Fábulas monterrosianas
O burro, a mula, o
jegue e o jumento se reuniram numa assembleia para redigir um manifesto contra
o cavalo. Era intolerável que eles trabalhassem tanto ou mais do que o nobre
colega equino, mas só o nobre colega equino ficasse hypado. “Alguém aí já viu
burro em propaganda de cigarro?”, “E mau aluno com chapéu de cavalo?”, “E por
que nunca criam uma mula unicórnio?”. Redigiram um manifesto a oito cascos
exigindo a imediata distribuição do sucesso cavalar para a totalidade da classe
equestre e uma maior equanimidade (atenção: trocadilho) na divisão
internacional do trabalho.
No dia seguinte, o
burro, a mula, o jegue e o jumento foram ao pasto, entregar o manifesto. O
cavalo os olhou, mal-humorado, mascando um capim, com sua pinta de Charles
Bronson. “Que foi?”. “Nada, nada”, responderam, trêmulos, e desistiram de
entregar o documento.
Voltando do encontro,
o burro, a mula, o jegue e o jumento avistaram a zebra, bebendo água num lago.
Correram até lá, a cercaram e lhe deram uma surra de coices e pinotes. “Zebra
vagabunda!”. “Quem você pensa que é?!”, “Não trabalha! Não faz nada! Passa o
dia de pijama!”, “Vergonha da classe equina!”.
Era uma vez um gato
rajado, velho e gordo que fingia ser filhote de tigre. Ele chegava a uma
cidade, entrava no primeiro bar e batia no balcão: “Barman, bourbon! Eu sou
filhote de tigre! Se você não me der bourbon, eu volto aqui quando crescer e te
como no café da manhã!”. Todo mundo caía na gargalhada. O poodle na mesa de
sinuca tirava o cigarro da boca e provocava, “Eu sou filhote de urso!”, a
mariposa do lustre gritava, “Eu sou um B-52!”, o macaco, jogando dardos,
emendava, “Eu sou um bonsai de King Kong!”, e o gato rajado, velho e gordo
seguia para a próxima cidade.
O vírus tinha inveja
da bactéria, que tinha inveja do ácaro, que tinha inveja da pulga, que tinha
inveja do besouro, que tinha inveja do rato, que tinha inveja do gato, que
tinha inveja do puma, que tinha inveja do tigre, que tinha inveja do leão, que
tinha inveja do leão mais jovem, que tinha inveja dos leões mais jovens de
antigamente, que, dizem os leões mais velhos, eram muito mais fortes, mais
livres e não tinham inveja de ninguém.
“Segundo a assessoria
de imprensa do time dos macacos, o lateral direito Prego, 29, não descarta
processar a torcida das hienas que, durante uma cobrança de escanteio, atirou
relógios, óculos e escovas de dentes em sua direção”.
A cascavel entra a
milhão no Pronto Socorro: “Mordi a língua! Mordi a língua!”.
Três lesmas muito
machas se reunem pra brincar de roleta russa. No meio da roda, uma caixinha de
Tic-Tac com seis balas dentro. Cinco, na verdade: a sexta, idêntica às outras,
é uma pedra de sal.
Décadas atrás, era
impensável um ouriço transgênero. Hoje, veja só, para todo lado que se olhe
percebe-se – azuis, violetas, rosadas – a grande quantidade de anêmonas
ps. Estes textos são
descaradamente inspirados no livro A Ovelha Negra e Outras Fábulas, de Augusto
Monterroso, Cosac Naify, tradução de Millôr Fernandes.
Fábulas monterrosianas (2)
Vivia a floresta na
mais densa calmaria até o dia em que apareceu a coruja, com suas olheiras, seu
sobretudo e suas ideias subversivas: “Como vocês podem se achar felizes se são
paus mandados do leão? Como podem se achar livres se só fazem o que permite o
leão? Como podem dormir tranquilos se correm o risco de, a qualquer momento,
serem devorados pelo leão? Abaixo a ditadura leonina!”. “Bravo!”, gritou o
coelho. “Apoiada!”, bradou a gazela. “Ente, ente, ente, coruja presidente!”,
puxou o tatu.
