Chuva no mar. Gota grossa na nuca debaixo do chapéu de sol.
Cheiro de Sundown e farelo de polvilho no fundo da mochila. Preta, preta,
pretinha. Vai, malandra. Vai-Vai. Treze de Maio. Joaquim Nabuco, Manuel
Bandeira, Chico Science e Nação Zumbi. Manamauê, auêia, auê. Minha terra tem
primores,/ Que tais não encontro eu cá;/ Em cismar —sozinho, à noite—/ Mais
prazer encontro eu lá.
Senhorinhas fazendo hidroginástica no SESC. A moça da bilheteria com dreads roxos. As meninas com joelheira de vôlei quase atropelam o japonês do violoncelo. A Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. A passagem por baixo da Consolação a caminho do Belas Artes. O passe do Pelé pro Carlos Alberto na final da Copa de 70. O texto do Pasolini sobre o futebol prosa dos europeus versus o futebol poesia dos brasileiros. O futebol poesia dos brasileiros. E por falar em beleza/ Onde anda a canção?/ Que se ouvia na noite/ Dos bares de então/ Onde a gente ficava/ Onde a gente se amava/ Em total solidão.
Embrapa, Lygia Clark, Magalu, Artur Avila, Grupo Corpo,
Santos Dumont, Embraer, família Gracie, IMPA (Instituto de Matemática Pura e
aplicada), INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), CNPQ (Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), FEBEAPÁ (Festival de
Besteiras que Assola o País), ASPONE (Assessor de Porra Nenhuma), camarão VG
(Verdadeiramente Grande), CB (Sangue Bom).
Clarice Lispector, Karen Jonz, Ingrid Silva, Marta, Mara Tara,
Rê Bordosa, Laerte, Leila Diniz, Iemanjá, Oxum, Iansã. Quem é você que não sabe
o que diz?/ Meu Deus do Céu, que palpite infeliz!/ Salve Estácio, Salgueiro,
Mangueira, Oswaldo Cruz e Matriz/ Que sempre souberam muito bem/ Que a Vila Não
quer abafar ninguém,/ Só quer mostrar que faz samba também.
Didi, Dedé, Mussum e Zacarias. Tarsila, Oswald, Mário e toda
antropofagia. Sócrates, Casagrande, Wladimir e toda a Democracia. A cabeçada do
Guerrero contra o Chelsea em Yokohama. As faixas nas arquibancadas: Fiel Vila
Matilde, Fiel Jardim ngela, Fiel Itaquaquecetuba. Mano Brown. Mestre Pastinha.
Caetano Veloso. Mãe Menininha. Grande Otelo. Zeca Pagodinho. Paulo Freire.
Zilda Arns. Dorothy Stang. Marielle. Chico Mendes.
O pra e não o para. O “já é” e não o “sim, senhor”. A
pororoca e não as margens plácidas. O erudito, sim, o experimental, sim, o
popular, sim, o axé, sim, o pagode, sim, o funk, sim, o sertanejo, sim, Hermeto
Pascoal, sim —coragem grande é poder dizer sim.
Água mole em pedra dura. Trinca. Trepadeira. Drible.
Contratempo. O que brota apesar de. O que cresce muito embora. O que se enxerga
a contrapelo. Tudo o que já foi motivo pra cadeia por vadiagem ou subversão.
Tudo o que já foi construção e não é ruína. A missão francesa fundando a USP.
Movimento Armorial. Aterro, Artigas. Brasília. Refavela. A seleção de 82.
Diretas Já! A promessa do encontro entre o morro e o asfalto numa segunda
abolição. A Amazônia de pé e garotas sentadas sob a marquise do Masp, sem medo,
às seis horas de um domingo, vendo o sol nascer lá pros lados do Tatuapé.
Vou voltar/ Sei que ainda vou voltar/ Vou deitar à sombra/ De uma palmeira/ Que já não há/ Colher a flor/ Que já não dá/ E algum amor/ Talvez possa espantar/ As noites que eu não queria/ E anunciar o dia/ Vou voltar/ Sei que ainda vou voltar/ Não permita Deus que eu morra/ Sem que eu volte para lá.
Ilustração: Adams Carvalho
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