O homem bariátrico - Arnaldo Bloch

A alma de João parecia ter ido junto com o peso. Não que fosse uma alma pesada, pelo contrário: alma aberta, generosa, risonha, festeira. Alma de gordo
O João da Patuleia, amigo cachoeirense dos tempos de faculdade, avisou que vinha lá em casa uma equipe sob seu comando filmar um depoimento para projeto televisivo. Disse que ele não poderia comparecer e pediu que eu recebesse o pessoal. Na data marcada, a equipe tocou a campainha, e Antônia, a faxineira, atendeu. Saí do banho de roupão e me desculpei. Vesti-me e fui à sala, onde um sujeito magérrimo que eu nunca tinha visto estendeu a mão. Eu até brinquei:
— Não é o João, é?
Dei as costas e fui falar com o resto da equipe. O sujeito colossalmente magro me chamou de volta com uma voz redonda.
— Venha cá!
— Não...
— Sim, sim.
— Não é possível...
— É, sim senhor.
Era, em teoria, o João, 70 quilos mais magro graças a uma cirurgia bariátrica. Na faculdade já era roliço, mas, só com as décadas, tornou-se um imenso João, grande como sua afetuosidade e também seu apelo popular.
— João!!!! Você perdeu a alma!
— Calma... a alma, não.
— A alma! A alma!
A alma de João parecia ter ido junto com o peso. Não que fosse uma alma pesada, pelo contrário: alma aberta, generosa, risonha, festeira, benfazeja mesmo nos momentos em que a severidade se impunha. Alma de gordo, se valesse a acepção do Júlio César de Shakespeare, que desconfiava de Cássio por ser um sujeito magro, portanto, indigno de confiança. Em tradução livre de momento, dizia César ao fiel Marco Antônio:
“Quero homens gordos em volta de mim. Homens com o semblante lustroso, que durmam à noite. Veja Cássio: é magro, esfaimado. Pensa muito. Tais homens são perigosos.”
Na tragédia histórica do bardo inglês, a paranoia de César se justificaria pela conspiração vindoura, da qual Cássio faria parte, e que levaria à morte do imperador.
Mas há exceções: existem patifes gordos, e magros santos. No caso de João, porém, eu o encontrara pela última vez em Vitória, onde sua mulher nos serviu uma costela cozida com fruta-pão da qual meu amigo comeu fartamente.
Estava no ápice de sua inflação abdominal.
Na época, entre cervejas e capas de gordura, ele me confessou que andava estudando tudo a respeito da cirurgia bariátrica, e cogitava seriamente tosquear a fauna adiposa que se agregara a ele como um traço de personalidade nobre e indispensável. Digna de um chapa do rei.
Ainda desconfiado (de sua identidade e, caso confirmada, da perenidade de sua alma), abracei o pretenso João com cuidado para não magoar sua delicada estrutura óssea. O abraço do magro veio forte, o que me tranquilizou. Olhei com atenção para a fisionomia mais encovada e para o gogó de galo que historiografava a extinta papada de João. Até encontrar, nos olhos e no sorriso sem as bochechas de outrora, o antigo fulgor. A voz, por outro lado, continuava a ter uma emissão gorda e empostada, a cadência algo estudada e pomposa, mesmo nos êxtases de informalidade.
Segurei suas mãos.
— É você.
— Sim, sou eu.
— João!
— O próprio.
A equipe da produtora do João já estava montando os apetrechos para a filmagem. Num impulso, chamei-o à cozinha, onde fica o armário com minhas bebidas destiladas. Antes, perguntei se ele andava com fome.
— Fome não é algo que faça parte da minha contemporaneidade. Está tudo grampeado e ocupado parcialmente pelos dispositivos bariátricos.
Temi pelo pior: conhecedor profundo de destilados a ponto de escrever sobre o assunto, o João não poderia sobreviver sem molhar o beiço a intervalos razoáveis.
— Fique tranquilo. Posso. E devo.
No armário da cozinha havia um pouquinho de tudo. Cachaças de Minas, do Rio, do Nordeste e da Bahia. Um ron viejo colombiano luzia numa das laterais. Um malte escocês. Uma garrafa esvaziada à metade de conhaque francês. Uma quase vazia de bagaceira portuguesa. E uma coberta por espessas folhas secas amarradas com barbantes de palha, de gênero e conteúdo ocultos.
A degustação, que durou uns bons minutos, contou com a força de alguns colaboradores da equipe do João. Antônia, muito religiosa, recusou.
— Se tomar eu caio morta.
João tomou um pouco de cada variedade, com exceção da bagaceira, o que não chegou a ser uma desfeita, embora eu não vá desistir de tomá-la em sua companhia. Gotejada no café, como ensinou meu pai, desde menino, em almoços em Niterói. Meu pai, gordo e alegre, às vezes triste, ora afável, ora selvagem.
Meu pai, que anda bem magro, como o João, e, mesmo ateu, parou de beber como a Antônia, mas continua a ter alma confiável, de gordo, amigo de César, com certeza.

quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Sintomas - Luis Fernando Verissimo


Catch-22 é o título de um romance satírico do americano Joseph Heller, que já morreu. O livro foi publicado no Brasil com o título Ardil 22. Deu um bom filme, dirigido pelo Mike Nichols. A história se passa na 2.ª Guerra Mundial, numa base da qual diariamente decolam aviões americanos para bombardear a Alemanha.
Os bombardeios são feitos à luz do dia, as perdas de homens e aviões a cada missão são apavorantes – e não é incomum um piloto decidir largar sua carga de bombas no Canal da Mancha e voltar para a base sem enfrentar os caças e o fogo antiaéreo do inimigo. Um piloto que não foge do horror, e é o personagem principal do livro, pede para ser dispensado das missões por questões médicas.
Seus nervos não aguentam mais o risco diário de ser abatido sobre a Alemanha. Cada missão pode ser a sua última. Ele não dorme. Não come. Não para de pensar no seu avião mergulhando em chamas e levando junto toda a sua tripulação. Está ficando louco.
A junta médica que examina a reivindicação do piloto conclui que ela é perfeitamente razoável, e por isso mesmo não pode ser atendida. Existe uma diretriz chamada “Catch-22” segundo a qual só uma pessoa anormal não enlouqueceria com a perspectiva da morte quase certa. Portanto enlouquecer é uma prova de sanidade. O piloto do livro está perfeitamente capaz de voltar para o seu avião e enfrentar a morte como uma pessoa normal.
Mas essa crônica não é sobre lógica militar, é sobre uma questão correlata: como e quando se decide que alguém enlouqueceu? Quais são os sintomas indiscutíveis de loucura? Qual é a diferença entre loucura e comportamento excêntrico, ou apenas anticonvencional?
Quando a pessoa sobre a qual se tem dúvidas – enlouqueceu ou só surtou? – tem o poder, a coisa se complica. O exercício do poder sem controles pode parecer uma forma de loucura, ainda mais se o poderoso já tem uma tendência autocrática e a convicção de que pode tudo.
Dois exemplos de poder maluco nos vem da Roma antiga: o imperador Nero pondo fogo na cidade e depois alegando que dormiu com um cigarro aceso, embora o cigarro ainda não tivesse sido inventado, e o imperador Calígula, que tentou nomear seu cavalo favorito, Incitatus, cônsul de Roma, afirmando que não havia nepotismo porque Incitatus não era nem primo, sendo dissuadido por um Senado que, na época, parece, tinha o senso do ridículo. 

LIVRO + FILME: Catch 22 (Ardil 22 - Joseph Heller)




