sábado, 3 de junho de 2017

To drink or not to drink

Malvados - André Dahmer



Adão Iturrusgarai



Fabiane Langona

Fernando Gonsales


Eduardo Simch


Calvin - Bill Watterson



Respeite as abstêmias! - Tati Bernardi

Peço perdão aos donos desse espaço. Eles certamente preferem quando lhes dou alguma audiência. Mas o assunto hoje encontrará raros e humilhados semelhantes.

Escreverei sobre o meu completo desinteresse em relação a bebidas alcoólicas. Não me agradam gostos, cheiros, motivos, efeitos. Sobretudo, não me agradam seus entusiastas mais desinibidos e, o pior da espécie, os que nunca vão embora.

São tantas pessoas chocadas, incomodadas e ofendidas com a minha recusa, que já cheguei a me encarar horrorizada no espelho dos bares, indagando com profunda tristeza e solidão a raiz de tão grave deficiência.

Vasculhei cenas, frases, traumas. Nasci ouvindo o sofrimento causado por um tio e um tio avô que morreram de cirrose hepática. Meu pai, quando eu era criança, após uma festa de casamento, vomitou vinho no tapete novinho e por meses eu encarava aquela mancha fantasiando sobre um assassinato. Minha mãe conta que ficou de pileque e quase morreu afogada quando era adolescente. Quando eu tinha doze anos, minha avó, um dia antes de falecer, me pediu que eu jamais aceitasse bebida dos outros.

Mas não é nada disso. Assim como algumas pessoas odeiam cachorros, o que eu acho um absurdo. Assim como algumas pessoas odeiam crianças, o que eu acho surreal. Assim como algumas pessoas odeiam trabalhar, o que eu jamais entenderei.

Eu odeio beber álcool e preciso do seu amor. Cansei de não ter o meu direito ao chá respeitado. Estou farta da sua carinha de nojo pra minha maravilhosa água com gás. Sim, o suco de melancia com limão vai continuar em minha vida, apesar da azia.

Passei os últimos vinte anos me explicando. Não posso, estou tomando antibiótico. Ops, hoje não, tô com a maior ressaca de ontem. Eita, não comi nada, melhor não bobear. É que fiz promessa. É que faço exame de sangue amanhã. MENTIRA. Eu apenas acho uma merda o gosto da cerveja, apenas sinto o mundo azedar dentro da minha barriga quando bebo vinho.

Tenho horror a vodka e uísque. Champanhe é bile com roupa de rico. E pinga, Deus do céu, vi jogarem no pé da minha tia quando a coitada pisou em um caco de vidro. E ela ficou boa.

Por que somos obrigados a gostar de beber? Por que morro de vergonha sempre que alguém me oferece um copo e os músculos da minha cara se tornam involuntariamente sinceros, promovendo caretas repletas de asco? Por que somos obrigados a gostar de álcool, Ano Novo, Natal, festa de casamento, despedida de solteiro, Carnaval? Por que somos obrigados a preferir o Rio de Janeiro a São Paulo? Suruba a regar plantas? Doze horas em pé num boteco sujo ao deleite de uma cama limpinha? Quem disse que ser feliz é o que a maioria acha que é?

Por que passei os últimos mil anos me forçando a ir, ficar e aturar esses lugares e as pessoas desses lugares? Dando pequenos golinhos falsos em líquidos que me pareciam o néctar do ânus do demônio? Dando pequenas e falsas bitoquinhas em bitucas que me pareciam o pum macabro do esfíncter do capeta?

Não, eu não bebo. Não, eu não tenho que lhe explicar os motivos. Não, eu não vou mais ser simpática mediante as palavras "nunca, nada e nem um pouquinho" seguidas de interrogações.

Respeite as "mina" (abstêmia), porra!

Hagar - Dik Browne





ADÃO ITURRUSGARAI

Fernando Gonsales


Malvados - André Dahmer



Carlos Ruas


Ratos de Porão em "Beber até morrer" no Estúdio Showlivre 2011




Há 25 anos - Ruy Castro  (25/01/2013 - Folha de São Paulo)


RIO DE JANEIRO - Foi num dia 25 de janeiro, como hoje. Enquanto Alice tirava o carro, abri a geladeira e, tremendo muito, servi-me de quatro copos de vodca --pura, gelada, do freezer. Copos, não doses. Cheios, cada qual tomado de um gole, e que, como sempre, desceram como água. O tremor nas mãos não traía nervosismo. Tremia porque acabara de acordar e estava sem beber havia horas. Ainda não descobrira como beber dormindo.

