Você é #teamOprah ou #teamDeneuve nessa
disputa que se instaurou nas redes sociais nos últimos dias? Você acha que a
hora chegou e sente-se orgulhosa e inspirada por todas as mulheres fortes o
suficiente e empoderada para falar e compartilhar suas histórias pessoais, como
disse Oprah? Ou você acredita que pode batalhar para que seu salário seja igual
ao de um homem e gostar de ser objeto sexual dele, como sugeriu o manifesto assinado
por cem intelectuais e atrizes francesas, entre elas Catherine Deneuve?
Uma fala não invalida a outra. Eu fico no meio do caminho,
porque os dois lados têm razão e também cometem excessos. E essa queda de braço
só enfraquece todas as mulheres nesse embate desnecessário. Como eu sempre
digo, a sororidade acaba quando a outra mulher não levanta o punho para o
discurso com o qual eu concordo, não é mesmo?
Ao contrário do que muita gente achou, não vi no manifesto
francês uma resposta ao Time's Up, um fundo de defesa legal às vítimas de
assédio sexual no trabalho e que teve seu ponto alto no lindo discurso feito
pela apresentadora Oprah na noite do Globo de Ouro. Embora o timing tenha sido
muito ruim, entendo como uma reação à parte reacionária do movimento feminista,
que acredita que todas têm que se moldar ao que essas correntes pregam e não
admitem que haja pensamento diverso. Quer saber? Muitas mulheres, também
feministas, estão entaladas com tantas regras e normas.
Repito o que já disse uma vez: de que adianta me livrar do
patriarcado para ter no meu cangote patrulha de mulher dizendo o que e como
devo fazer? Um dos maiores erros do feminismo moderno é tentar nos convencer de
que as lutas são iguais para todas. Não são. Queremos igualdade salarial, combater
a violência doméstica, ter mais direitos, reconhecimento, representatividade,
liberdade sexual. Ponto.
A forma como nos relacionamos com o mundo e com os homens não
tem que ser enquadrada por textos lacradores de pensadoras e filósofas que
muitas vezes se autointitulam porta-vozes e, aqui entre nós, perceberam que
feminismo dá dinheiro, prestígio e fama. Não, obrigada.
A fala de Oprah marca um momento importante e, sim, pode
encorajar e fortalecer mulheres ao redor do mundo que sofrem assédio e violência.
As acusações que envolvem produtores e famosos de Hollywood são sérias e apenas
uma pontinha do que acontece aqui na vida real. Sim, agora é a hora. E isso foi
defendido no manifesto francês, é bom esclarecer para quem leu o texto com o
fígado e absorveu apenas os trechos que poderia odiar.
Mas ignorar o ponto de vista das francesas porque há críticas a
algumas nuances do feminismo é uma bobagem tão grande quanto a parte do texto
que defende os "coitados" dos homens das acusações que estão
sofrendo. Foi desnecessário. Homens sabem se defender e terão que enfrentar a
parte da "histeria" que existe no momento. Aceitem.
Indispensável liberdade de ofender, clamam as francesas. E elas
estão certas porque o limite do que ofende uma mulher pode ser um tanto mais
flexível para outra. Não fosse assim, o movimento Chega de Fiu-Fiu não seria
chamado até hoje de mimimi por muitas pessoas, incluindo as próprias
interessadas. De um lado estão as que encaram esse tipo de abordagem como uma
violência e do outro quem não se incomode. Não é preciso escolher quem tem
razão. O que não dá é colocar no pacote do machismo a mulher que diz não se
importar ou até mesmo gostar de tais manifestações.
Como as francesas disseram: uma mulher pode, no mesmo dia,
liderar uma equipe profissional e gostar de ser o objeto sexual de um homem,
sem ser uma vil cúmplice do patriarcado.
De fato, também não me reconheço no tipo de feminismo apontado
no manifesto, que toma forma de ódio aos homens e à sexualidade. "A
liberdade de dizer não a uma proposta sexual não existe sem a liberdade de
importunar. É preciso saber responder a essa liberdade de importunar de outra
forma que se encerrando no papel de presa."
Esse é outro ponto em que fica difícil discordar da turma de
Deneuve e de Catherine Millet. "É mais sensato criar nossas filhas pra que
sejam suficientemente informadas e conscientes para viver suas vidas sem se
deixar intimidar ou culpabilizar." É mais sensato, o que não exclui também
educar os filhos homens dentro de uma visão feminista.
Na semana passada, escrevi exatamente sobre a
"fragilidade" feminina sempre usada pelos movimentos, como se
fôssemos eternas vítimas. Todas as vezes que leio por aí que o mundo é horrível
e as mulheres são frágeis, que todo homem é um estuprador em potencial (uma das
maiores bobagens já ditas), que somos vítimas da sociedade, penso que não sou
essa mulher e nem convivo no meu círculo mais íntimo com caras com essa índole.
Talvez eu tenha sorte ou apenas tenha recebido educação para ser
independente e corajosa. Por isso, não aceito esses rótulos que muitas vezes
são usados e que colocam a mulher num eterno papel vulnerável. Entendo que
muitas mulheres se vejam dessa forma. Não é meu caso.
Felizmente posso dizer que não sou vítima do machismo. Não
aceito ser tratada com inferioridade no mercado de trabalho, não me vejo dessa
forma e nem acho que seja vista assim. Não deixo que homens tomem a palavra
quando ela está comigo.
Tenho educação, conhecimento, as ferramentas necessárias para
combater o machismo (sim, ele existe, e muitas vezes o mundo é um lugar mais
difícil para as mulheres), mas não aceito esse papel passivo, o da vítima que
precisa se proteger o tempo todo em um ambiente hostil e predatório.
Entendo e me solidarizo com as que se sentem assim. Deve ser muito
difícil acordar todos os dias e saber que o mundo lá fora só quer fazer da sua
vida um inferno e você não sabe como se defender.
Tenho medo de ser estuprada? Claro. Mas tanto medo quanto tenho
de ser morta num assalto.
O que me assusta ainda mais é a confusão na cabeça das pessoas
sobre o que é assédio e o que é paquera. Somos adultos para entender que não dá
para encarar elogio, desejo, cobiça, investida romântica, sacanagem da boa,
seja na rua, no trabalho ou na balada, da mesma forma que uma encoxada no metrô
ou uma promessa de promoção em troca de um boquete.
Assédio é crime. Paquera deve ser usada sem moderação. O tempo é
agora para as mulheres escolherem suas brigas, sem deixar que o puritanismo se
sobreponha em nome de uma falsa segurança e de um mundo mais igual. Isso só
serve, como diz o manifesto das francesas, aos interesses dos inimigos da
liberdade sexual, dos extremistas religiosos, dos piores reacionários. E são as
mulheres quem mais perderão com isso.
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