Meu nome é Emanuel. Há tempos, eu pensava em criar um blog sobre leitura mas não encontrava o nome. "Crônicas Recolhidas e Cia Ilimitada" é, por enquanto, o nome provisório do blog. Além das crônicas, artigos de opinião, contos e poemas terão seu espaço aqui. Sempre que possível, além do texto, serão incluídos links e/ou imagens relativos ao tema.
terça-feira, 10 de abril de 2018
Seja lá o que é isso, vai acabar? - Ignácio de Loyola Brandão
Ganso estava passando em frente a padaria quando ouviu um chamado. Virou-se, um homem de dentro de um carro enferrujado gritou:
“Aí tem pães?”
“Nães.”
O motorista, com cara de quem viu passar um bando de pelados e peladas de bicicleta, o que está se tornando comum em São Paulo, à noite, fez um gesto significando esse é tantã e prosseguiu. O homem que disse nães sorriu e se encaminhou para a banca, onde lê manchetes e finge consultar uma e outra revista, lê alguma reportagem das semanais, e vai embora sem comprar nada, mas o Cid está acostumado. Uma banca é paraíso para um filósofo da vida cotidiana. Neste momento, o Vultério, que costuma frequentar o novo bar do Pinguim, em frente à faculdade, se aproximou.
“E daí, o que está achando da situação.”
“Que situação?”
“A nossa?”
“A minha ou a sua. Ou a minha e sua?”
“A de todo mundo.”
“E quem é todo mundo?”
Vultério, que está acostumado a explicar desde criança porque tem esse nome, pensou um pouco, olhou para cima, para baixo, para o lado esquerdo. Ele nunca olha para o direito.
“Sou eu, você, as moças da farmácia, a Paola Carrosella, chef estrela aqui do bairro, a turma descolada que frequente o Underdog, as professoras de domingo na padaria, o Alexandre Herchcovitch, o Teo, o Henrique e a Jane, os terapeutas do prédio dos loucos, os que vão jogar na loteca, o pintor Genilson Soares e seu fiel Chocolate – o cachorrinho não andou bem, está se recuperando – somos todos, é o mundo
“Eu não sou todo mundo.”
“Você é. Custa me dizer o que acha da situação?”
“Preciso achar?”
“Você tem de ter uma opinião.”
“E se não tenho?”
Vultério, naquela manhã, estava decido a arrancar uma palavra de Ganso. Falando em nome, até hoje não se sabe se é nome de família ou apelido, porque o sujeito se parece muito com aquele jogador do São Paulo. Mas ele já perguntou e deu em nada, vocês estão vendo no que dá perguntar para ele. Há pessoas assim, que escapam, deslizam, esquivam, abstêm-se de qualquer comentário, se encontrarem uma chance emigram, se exilam, somem. É um fenômeno que vem acontecendo, se espalhando, dizem os terapeutas do prédio; não se sabe se é síndrome, epidemia, efeito do mosquito zika (ou seria mosquita?). Vultério insistiu, tinha tempo.
“O que importa é de que lado você está? Conosco ou com eles?”
“Nem convosco nem com eles, estou comigo.”
“Está sozinho, então?”
Foi aí que Ganso se lembrou de um romance que tinha “pegado na veia” (termo de jogador de futebol), quando ele era adolescente. O Encontro Marcado, de Fernando Sabino. Em uma passagem do livro, os jovens rebeldes belo-horizontinos, na madrugada, bêbados, encontram uma senhora que, certamente, como boa católica mineira, se dirigia à missa. Aproximam-se babando, indagam: “A senhora está sozinha?”. E ela, brandindo o rosário, gritou: “Não, estou com Deus”. Ganso foi calmo.
“Não estou sozinho, estou comigo.”
“E acaso isso não significa estar só? Você não está com ninguém, você acha que se basta? Nenhum homem é uma ilha. Não tem opinião? Tudo o que acontece não mexe com você, não abala, emociona, alegra, entristece, emputece, enraivece?”
“Sim, nenhum homem é uma ilha.” John Donne. O poeta. “Nenhum homem é uma ilha, completo em si próprio; cada ser humano é uma parte do continente, uma parte de um todo.”
“Quando tudo isso acabar, vamos nos encontrar e você vai me dizer.”
“Acha que isso, seja lá o que você quer dizer com isso, vai acabar?”
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