Daí em diante, os
animais passaram a viver revoltados, só pensando no absurdo que era serem
vítimas desse déspota, o leão. A coruja, então, organizou uma assembleia, onde,
depois de um caloroso debate, chegou-se à conclusão de que em toda a floresta
havia um único bicho capaz de destronar o autoungido rei dos animais: o jacaré.
Boiando no rasinho,
só com aqueles olhos amaconhados pra fora d’água, o jacaré ouviu a explicação
da coruja e as súplicas de seus companheiros silvícolas. “Vocês querem que eu
ajude?” “Sim!”, responderam todos. “Querem a paz na floresta?”. “Siiim!”.
“Querem parar de sofrer com a supremacia leonina?”. “Siiiiiim” – e, mal o coro
suplicante havia terminado de ecoar por entre as copas das árvores, o jacaré
arremeteu contra a coruja e, num bote certeiro, a engoliu inteirinha, com suas
olheiras, seu sobretudo e suas ideias subversivas.
Era véspera de Natal
e duas mariposas ficaram girando em volta da lâmpada, até tarde. Quando
amanheceu elas viram, do lado de lá da janela, uma borboleta. “Ah lá, que coisa
ridícula!”, caçoou uma mariposa. “Toda coloridinha, a fofa...”, emendou a
outra. “Se achando o próprio arco-íris”, zombou a primeira. Depois, foram
dormir.
Na noite seguinte, a
primeira mariposa estava a caminho da lâmpada e, ao passar pela árvore, se viu
refletida num enfeite vermelho. Parou, olhou pra direita, olhou pra esquerda e,
como não havia ninguém, ficou ziguezagueando diante da árvore, maravilhando-se
com seu reflexo ora verde, ora amarelo, ora vermelho, ora prateado, ora
dourado, nas bolas de vidro. Até que, do outro lado da árvore, surgiu a segunda
mariposa. As duas tomaram um susto. “Que que cê tá fazendo desse lado da
árvore?!”, “Nada! Tô subindo pro lustre! E você, lá do outro lado?!”, “Nada,
subindo pro lustre, também...”.
Dito isso, elas
voaram até o alto da sala e ficaram a girar em volta da lâmpada. “Nossa, e
aquela borboleta, ontem?!”. “Coisa ridícula, toda coloridinha, a fofa”. “Se
achando o próprio arco-íris...”.
Numa manhã do
neolítico, bem antes do domínio das técnicas de irrigação, da agricultura, do
desenvolvimento do comércio e da invenção do dinheiro, uma galinha pôs um ovo
de ouro. Como estávamos no neolítico, bem antes do domínio das técnicas de
irrigação, da agricultura, do desenvolvimento do comércio e da invenção do
dinheiro, a galinha foi tratada pelas outras como uma aberração, foi chamada de
freak, foi expulsa do bando e morreu só e triste, deixando duzentos ovos de
ouro e nenhum descendente.
“Mundo vil, mundo
tacanho!” (o ornitorrinco a bradar) “Todos me chamam de estranho Mas e o pepino
do mar?!”
Texugos
Era uma vez um texugo
muito pobre e injustiçado. O texugo muito pobre e injustiçado passou a
adolescência lendo textos, vendo filmes e assistindo a peças que denunciavam as
causas da pobreza e da injustiça, de modo que se transformou num texugo muito
pobre, injustiçado e revoltado.
Um dia, o texugo
muito pobre, injustiçado e revoltado não aguentou mais e decidiu ele também
escrever textos, filmes e peças denunciando as causas da pobreza e da
injustiça. Para surpresa do texugo muito pobre, injustiçado e revoltado, seus
textos, filmes e peças fizeram um retumbante sucesso e ele passou a ganhar rios
de dinheiro e a frequentar restaurantes caros e festas de ricos e famosos que
achavam mui cool ser amigos do texugo que tinha sido muito pobre, injustiçado e
escrevia textos, filmes e peças revoltados.