Acordado, bebia um mínimo de dois litros de vodca por dia, só em casa --o consumo na rua era difícil de calcular. Uma vez por semana, a empregada botava os cadáveres para fora, à espera do garrafeiro. Os vizinhos deviam achar que os moradores daquela casa bebiam muito. Se soubessem que um único morador engolia aquilo tudo, não acreditariam.

Dali a pouco, estávamos na rodovia Raposo Tavares, rumo a Cotia, a 31 km de São Paulo, onde eu então morava. Sabia que, no lugar para onde Alice me levava --uma clínica para dependentes químicos--, não haveria bebida. Os quatro copos teriam de bastar até o fim do dia. Mas, e o dia seguinte? E os 30 dias seguintes? Não tinha ideia, nem me preocupava. Afinal, não vivia dizendo que "bebia porque gostava" e "seria capaz de parar quando quisesse"?

Os primeiros cinco dias foram de horror --o organismo reagindo ao corte súbito do suprimento com tremores pelo corpo inteiro, agitação, insônia, diarreia, taquicardia, suores, possibilidade de delírio. Nas palestras, as vozes dos terapeutas soavam muito longe e o que eles diziam, um mistério. Os colegas de internação, fantasmas sem rosto. Mas, aos poucos, o horror passou e, em menos de duas semanas, foi sendo substituído por uma sensação quase insuportável de lucidez, vigor físico e vontade de viver --como nunca antes. Até hoje.

Enfim, foi hoje, há 25 anos. Mas hoje é apenas mais um dia.


Malvados - André Dahmer


Adão Iturrusgarai




Fernando Gonsales







Wander Wildner - Quase Um Alcóolatra













Álcool nos deixa mais sinceros - Mariliz Pereira Jorge


O que foi dito bêbado, foi pensado sóbrio, dizem por aí. Essa não é uma conclusão minha, mas de um estudo feito pela Universidade do Missouri, nos Estados Unidos, pelo médico Bruce Bartholow. Digo mais: o que foi feito bêbado, foi planejado de cara limpa.

Bartholow contesta algumas pesquisas, como uma feita no começo dos anos 2000, na Holanda, que concluiu que a intoxicação causada pelo álcool reduz a capacidade do cérebro de detectar quando a gente está prestes a fazer algo de que vamos nos arrepender. Em bom português, uma cagada.

Amigos, vamos ser sinceros. Aquele dia que você mandou uma mensagem cheia de saudade para a ex, na madrugada, a culpa foi do álcool ou do seu coração? E aquele outro dia em que você sensualizou com cadeira na festa de formatura, a culpa foi do álcool ou do fato de você estar se achando a gostosa do baile? E aquele happy hour em que você contou que a chefe está de caso com o rapaz do almoxarifado, a culpa foi do álcool ou da sua boca de matraca que não aguenta uma fofoca?

Eu mesma numa viagem, lembro que mandei uma mensagem num grupo de amigos dizendo que estava tomando um drinque para me encher de coragem e comprar uma bolsa carésima, que eu tinha amado. Eu sabia o que estava fazendo, só precisava de coragem. Uma coragem que o álcool dá artificialmente.

Foi isso que dr. Bartholow descobriu, que parece meio óbvio e no fundo muita gente já sabia. Ao contrário do que gostaríamos de acreditar, a gente sabe direitinho o que faz quando bebe demais. O estudo concluiu que o álcool muda a forma como o cérebro processa as besteiras que a gente, depois de beber e fazer, chama de besteira.

É como se ele desativasse o alarme que nos mantem alertas e diminui naquele momento sentimentos de culpa, vergonha e remorso. Então a gente vai lá, liga, manda mensagem, faz a fofoca, sensualiza com a cadeira, compra a bolsa cara, e só, então, depois que passou a pileque, morre de vergonha, remorso, culpa. E põe a culpa na bebida.

Eu brinco que fico rica quando bebo. Tem gente que fica corajoso. Tem gente que fica cara de pau. Tem gente que fica agressivo. Tem gente que fica facinho. Usar o álcool como álibi é confortável. A gente pode até enganar os outros, mas não engana a si próprio.

No fundo, você sabe que mandaria a mensagem, faria a fofoca, dançaria em cima da mesa, com a cara limpa mesmo, se não tivesse medo de ser julgado por quem quer que fosse ou que sua atitude tivesse consequências diferentes das esperadas. Mas não é assim.

Eu encaro o álcool como o soro da verdade para muita gente que é meio travada e precisa de um empurrão parar falar, agir e ser como gostaria.

