Vencedores - Luis Fernando Verissimo
Eu sei, eu sei. Às vezes, parece que nada adianta, que nada vai dar certo, que quem escapar da miséria, do assaltante, da bala perdida e da bomba do terrorista a epidemia pega, e que o fim dos tempos está ali na esquina. Mas pense o seguinte: você pertence a uma raça de vencedores. Os antepassados de toda a sua raça - a humana - têm, todos, as mesmas características positivas em comum. Todos, sem exceção, atingiram a maturidade, pelo menos sexual. Todos sobreviveram a pestes, guerras, má nutrição e desastres naturais e chegaram à idade de ter filhos. E todos - olha só a sua sorte - eram férteis. Não eram, necessariamente, todos heterossexuais, mas, pelo menos uma vez na vida, foram. E, por acidente ou não, tiveram pelo menos um filho com um parceiro do outro sexo.
Quer dizer, você pertence a uma linhagem admirável que nunca se deixou abater, e venceu todos os obstáculos para que você e a sua raça estivessem aqui hoje, se queixando da vida. Você mesmo não se dá conta do que passou para existir. Do seu feito, do seu mérito em sair do nada - ou quase nada, uma larva - e ficar desse tamanho. Não pense que você estava sozinho no sêmen do seu pai.
Que era moleza, só chegar ao útero da sua mãe assoviando e pimba, fecundar o óvulo. Havia milhões de outros espermatozoides no sêmen do seu pai, naquela particular jornada. Milhões. E não era, assim, como a São Silvestre, em que já se sabe que o vencedor será um africano magrinho. Ou como a Fórmula Um, em que o resto da equipe trabalha para um vencedor designado.
Ninguém é favorito, ninguém é azarão na corrida para o óvulo. E não tem aquela de “Passa, irmãozinho”, “Não, passa você”. Era cada um por si. E você venceu! O espermatozoide que deu em você derrotou milhões de espermatozoides que deram em nada e chegou na frente. Aquele berro que você deu ao nascer foi um grito de vitória, um “Primeirão!” em linguagem de recém-nascido, guardado na garganta durante nove meses. E você tinha todas as razões para festejar. Como hoje tem todas as razões para se sentir um vencedor, membro de uma casta de vencedores - os que nasceram, os que estão aí. Pense naqueles espermatozoides que não conseguiram. Que tinham o mesmo objetivo, a mesma vontade de ser alguma coisa na vida, e fracassaram. Para eles, não adiantava chegar em segundo. Não havia vice nem repescagem. Ou chegavam em primeiro ou estavam condenados a não existir. E o primeiro, o primeirão, foi você. Ponha aí no seu currículo: “Vencedor da Corrida para o Óvulo”, o local e a data.
Quer dizer, você pertence a uma linhagem admirável que nunca se deixou abater, e venceu todos os obstáculos para que você e a sua raça estivessem aqui hoje, se queixando da vida. Você mesmo não se dá conta do que passou para existir. Do seu feito, do seu mérito em sair do nada - ou quase nada, uma larva - e ficar desse tamanho. Não pense que você estava sozinho no sêmen do seu pai.
Que era moleza, só chegar ao útero da sua mãe assoviando e pimba, fecundar o óvulo. Havia milhões de outros espermatozoides no sêmen do seu pai, naquela particular jornada. Milhões. E não era, assim, como a São Silvestre, em que já se sabe que o vencedor será um africano magrinho. Ou como a Fórmula Um, em que o resto da equipe trabalha para um vencedor designado.
Ninguém é favorito, ninguém é azarão na corrida para o óvulo. E não tem aquela de “Passa, irmãozinho”, “Não, passa você”. Era cada um por si. E você venceu! O espermatozoide que deu em você derrotou milhões de espermatozoides que deram em nada e chegou na frente. Aquele berro que você deu ao nascer foi um grito de vitória, um “Primeirão!” em linguagem de recém-nascido, guardado na garganta durante nove meses. E você tinha todas as razões para festejar. Como hoje tem todas as razões para se sentir um vencedor, membro de uma casta de vencedores - os que nasceram, os que estão aí. Pense naqueles espermatozoides que não conseguiram. Que tinham o mesmo objetivo, a mesma vontade de ser alguma coisa na vida, e fracassaram. Para eles, não adiantava chegar em segundo. Não havia vice nem repescagem. Ou chegavam em primeiro ou estavam condenados a não existir. E o primeiro, o primeirão, foi você. Ponha aí no seu currículo: “Vencedor da Corrida para o Óvulo”, o local e a data.
Uma coisa é inquestionável: você vem de uma linhagem de vencedores - Gregorio Duvivier
Você tem muita sorte. Pra você estar aqui lendo isto, foi
preciso que você sobrevivesse, no mínimo, à sua infância. Talvez você tenha se
esquecido como foi duro. Você quase morreu uma dúzia de vezes –ou então não foi
exatamente uma infância. Antes disso, foi preciso que você sobrevivesse ao
parto –e você certamente esqueceu o quanto que isso foi traumático e perigoso.
Foi também preciso que seus pais sobrevivessem ao parto, e à infância, e à
adolescência, e encontrassem alguém que topasse transar com eles –quando você
vê o corte de cabelo deles na época, percebe que essa parte não deve ter sido
fácil.
Seus avós tampouco morreram virgens, assim como seus
bisavós e tataravós, que sobreviveram todos, sem exceção, à tuberculose, ao
suicídio, à sífilis ou à castidade, tão em voga entre os adolescentes da época.
Nos 150 mil anos de humanidade, todos os seus
antepassados nasceram, cresceram, flertaram e transaram –com pelo menos uma
pessoa. Sabe aquele Homo neanderthalensis feioso, sentado num canto, tristonho
porque nenhuma neandertal queria transar com ele? Então, relaxa: ele não é seu
parente. Seus antepassados foram todos, sem exceção, transantes.
E antes disso: toda forma de vida da qual você descende
nasceu, cresceu, transou: do macaco aos seres abissais tipo aquele peixe
hipster que usava uma luz de LED na testa. Sim, até ele transou. Uma coisa é
inquestionável: você vem de uma linhagem de vencedores. De gente que faz. Que
não desiste fácil. Que não perde a estranha mania de ter fé na vida.
Mas antes disso foi preciso que os detritos de uma
estrela em explosão se conglomerassem num planeta, e que esses grãos de poeira
se unissem numa esfera, e que ela entrasse em órbita na distância perfeita da
estrela para que não congelasse, e que ao redor dela se formasse uma camada
protetora pra que dentro nascessem bactérias que criassem o oxigênio, sem o
qual não adiantaria nada ter fé na vida –Marte tava tentando há um tempo e
nada. Aliás não só Marte: todo o mundo tentou. E só a gente conseguiu. Sorry,
bilhões de planetas e estrelas que não preencheram os requisitos suficientes
(em defesa deles, são bilhões de requisitos).
Bilhões de estrelas explodiram, gases brotaram, seres
sobreviveram e transaram pra gente estar aqui, hoje, reclamando da programação
da TV ou do sinal do wi-fi. Se isso não é um milagre, não sei o que é. Obrigado
a todos os envolvidos. Hashtag gratidão.
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