Uma noite, em sua
cobertura, um pouco bêbado de vinho francês, o texugo que tinha sido muito
pobre e injustiçado olhou para os móveis de sua sala, para os sapatos em seus
pés, para os quadros nas suas paredes e sentiu que aquela revolta não condizia
com a posição que ocupava.
Então, depois de
alguma deliberação não inteiramente consciente, o texugo muito rico e nada
injustiçado reformulou sua revolta: dali em diante, passou a escrever textos,
filmes e peças revoltados contra os textos, filmes e peças revoltados que
denunciavam as causas da pobreza e da injustiça, pregando que era tudo coisa de
vagabundo e maconheiro que não trabalhava que nem ele pra subir na vida e ser
alguém.
Era uma vez outro
texugo muito pobre e injustiçado que também escrevia textos, filmes e peças
denunciando as causas da pobreza e da injustiça. Os textos, filmes e peças
desse texugo muito pobre e injustiçado eram chatíssimos, confusos e cheios de
lugares comuns, mas como ele era um texugo muito pobre e injustiçado, as
pessoas liam os textos, assistiam aos filmes e peças chatíssimos e confusos e
cheios de lugares comuns e saíam dizendo umas pras outras as mil maravilhas e
mais tarde descansavam suas cabeças sobre travesseiros de plumas acreditando
terem feito algo contra a pobreza e a injustiça.
Era uma vez um texugo
muito rico e mordaz que percebia a chatice, a confusão e os lugares comuns nos
textos, filmes e peças do texugo muito pobre, injustiçado e sem talento. O
texugo muito rico e mordaz escrevia posts jocosos no Facebook denunciando o
outro como uma grande fraude. Metade dos seguidores do texugo muito rico e
mordaz comentava “KKKKKKK!!!” nos posts jocosos e ficava aliviada porque se o
texugo muito pobre e injustiçado era um embuste, toda a tentativa de denunciar
a pobreza e a injustiça era também um embuste e o melhor a fazer era descansar
a cabeça sobre travesseiros de plumas e pensar em assuntos mais agradáveis do
que a pobreza e a injustiça.
A outra metade dos
leitores do texugo muito rico e mordaz o desacreditava porque ele era muito
rico e mordaz e reafirmava nos comentários dos posts jocosos seu amor pela obra
chata, confusa e cheia de lugares comuns do texugo muito pobre e injustiçado. E
é por essas e outras que os texugos tão do jeito que tão e há quem ache que o
melhor mesmo é que venha logo um meteoro e acabe com essa esbórnia de uma vez
por todas.
O Feio
Era uma vez um
coelhinho criado por uma família de cangurus. Os cangurus cresciam, o coelhinho
não, e por isso o apelidaram de Canguruzinho Feio e passaram a chamá-lo de
pulga, pula-migalha, salta-formiga e todas essas coisas ofensivas que os
cangurus altos reservam para os cangurus baixinhos. Um dia, porém, toda a
família de cangurus foi passear em Adelaide.
E era páscoa. E o
Canguruzinho Feio descobriu, maravilhado, que não era um Canguruzinho Feio, mas
um belo coelho, animal fantástico, capaz de pôr ovos coloridos de chocolate e,
por esta razão, merecer dos humanos um tratamento de semideus. De início, os
cangurus o olharam com toda a admiração, até que um deles – não muito alto, por
sinal – provocou: “Ah, é, bonitão? Bota um ovo de chocolate aí, então, pra
gente ver!”.
O coelho se agachou,
fechou os olhos, mentalizou um ovo de 500 g da Lindt, fez toda a força de que
seu pequeno esfíncter era capaz, mas o resultado foi apenas uma bolinha de
cocô. Os cangurus explodiram numa gargalhada. O coelho ainda apertou o
cocozinho com a ponta da unha e uma ponta de esperança: vai que era um MM
marrom? Não era.
Morto de vergonha, o
Canguruzinho Feio abandonou a família e passou a viver mendigão pelas ruas de
Adelaide.