Infelizmente usar a desculpa do álcool não cola no meu caso faz tempo. Mesmo sóbria, sempre fui mais sincera e impulsiva do que deveria. Doa a quem doer. Às vezes dói em mim. Às vezes nos outros. Tem um preço, mas ainda acho que mais vale a ressaca de ser verdadeiro do que se valer de álcool para ser de verdade.




Malvados - André Dahmer


PÉSSIMAS INFLUÊNCIAS  -  ESTELA MAY





Allan Sieber







Ricardo Coiumbra

Leandro Liporage
Will Tirando



Conto de índigo adaptado para a Sala de E-Star do  www.teatroparaalguem.com.br

Sinopse:
Brasileira toma um porre num bar em Buenos Aires e começa a questionar seus padrões comportamentais.

Texto: índigo
Com: Maria Manoella
Participações: Carolina Leiderfarb, Danilo Marques, Paulo Bordhin
Direção: Renata Jesion
Direção de Fotografia: Nelson Kao


Malvados - André Dahmer
Adão Iturrusgarai


Caco Galhardo


por um rock and roll mais alcoolatra e inconsequente


Onde homens e chimpanzés dividem o bar - Fernando Reinach


Macacos embriagados são personagens comuns no folclore de diversas comunidades. Mas existem poucos exemplos comprovados do apreço desses animais pelo álcool. Em St. Kitts, no Caribe, uma colônia de macacos surrupia copos de bebida diretamente da mesa dos turistas. Mais tarde são vistos vagando bêbados pelas redondezas. Mas seu comportamento pode ter sido incentivado pela convivência com os humanos. Agora os cientistas comprovaram que chimpanzés em seu hábitat natural bebem, bebem muito, e gostam de beber.
Todas as comunidades humanas que têm acesso a sucos de vegetais ou outros líquidos que podem ser fermentados consomem bebidas alcoólicas. Bebemos com prazer porque temos uma mutação na enzima que metaboliza o etanol.
Nossa enzima é 40 vezes mais eficiente que a versão que existe em outros mamíferos. Como metabolizamos o etanol rapidamente, logo que é ingerido, ele se transforma em alimento e serve como fonte de energia para nosso corpo. Essa mesma enzima, diminuindo rapidamente a quantidade de etanol no sangue, nos obriga a ingerir mais etanol para ficarmos felizes, e facilita nossa recuperação depois de um porre. Se não tivéssemos essa mutação ficaríamos bêbados com pouco álcool e demoraríamos muito para nos recuperar. É o que ocorre com os outros animais. Para eles, o álcool não é uma fonte de energia.
Em 2014, foi descoberto que essa mutação surgiu faz ~10 milhões de anos, antes de nossa espécie se separar dos macacos. Ela surgiu em algum ancestral comum, uma espécie que deu origem ao homem e aos chimpanzés modernos. O resultado desse aparecimento precoce é que essa mesma mutação também está presente em todos os chimpanzés modernos. E aí os cientistas se perguntaram se os chimpanzés têm essa mutação, porque não se aproveitam dessa resistência ao álcool e não tomam umas biritas? E começou a busca pelos chimpanzés bebuns.
Bossou é uma pequena vila no Sul da Guiné, no ponto em que Guiné, Libéria e a Costa do Marfim se encontram. Lá os humanos (Homo sapiens) dividem o território com os chimpanzés (Pan troglodytes verus) e com uma palmeira (Raphia hookeri). Essa palmeira produz uma seiva doce que fermenta rapidamente e é consumida por chimpanzés e seres humanos. Nos últimos 17 anos, cientistas que estudam chimpanzés também passaram a habitar a região. E a se deliciar com a bebida produzida pelas palmeiras. E aí, para juntar o útil ao agradável, passaram a estudar o consumo de álcool pelos chimpanzés.
Atualmente, os humanos da região colocam vasilhas plásticas nas palmeiras para coletar a bebida. As vasilhas são colocadas entre 6 e 8 horas da manhã. O líquido é recolhido entre as 16 e as 18 horas e consumido imediatamente (ninguém é de ferro). Fora desse horário o território pertence aos chimpanzés, que defendem sua fonte de felicidade com certa agressividade. Os cientistas mediram a quantidade de álcool presente na bebida. Ela varia durante o dia, mas vai de 3% a 10%, algo um pouco inferior ao que existe em um vinho ou numa cerveja. 
O interessante é que os chimpanzés rapidamente aprenderam a beber das vasilhas plásticas colocadas pelos humanos. Eles usam folhas de árvores como colheres ou esponjas. Os cientistas filmaram esses chimpanzés e descobriram que eles bebem em grupo no topo das palmeiras. Eles se servem de aproximadamente 9,7 porções por minuto, e cada porção contém aproximadamente 10 a 50 mililitros. Ou seja, eles bebem de meio copo a meio litro de líquido fermentado por minuto. Como conservadoramente o líquido fermentado contém 3% de álcool, a quantidade de álcool ingerida é da mesma ordem de magnitude da consumida por um ser humano, em um bar, no final da tarde. E o mais interessante é que os chimpanzés que gostam de beber são sempre os mesmos, eles voltam às palmeiras todos os dias com seus amigos para beber (não se sabe sobre o que eles conversam). Os chimpanzés jovens são introduzidos a esse ritual ainda na adolescência. 
Nessa comunidade, os humanos montam o bar de manhã, os chimpanzés se servem durante o dia, e os humanos consomem o que sobra no final da tarde. E essas duas espécies, que têm a mesma mutação que permite que apreciem o álcool, vivem felizes e ligeiramente embriagadas no coração da África.