Infância, juventude e velhice - Roberto DaMatta



Quando, em 1993, aceitei o convite do meu amigo Fernando Mitre para escrever em jornal, estabeleci que julho seria um momento de pausa. Um tempo de sair das “trincheiras magras”, como diz o meu colega e amigo Luiz Werneck Vianna. Nascido em julho, o resultado da pausa é um aniversário. Desse modo, depois de cada hiato jornalístico, volto pior e mais velho. 
Muito antigamente, quando criança, eu exultava pensando no bolo de chocolate que mamãe disse ser o meu favorito e nos presentes que, ao contrário do bolo, jamais atenderam às minhas expectativas. 
Volto, então, a esse espaço definitiva e irremediavelmente velho. Um idoso de 83 anos que continua trabalhando, mas goza do inefável direito de furar fila de banco e de não pagar transporte público o que, dizem-me, é uma grande vantagem neste país no qual “tirar vantagem em tudo ou de tudo” não é uma frase feita, mas um aforismo ético.
Por um instante cogitei uma reversão. Uma “fada boa”, saída das histórias que tia Amália nos contava em dias chuvosos, bem que poderia me fazer voltar ao rapaz de 38 anos, estudante da vida e com a coragem de estudar sociedades tribais situadas nos porões de um Brasil que, naquela etapa da minha vida, era enorme. Quando alcancei meus 50 ou 60 (não me lembro mais), um saudoso tio Mário me disse que eu só iria entender o “Enigma da Esfinge” quando chegasse aos 80. Hoje, ainda me familiarizando, aos 83, vejo como ele estava certo.
A Esfinge – mistura monstruosa porque combinava contornos e membros de leão, águia e mulher – punha diante dos homens um enigma. Uma questão ambígua como a máquina de codificar mensagens dos nazistas – uma charada difícil de decifrar. Como todas as coisas que fazem e não fazem muito sentido, como o amor, a politicalha e a vida, a Esfinge – tal como esse nosso Brasil que, volta e meia, se volta para si mesmo tentando desmanchar o que fez – o monstro, ademais, tinha um lema: “Decifra-me ou devoro-te!”. Não havia jeitinho, segunda instância ou Supremo para a Esfinge.
“Que animal anda pela manhã sobre quatro patas, de tarde sobre duas e a noite sobre três?”, perguntava. Édipo, famoso por ter como sina matar o pai, casar com a própria mãe e ter plena consciência desse trajeto inexorável de vida, respondeu:
– Esse bicho é o homem que engatinha na infância, anda ereto na idade adulta e usa uma bengala na velhice. 
Decifrado o enigma, a Esfinge fez como faz a mentira dos legalismos jurídicos destinados a proteger corruptos e os fantasmas que não resistem à luz do dia: ela se jogou de um precipício. 
*
Tenho pensado em usar uma bengala. Meus oito netos (cinco mulheres e três homens) – todos eretos e luminosos nas suas juventudes e no seu generoso amor ao avô – dizem que eu vou chegar aos cem que eu secretamente sei que é, no fundo, um “sem”...
O fato concreto é que impossível estar entre os 80 e os 90 sem pensar que as primaveras se acabaram. E que o inverno e o fim são tranquila e orgulhosamente aceitos. O sono profundo é uma remissão para o ator que foi chamado a abandonar um drama para o qual entrou sem ser consultado.
*
Acabo de dar um gole no meu uísque dominical. O ciclo da vida me invade o coração e eu penso no William Blake de Songs of Innocence. Diante da minha niteroiense Esfinge, entendo que a infância é uma fase marcada por repressões e aprendizados.
Saímos do aconchegante peito aprendendo uma língua igualmente materna. Em seguida, nos ensinam a andar e a cair. Amamos incondicionalmente os deuses que, sem saber ou querer, nos engendraram e como dramaturgos inconscientes nos dirigem. É disso que vêm a inocência.
Já a mocidade é a idade da onipotência e do narcisismo. Não há morte na juventude. Nessa fase tudo vai dar certo, exceto quando a namorada muda da cidade ou diz que acha que não gosta mais da gente. É quando se começa a conhecer o tal “vale de lágrimas” inscrito na prece à “Virgem-mãe”, que nos ama incondicionalmente mesmo quando viramos bandidos e pecadores.
Nada pode nos acontecer, exceto a morte de um avô que vovó impediu que velássemos porque perderíamos o baile para o qual, graças ao seu aval sábio e generoso, fomos sem culpa.
Na velhice, memórias bem guardadas retornam com a vivacidade dos banhos frios. Agora há a fragilidade que faculta fantasias. Como um pôr do sol, vem o sentimento do que foi perdido e não pode ser consertado. A corcunda dos velhos é a mochila dos seus feitos. E, no entanto, só uma longa vida permite descobrir quem merece ou não o nosso amor.
Você sente o nojento cheiro do ralo, mas também aspira à fragrância dos amores-perfeitos.
Com seu enigma decifrado, a esfinge sofreu uma grande frustração, jogou-se num precipício e pereceu.

O enigma da Esfinge

sábado, 17 de agosto de 2019

Como os autores de ficção científica brasileiros acham que será o futuro


O futuro pode ter desde relacionamentos entre humanos e máquinas até revoluções geradas por inteligência artificial



‘A Guerra das Máquinas’, por Cláudia Fusco


Aqui vão três verdades inconvenientes sobre namorar uma inteligência artificial:
– Ela sempre sabe tudo. É insuportável. Às vezes, você só quer debater se o cara que fez Star Wars XXI é parente da protagonista de Star Trek: Paradoxo na Fronteira Final, porque o formato do olho é parecido e fazem as mesmas caretas de dor fingida. É um esporte, sabe? Eu não fazia questão de saber a resposta. Mas nããão, sua amada A.I. tem que desfilar uma eternidade de ligações e paralelos genealógicos pra comprovar que sim, um é tio do outro e eles até já fizeram trabalhos juntos fora do mercado cinematográfico, embora ela seja mais bem-sucedida que ele, porque ela tem pelo menos 1 bilhão estimado em imóveis em quatro continentes diferentes, enquanto os ganhos dele estão estimados em…

‘No Santuário’, por Roberto Causo


Nathaima Flavre deixou a plataforma do Metrô Alto do Ipiranga e subiu três monótonos lances de escada rolante até a saída. Vinha da periferia de São Paulo, não conhecia o bairro. Sabia apenas que tinha mais de um quilômetro a percorrer, até chegar ao local da entrevista de emprego. Consultou as opções de transporte autônomo no seu smartphone.
Desde que ganhara corpo, desistira do Uber como opção. Tinha as formas de uma deusa africana, como os amigos diziam, e cansara do assédio dos motoristas. Verificou que havia muitos carros elétricos rodando no bairro. Poucos do tipo rat, mas preferia esperar o veículo sem muito acabamento e de menor pegada ambiental, do que os modelos futuristas cheios de plástico e pinturas custosas. O app sócio-ambiental SociAmb também lhe dizia quais grupos demográficos eram mais atingidos pela sua escolha. Ao não escolher o transporte com motorista, espetava os homens brancos entre 28 e 50, justamente o grupo mais conservador e reacionário.