Era uma vez uma lesma
criada por uma família de minhocas. As minhocas pararam de crescer, mas a lesma
seguia inchando, por isso a apelidaram de Minhocona Feia e passaram a chamá-la
de bisnaga, linguiça, isca de baleia e todas essas coisa ofensivas que as
minhocas magras reservam para as minhocas gordas. A Minhocona Feia vivia
fazendo regime, jejuava por dias inteiros, tentou cortar carboidratos, glúten,
frituras, mas nada adiantava. O que mais a envergonhava, porém, não era o peso:
era produzir, em vez do húmus – orgulho e alegria de toda minhoca –, uma baba
humilhante que a seguia por onde fosse.
Um dia choveu muito,
o gramado alagou e as minhocas tiveram que se abrigar na varanda. Neste dia, a
Minhocona Feia olhou para a vidraça da casa e viu duas Minhoconas Feias iguais
a ela, na ponta de dois rastros iguais ao seu. Neste dia, ela descobriu que não
era uma Minhocona Feia, mas uma bela jovem lesma.
Por umas semanas, a
bela jovem lesma viveu feliz com seus pares, babando na vidraça e comendo como
uma condenada. E uma condenada, de fato, ela se tornou: de tanto comer para
compensar os tempos de penúria, passou a ter problema de colesterol, diabetes, pressão
alta e acabou enfartando não muito depois da sua redenção.
Era uma vez um ouriço
que nasceu próximo a uma família de polvos. Por uns dez segundos, ele acreditou
que pudesse ser um polvo esquisitíssimo, mas pensou melhor e percebeu que não.
Era uma vez um
filhote de tigre criado por uma família de gatos. Os gatinhos pararam de
crescer, mas o tigre não, por isso o apelidaram de... De nada, pois assim que
percebeu as risadinhas, o filhote de tigre almoçou os quatro irmãos, a mãe, uma
lesma moribunda que encontrou na varanda, um coelho bebum que trombou na
esquina e só não comeu o ouriço e a família de polvos porque não nasceu no
fundo do mar, não se achava um peixe tigre e sequer sabia nadar.
Joanão e outras minifábulas
Um dia a joaninha
tomou coragem, cobriu as costas com fita isolante, fez uma cara de túmulo e se
juntou aos seus ídolos: a turma de besouros góticos que se reunia, toda noite,
ao pé do cupinzeiro abandonado. “E aí, pessoal?”, ela murmurou, na voz mais
deprimente que conseguiu. “Sai fora, joaninha!”, rosnou o líder dos besouros.
“Que joaninha?! Eu sou um besouro pequeno, de outro tipo!”. “Ah, é? Então que
que é isso?!”, perguntou o líder, arrancando a fita isolante. “Saco...
Beleza, mas ninguém
me chama de joaninha, ok? Todo mundo me conhece como Joana”. “Nem vem,
joaninha! Tem lugar p’cê aqui não, fofa!”. “Eu não sou fofa!”. “Ah, não?
Vermelhinha com pintinhas pretas?! Parece um moranguinho alado!” – e todos os
besouros góticos riram. “Moranguinho o escambau! Isso aqui é tipo, tipo um, um
mar de sangue fresco cheio de besouro morto afogado depois que uma vaca com
ebola sangrou pelos poros até cair morta e seca no pasto que nem uma uva
passa!”.
Hoje, Joanão é líder
dos besouros góticos, que passam horas, toda noite, pintando as costas com
urucum – deixando intactas só algumas bolinhas pretas –, antes de se dirigirem
ao cupinzeiro abandonado.
Para os ácaros, não
tem história mais apavorante do que Piolho, de Bram Stoker.
– Tamanduá
transformer! Tamanduá transformer! – grita a formiga sentinela, do alto da
geladeira, ao que todas as outras correm para trás do espelho de luz,
apavoradas com o aspirador de pó.
A cobra verde cuspia
uma, duas, três vezes e já ficava com a garganta seca, então se perguntava,
“Nossa, como será que ela consegue?!”, admirando a mangueira do jardim.
Há entre os
tatus-bola uma antiga crença: depois de morrer, aqueles de vida proba viram
bola de gude – já os maus passarão o resto da eternidade metamorfoseados em
cocô de galinha.