Animais bêbados de amarula 





cerveja barata - rock rocket




Frank e Ernest - Bob Thaves





Malvados - André Dahmer






João Pinheiro
https://www.facebook.com/joaoppinheiro


COWBOYS ESPIRITUAIS a cerveja de cada dia (reny/garcia/dalsanto)





























Santo Arnulfo de Metz, o padroeiro dos cervejeiros!



Arnulfo nasceu na Áustria em 580 e, desde pequeno, sentiu o chamado à vida religiosa. Tornou-se monge beneditino ainda jovem, foi nomeado abade algum tempo depois e, finalmente, com apenas 32 anos, se tornou bispo de Metz, na França.

E foi em Metz que, devido à peste que contaminava a água e matava a população às centenas, o bispo Arnulfo precisou incentivar os fiéis a consumirem cerveja a fim de evitar a água cheia de germes: é que, no processo de elaboração da bebida, os germes eram eliminados.
Em 627, Santo Arnulfo se retirou ao mosteiro de Remiremont, onde passaria o resto da vida. Certo tempo depois da sua morte, ocorrida em agosto de 641, o povo de Metz pediu a exumação e o retorno do corpo àquela cidade.
Conta a lenda que, ao carregarem de volta o corpo do bispo, os fiéis cansados entraram numa taberna para comprar cerveja, mas só acharam uma garrafa e precisaram compartilhá-la. Para seu espanto, porém, a cerveja daquela garrafa não acabava nunca! É por conta dessa tradição que a Igreja considera Santo Arnulfo o padroeiro dos cervejeiros.
Sua data é comemorada em 18 de julho, mas, sempre com a devida moderação e temperança, a cerveja pode ser consumida para acompanhar celebrações alegres e justas em qualquer dia do ano. Agora, se você tem problemas com o álcool, aproveite a data para renovar o seu propósito de autocontrole e responsabilidade: não beba e saiba transformar esse pequeno sacrifício num ato meritório de virtude e superação. Afinal, a cerveja é boa, mas a vida sadia de corpo, de mente e de espírito é melhor ainda. Saúde!

Bebendo vinho - Wander Wildner



Daniel Lafayette



Adão Iturrusgarai





VIVER DÓI   -   FABIANE LANGONA


Recruta Zero - Mort Walker






André Dahmer


 

Ira! - Bebendo Vinho


Glicose do afeto - Fabrício Carpinejar


Bêbado tem dono, sim. Tem endereço. Tem memória. E merece todos os cuidados.

Quem abusa de bêbado já extraviou o caráter. Quem troça de bêbado não guarda lembrança dos extremos da adolescência e da fragilidade do corpo. Quem zomba de bêbado não enfrentou a severa humildade de dormir abraçado numa privada.

Não se fica com mulher embriagada ou que não responde pelos seus atos. É covardia, golpe baixo, desaforo. O que se deve fazer é dar carona e largá-la em casa – nada mais do que isso. Sedução requer igualdade de condições. Se ela não desfruta de equilíbrio para rejeitá-lo, não resta prêmio em conquistá-la. Zerar na noite é melhor do que não poder se olhar no espelho de manhã.

Não é homem aquele que se aproveita do porre alheio para tirar vantagem. Não cultiva o próprio respeito. Não conta com a mínima compreensão de solidariedade, de educação, de decência (palavra em desuso, infelizmente).

Bêbado é um cachorro atravessando a BR – precisamos diminuir a velocidade para não atropelar.

Não existe nenhuma graça de ver alguém cambaleando, derrubando copos e objetos em dança suicida. O riso excessivo é enganador, significa descontrole, deixou de ser divertido há quatro copos. O sofrimento se expressa também na comédia.