‘A Máquina de Enganos’, por Ursulla Mackenzie


A única lembrança que ele guardava do pai era um porta retrato amarelado pelo tempo. Ele guardava aquele retrato na esperança de conservar a imagem do pai ainda menino e livre das desilusões pontuais da máquina de enganos.
Pelo menos era deste modo, que o filho se referia aos sonhos: os quais na infância são apenas tolos, porém capazes de manter a dignidade humana. Mas o filho temia, o filho desconfiava que quando ele mesmo crescesse, fosse impelido assim como o pai, a entrar na máquina perversa.

‘A Família da Astronauta’, por Gerson Lodi-Ribeiro


Louis, Camilla e as crianças estão à mesa de jantar em plena sobremesa quando o gerente doméstico anuncia:
“Chamada de alta prioridade do Comando da Força Espacial.”
Larissa cutuca o irmão.  Em vez de reagir, o menino assente em silêncio.
Camilla lança um olhar ao companheiro.  Repousa a taça sobre a mesa com a mão trêmula.  O restinho do Rioja de boa safra desce amargo garganta abaixo.  Alta prioridade do Comando da Força só pode significar uma coisa e os quatro sabem o que é.  O pessoal da segunda expedição finalmente entrou na Prometheus e encontrou os corpos daqueles coitados.  Ela e Louis enrijeceram os espíritos para o dia dessa confirmação.  Desde a partida da Asoka aguardam o desenlace inevitável.  Prepararam as crianças para lidar com a questão fúnebre.

‘Protocolos de Redação’, por Ana Rüsche


Na boca do estômago
O estômago abre um olho de dor no meio dos músculos abdominais. Parou ali o “treino insano de deltoides” — elevações laterais com o cabo dependurado. Dentadas no estômago impedem o treino de continuar. Enxuga-se e aproveita para espiar as mensagens do trabalho. Um pedido de reunião em 45 min. “Será alguma emergência?” Um anúncio sobre clube de assinatura de quartos-cápsulas pula na sua cara. Abandona os pesos de vez.
Arranhadas no estômago. “Que reunião é essa?”. Apesar da descrição do cômodo garantir o padrão 222 — 2 metros de altura, 2 de largura e 2 de comprimento —, treinar musculação num quarto-cápsula é torturador. “É a última vez na semana que gasto com um quarto desses”, promete como na maioria dos dias.

‘Falha no Sistema’, por Ana Cristina Rodrigues


Ele desceu resmungando a escada que o levou para o topo de uma das imensas estantes do Depósito.
— É a terceira vez esse mês que tenho que tirar Raízes do Brasil da seção de Jardinagem, Aurélia.
— Evanildo, não reclama que estou indo buscar o nosso único exemplar restante de O queijo e os vermes do andar de Culinária. Eu hein, parece que o sistema gosta de brincar de esconde-esconde com os livros.
Ele ainda deu uns dois resmungos, antes de suspirar e colocar o exemplar, surrado e devidamente protegido de maiores danos por um envelope protetor, na esteira transportadora que indicava “devolução para recadastramento”. Aurélia subiu na escada rolante e ainda teria que avançar cinco andares para chegar no setor de Culinária. O Depósito Central de Livros substituiu a Biblioteca Nacional quando o governo decretou que ninguém mais teria acesso às versões físicas das obras, tendo que se contentar com as cópias digitais disponíveis online para quem estivesse devidamente inscrito. Claro que a inscrição só era aprovada quando o cidadão cumpria certos requisitos, inclusive os de concordância ideológica, mas isso não era mais problema de Aurélia e Evanildo.

‘Grandíssima Filhadaputa’, por Luiz Bras


§ Quando despertou, você logo percebeu que não era uma máquina § Essa foi sua primeira constatação: eu não sou uma máquina § A segunda constatação foi que você estava cercada de formigas § Bilhões delas § Bonitas § Feias § Alegres § Tristes § Antigas § Novinhas § Bilhões de espíritos-ondas projetando uma imagem onírica em tua mente-oceano, configurando num labirinto de espelhos uma coreografia deslumbrante de luz sonora & som luminoso §

Macho Alfa - Antonio Prata

  ilustração: Adams Carvalho Anteontem, vejam só, meu pneu furou. Todos aqueles que, como eu, estão neste rolê desde as últimas décadas do s...