“Prova da
superioridade das nozes sobre as amêndoas, as avelãs e as castanhas”, escreveu
uma noz eugenista, em fins do século 19, “é que a natureza moldou as nozes tal
qual o cérebro dos humanos – a segunda espécie mais evoluída, depois das nozes
–, ao passo que as amêndoas, avelãs e castanhas se assemelham, quando muito,
aos testículos dos supracitados bípedes”.
Contra o eugenismo
das nozes, em fins do século 19, uma jovem avelã escreveu: “Oh, mas que ideia
malsã / Imagem de puro asco / Ânimo, bela avelã! / Noz é que parece um saco!”
Enquanto tais embates
se davam pelos salões e academias científicas, os amendoins, analfabetos,
cruzavam oceanos nos bolsos dos marujos, rolavam pela grama, nas mãos das
crianças, enchiam a cara de vinho, tabaco e perfume nas mesas dos cabarés.
O camaleão daltônico
Era uma vez um
camaleão daltônico. Quando a folha era verde, ele ficava vermelho, na terra
vermelha, se pintava de verde, comendo bananas, se besuntava de azul, e,
entrando na água, se amarelava todo. Um dia, os outros camaleões o chamaram
para uma conversa. "Aí, parceiro, a gente não tem garra, não tem veneno,
não tem juba, a nossa parada é disfarce. Com você na área, geral tá correndo
perigo. Vaza."
O camaleão daltônico
pegou sua trouxinha e, azul de raiva, foi morar do outro lado da floresta.
Acontece que, justamente naquele dia, nos confins da mata, havia um fotógrafo
da "National Geographic" clicando umas borboletas. O fotógrafo da
"National Geographic" pirou no camaleão daltônico, que, cor de
abóbora, sobre uma vitória-régia, estampou as capas da revista nos quatro
cantos do globo. Pouco tempo depois, todos os camaleões da floresta entraram
numas de contraste, pra imitar o camaleão daltônico.
Quem gostou muito da
novidade, além dos fotógrafos da "National Geographic", foram os
gaviões, as cobras e os quatis: numa única tarde, boa parte dos camaleões foi
extinta. Entre os que sobraram, os mais à direita culpam o camaleão daltônico,
os à esquerda culpam a mídia –e seitas apocalípticas pregam que a semiextinção
dos camaleões é prova irrefutável do fim dos tempos e da chegada iminente do
Grande Camaleão.
*
Um dia, um patinho
viu um ganso e ficou apavorado. Toda noite, a partir de então, ele sonhava que
o seu pescoço crescia, crescia, crescia e que os outros patinhos riam, riam,
riam.
Um dia, um potro viu
uma girafa e ficou apavorado. Toda noite, a partir de então, ele sonhava que o
seu pescoço crescia, crescia, crescia e que os outros potros riam, riam, riam.
Se o patinho e o
potro se encontrassem e ficassem amigos e compartilhassem seus anseios mais íntimos,
eles talvez falassem desse mesmo sonho e se reconfortassem com a similaridade
dos medos e passassem a sonhar sonhos melhores, cheios de minhocas e milho, no
caso do patinho, cheios de feno e capim, no caso do potro. Acontece que o
patinho morava em Limeira (SP), e o cavalinho morava no Quênia, na África, de
modo que eles tiveram que lidar sozinhos com as suas angústias até que a vida
lhes mostrasse que pato é pato, ganso é ganso, cavalo é cavalo, girafa é girafa
e os pescoços não costumam variar muito dentro de uma mesma espécie.
*
Na sala de espera do
dr. Corujo, psiquiatra especializado em distúrbios alimentares, aguardavam um
elefante anoréxico, um abutre vegetariano, uma sucuri cristã, uma hiena viciada
em ração pra gato, uma lesma fissurada por sal e uma molécula de glúten com
intolerância ao glúten –imediatamente posta numa maca e levada para o hospital.
*
No divã do dr. Morsa,
psicanalista especializado em dupla personalidade, a zebra da Ku Klux Klan
acaba de se dar conta, aterrorizada, de que nos períodos de amnésia é
vice-presidente do comitê regional dos Black Power.
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