Sempre que um amigo passa de seu limite na bebida, eu sereno imediatamente. Acordo impulsivamente do efeito do álcool.

Um amigo em apuros é o meu café, o meu guaraná cerebral. Desperto de qualquer torpor. Não acentuo o constrangimento e não finjo euforia para cavar confissões e frases engraçadas.

Não debocho dele. Ele não se torna uma piada pela fala presa, pelos tombos ou gafes desesperadas. Não o exponho para os outros. Falo cada vez mais com calma, soletrando, explicando o que está acontecendo e que é recomendável recuar com água ou refrigerante. Sou o chato, sou o careta, sou o pai de meu comparsa, sou a figura que ele vai odiar na balada e chamar de estraga-prazer. Pois tentarei ajudar enquanto ele somente busca enlouquecer. Meus ombros serão passarelas, jamais permitirei que ele seja um mico de auditório, ainda que eu cumpra o papel desagradável de leão de chácara.

É o meu momento de protegê-lo de si mesmo – seu pior inimigo.
Malvados - André Dahmer

Hagar - Dik Browne
     

 Recruta Zero - Mort Walker

Um chopp e a conta - Mariliz Pereira Jorge


A cena se repete com uma frequência enlouquecedora. Eu peço uma taça de vinho ou uma cerveja, meu marido (por causa de duas gastrites) escolhe um mate ou um refrigerante. Outro garçom traz as bebidas até a mesa. Vinho para ele, refrigerante para mim.

Na hora da conta a mesma coisa. Ela sempre aterriza na frente dele, nunca na minha. É sempre assim. Em 100% das vezes. O senso comum é de que o homem bebe, a mulher nem sempre. Muito menos se o homem não beber. Se apenas um dos dois optou pelo álcool, nunca é a mulher. O garçom nem pensa.

Ele vai lá, serve o suco de graviola para a mulher e a cerveja para o homem, porque sempre foi assim e parece continuar assim. Ele vai lá e dá a conta para o homem pagar, porque sempre foi assim.

Sempre foi assim, mas não é mais assim faz muito tempo. E são esse pequenos detalhes no dia a dia que mostram porque é tão difícil que mudanças ainda mais significantes aconteçam de forma sistemática. Se álcool ainda é coisa de homem, imagine o resto.

A internet está cheia de páginas cretinas que vão além do "não mereço mulher rodada". Tem também "não mereço mulher que fuma", "não mereço mulher que usa tatuagem", "não mereço mulher que bebe".

E o tratamento que recebemos em campanhas publicitárias e nos bares reforça que beber é coisa de homem. Como consumidoras somos apenas coadjuvantes aos olhos de garçons e donos de estabelecimentos. Como consumidoras somos apenas uma bunda dura e um sorriso esbranquiçado aos olhos dos fabricantes de bebida.

Todos querem nosso dinheiro, nosso consumo e nossos 10%. Ninguém parece interessado no que queremos. Custa muito perguntar "de quem é a cerveja"?

Esses profissionais não têm mãe, namorada, mulher, colegas, amigas? Essas mulheres não tomam cerveja no happy hour, vinho no jantar, viram shots de tequila na balada?

O consumo de bebida alcoólica entre as mulheres é o que mais cresceu, segundo dados do Lenad (Levantamento Nacional de Álcool e Drogas). Do último estudo para cá o aumento foi de 34% entre o público feminino.
Até os 35 anos, as mulheres bebem cerveja tanto quanto homens acima dessa idade.
Quanto maior a escolaridade, maior o consumo entre as mulheres. O que significa que não apenas estamos bebendo mais, como podemos pagar a conta também. Nunca fez tanto sentido o ditado popular de que "antigamente as mulheres cozinhavam como as mães, hoje bebem como os pais".
E isso já vem de mais tempo. Meu pai, por exemplo, não bebe. Meia caipirinha já é o suficiente para deixá-lo alegrinho. Minha mãe gosta de uma taça de vinho ou de um choppinho no fim do dia. A confusão do garçom com a bebida acompanha os dois a vida inteira. O que não falta é mulher que vive a mesma saia-justa.
A meu ver, há outro preconceito: o de que o homem sempre bebe. Para o senso comum beber é sinal de virilidade. Basta ver as competições perigosas de quem entorna mais, promovidas por centros acadêmicos. Basta ver a reação das pessoas quando um homem diz que não bebe. Como assim? Está doente? Fez promessa?
E antes que alguém venha dizer que estou fazendo apologia ao álcool, entendam que falo sobre o consumo saudável e recreativo. Mas falo principalmente de uma questão comportamental. Do machismo bobo e distraído por trás dessas atitudes.
O números de mulheres que bebem é cada vez maior. E enquanto nos ignoram, o número cresce ainda mais. E, se continuarem nos ignorando, mudaremos de bar, de restaurante. E pode deixar a conta aqui que eu mesma pago. Sem os 10%.


Adão Iturrusgarai






Benett








Antes e depois - Luis Fernando Verissimo


A receita consagrada para um, digamos, congresso sexual - ou, usando o termo cientifico, “aquilo” - era: um uísque antes e um cigarro depois. Mas é claro que isso podia variar, de acordo com as circunstâncias e os participantes. Um tímido, por exemplo, precisaria de 17 uísques antes e um Engov depois. Um sofisticado? Um champanhe gelado com duas gotas de Granadino antes e um tango no parapeito depois.
*
Outros:
O apressado: meio uísque antes e desculpas depois.

O cauteloso: um copo de água para ela tomar a pílula antes e um nome falso depois.
O metódico: o pijama cuidadosamente dobrado antes e um gargarejo depois.
O anticonvencional (ou tarado): um cigarro antes e um uísque depois.
O voyeur: uísques para todo o mundo antes e cigarros para todos depois, dependendo do desempenho de cada um.
Para sexo grupal: um uísque só com gelo, um uísque com água, dois martinis, um campari, duas Vodca Sour e refrigerantes antes, cigarros para quem quiser depois.
*
O guloso: uma feijoada antes, uma congestão depois.
O insaciável: um uísque antes e um cigarro dali a dois dias.
O descuidado: um uísque antes, cigarros durante e um extintor de incêndio depois.
O intelectual: três uísques antes, uma história picante durante ou, em vez de, teses sobre o libido segundo Freud depois.
O azarado: um uísque falsificado antes, a chegada do marido durante, um armário pequeno demais para se esconder depois.
O distraído: um uísque antes de dormir.
*
O atleta: uma laranjada antes, um exame antidoping depois.
O confuso: um uísque em cima da hora, um cigarro no meio, cinzas por toda a cama e uma mulher gritando “Assim não dá!” depois. 
O descansado: vários uísques e salgadinhos antes, um cigarro no intervalo.
O remediado: uma cachaça antes e um toco de cigarro depois.
O lorde inglês: um uísque sem gelo, um bom cachimbo, antes, e... “Por favor, querida, hoje não”.
*
O nostálgico: uma Cuba Libre antes e um Hollywood depois, ouvindo o Chubby Checker.
O inseguro: uma gemada antes e um carnaval depois.
O exagerado: um porre antes e foguetes depois.
O conversador: um uísque, um bom papo, outro uísque, mais papo, e... “Meu bem, acorda”.


Malvados - André Dahmer







Recrut Zero - Mort Walker






Hagar - Dik Browne






Caco Galhardo


Adão Iturrusgarai










Larissa, Nilton, Andressa, Carlos e Geraldo – Fábio Chap


Larissa bebe bem pra caralho. Diz que dá pra dirigir certinho quando tá muito louca. É só fechar um dos olhos. Aí você não vê nada duplicado. Dia desses o bar da faculdade estava divertido demais pra não ser aproveitado. Quatro vodkas. ‘Vambora, Nat’. ‘Cê tá muito louca, amiga; deixa eu dirigir.’ ‘Não, eu tô bem, vamo’. E foram. O carro: capotado depois de quatro minutos. Meteu o acelero onde não dava, na curva viu que o carro não freiava e depois não viu é mais nada. Desmaiou. Acordou no hospital com ponto na testa. Perda total. Sóbria, dirigia tranquila e muito bem, quando chapava, era mais de 100 por hora na reta.
Já fazia muitos anos que Nilton não falava com a irmã, mas as mágoas estavam prestes a serem esquecidas numa festa da família. Naquele dia voltaram a se falar. Pra comemorar, Nilton tomou todas cervejas que viu e umas que só mais tarde foram chegar. Nilton bebia porque estava feliz, o exagero era a via pra comemorar. No fim da noite estava bambeando. Brigou com a irmã, xingou o cunhado, foi pra cima da filha. Saiu do trilho da sanidade. Nilton, pra falar a verdade, só sabe ser só.
Carlos se garantia no emprego. Se gabava de fazer bêbado tudo tão perfeito quando fazia sóbrio. Limpava o torno, operava empilhadeira, fazia parecer brincadeira consertar uma prensa. Sua licença poética era tomar uma cachaça na hora do café e na hora do almoço. Num dia em que passou da conta, teve feijoada e caipirinha, conhaque e bombeirinho. No retorno do almoço logo teve acidente e alvoroço. Carlos perdeu parte do seu braço num crasso acidente de trabalho: Carlos não desligou o torno antes de limpá-lo. A lâmina fez um estrago do caralho.
Andressa é premiada diretora de criação. Seus hobbies favoritos são vinho e solidão. Criar, beber, pintar, beber, comer e beber. Bebe pra esquecer da mãe depressiva, do pai agressivo, da irmã doente e do ex-namorado que ficou cansado do excesso de álcool e caiu fora, não sem tentar inúmeras vezes atenuar os explosivos momentos de Andressa. Ela tem a vida presa em uma garrafa. Está desempregada pois a agência não mais permitiu ela trabalhar alcoolizada. Agora ela bebe pra esquecer a mãe, o pai, o ex, o desemprego, a solidão e o excesso. Cada gota, um retrocesso.
Geraldo é sucesso na produção da favela. Produz eventos, organiza show, teatro e agiliza um trago. Todo dia é um pega no beck e uma troca de ideia sobre a plantinha que tava criando. Geraldo é correria. Monta palco, testa o mic, liga aqui, atende acolá. Ele acredita que festa foi feita pra legalizar. Tá sempre com a seda no bolso e dixavis no esquema. Sem causar nenhum problema dá seu pito, oferece aos amigos e suaviza na cerveja. Toma duas pra ficar maneiro e o resto é do green pra tudo ser na tranquila. Na volta pra casa a lei é parar no Mc; mandar um Quarterão, batata média e uma Fanta Uva.
Larissa tá internada com 10 pontos na testa. Nilton envergonhado de ter afastado, mais uma vez, a família. Carlos, amputado. Andressa com a ponta da faca no pulso, quer que esse seja seu último choro na vida. Geraldo está dormindo de barriga cheia, mal sabe que sua rua tá cheia de polícia. Geraldo vai ser preso pelos três pés de maconha que tem em casa. Planta pra ele próprio, mas foi denunciado por um vizinho não muito chegado. Vizinho que acabou de bater na mulher e vai mais uma vez dar a esfarrapada desculpa de que estava embriagado.
A sociedade diz que Larissa, Nilton, Carlos e Andressa precisam de tratamento, só estão um pouco perdidos. Mas Geraldo; pra sociedade o parça Geraldo é um legítimo bandido.















 Nadia Snopek


Redução de danos não existe para um alcoólatra - Alice S.


Abstinência alcoólica é uma das coisas mais terríveis pelas quais já passei.

A primeira vez que sofri terrivelmente devido a uma bebedeira foi quando bebi uma garrafa de gim e algumas outras coisas. Naquele dia, eu menti: disse para minha mãe que não tinha posto nenhuma gota de álcool na boca. Mais tarde encontrei minha irmã e ela ficou muito, mas muito brava. Na hora percebeu meus olhos e meu andar e disse: Meu Deus, Alice, é claro que você bebeu.

Esse episódio me custou caro. Decidiram me internar.

Acontece que, quando estávamos indo para a clínica, caiu uma chuva que fez com que nenhum carro andasse e a minha internação ficou para o dia seguinte. Minha mãe e minha irmã ficaram muito bravas e me trancaram no quarto de dormir das crianças, quer dizer, dos meus sobrinhos. Quando a euforia passou, bateu a abstinência, o mal-estar. Suava muito e não conseguia posição para dormir. Passei a noite em claro, querendo muita água e talvez um banho. Mas estava trancada e a cada batida na porta que eu dava, levava uma bronca. Estava sozinha e com muito medo.

Parar de beber sempre era um desafio. E eu parei de beber algumas vezes, só que nunca resistia ao tranco e bebia. Isso porque o álcool não sai fácil do corpo. Minha impressão era de que meu sangue tinha se transformado em álcool. Sempre doía o peito, me dava falta de ar, mal-estar e uma depressão imensa.

Uma vez uma amiga disse: "É muito drástico o que você faz. Não precisa zerar o álcool da sua vida, vai diminuindo, moderando". Só quem não tem nenhum problema com o álcool pode dizer isso. Já ouvi a mesma coisa de psiquiatras. A famosa "redução de danos". Isso não existe para o doente alcoólico. É preciso zerar, aguentar as abstinências devastadoras e esperar a calmaria.

Quando a calmaria chega, é muito comum voltar a beber. A memória do bêbado é curta.

Acho que fiquei nesse ioiô de beber, parar e voltar, por uns dez anos. No fundo eu sabia que aquele retorno à bebida iria me provocar imensa dor, mas fingia que estava tudo bem. O inferno batia à porta.

Imagina dez anos da vida nesse desgaste emocional?

Nem sei dizer ao certo tudo que representou esse período. Tive muitas perdas, menti demais. Inventava doenças que não tinha, falava que algum parente tinha morrido, mentiras sem conta. Perdi amizades, trabalhos e hoje me envergonho muito. Acredito que todo alcoólatra passa por isso. Dia desses estava em uma reunião online de Alcoólicos Anônimos e um companheiro tinha recaído. Ele não abriu a câmera e disse em seu depoimento que estava muito envergonhado e não conseguia mostrar a cara. Todos entenderam e acolheram.

Abstinência é uma coisa muito séria. Fiquei super incomodada quando vi o marketing para a peça de Barbara Gancia. Depois de um tempo fora de cartaz, a peça está sendo reencenada. A legenda do Instagram falava algo como: "Vocês estavam com abstinência da peça? Nós voltamos". Além dessa frase de gosto duvidoso, havia um desenho de um copo de bebida.

Não tem graça nenhuma. Vão dizer que levo tudo a sério. Não é verdade, mas brincar com a doença não dá. Sou caxias quanto a isso. Sei do sofrimento que o alcoolismo pode trazer para a pessoa.







Ricardo Manhães

Renan Cesar


Malvados - André Dahmer




 

Adão Iturrusgarai

Will Tirando





Variação sobre um poema de Bukowski - Fabrício Corsaletti


ela chegou de táxi
completamente bêbada
depois de uma das minhas noites
como garçom
no Outback Steakhouse
e lá estava eu
cansado e tomando cerveja
enquanto olhava seu corpo estendido
no sofá da sala
a saia erguida até o meio da coxa

quando terminei a
segunda lata
me aproximei e
levantei a saia ainda mais alto -
que visão
o arco do quadril
brilhando contra a luz
e as pernas gloriosas
queimadas pelo sol
era uma grande mulher com grandes
pernas

fizemos uma baita
farra e passamos por muita
merda juntos
durante alguns anos

mas ela achava a vida dura demais
e morreu atropelada
aos 26

nunca mais vi
pernas como aquelas
e nunca mais
deixei de
procurar










Céllus Marcello Monteiro
Galvão Bertazzi

Evandro Alves


Malvados - André Dahmer




Adão Iturrusgarai




Nani




Embriaga-te – Charles Baudelaire

Deve-se estar sempre bêbado. Está tudo aí: é a única questão. A fim de não se sentir o fardo horrível do Tempo que parte tuas espáduas e te dobra sobre a terra, é preciso te embriagares sem trégua.
Mas de quê? De vinho, de poesia ou de virtude, a teu gosto. Mas embriaga-te.
E se alguma vez, sobre os degraus de um palácio, sobre a verde relva de uma vala, na sombria solidão de teu quarto, tu acordas com a embriaguez já minorada ou finda, peça ao vento, à vaga, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo aquilo que foge, a tudo aquilo que geme, a tudo aquilo que gira, a tudo aquilo que canta, a tudo aquilo que fala, pergunte que horas são; e o vento, a vaga, a estrela, o pássaro, o relógio, te responderão: “É a hora de se embriagar! Para não ser como os escravos martirizados no Tempo, embriaga-te; embriaga-te sem cessar! De vinho, de poesia ou de virtude, a teu gosto.”
.
XXXIII
Enivrez-vous
Il faut être toujours ivre. Tout est là: c’est l’unique question. Pour ne pas sentir l’horrible fardeau du Temps qui brise vos épaules et vous penche vers la terre, il faut vous enivrer sans trêve.
Mais de quoi? De vin, de poésie ou de vertu, à votre guise. Mais enivrez-vous.
Et si quelquefois, sur les marches d’un palais, sur l’herbe verte d’un fossé, dans la solitude morne de votre chambre, vous vous réveillez, l’ivresse déjà diminuée ou disparue, demandez au vent, à la vague, à l’étoile, à l’oiseau, à l’horloge, à tout ce qui fuit, à tout ce qui gémit, à tout ce qui roule, à tout ce qui chante, à tout ce qui parle, demandez quelle heure il est et le vent, la vague, l’étoile, l’oiseau, l’horloge, vous répondront: “Il est l’heure de s’enivrer! Pour n’être pas les esclaves martyrisés du Temps, enivrez-vous; enivrez-vous sans cesse! De vin, de poésie ou de vertu, à votre guise.”
– Charles Baudelaire, em “Poetas franceses do século XIX”. [organização e tradução José Lino Grünewald]. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991











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