Meu nome é Emanuel. Há tempos, eu pensava em criar um blog sobre leitura mas não encontrava o nome.
"Crônicas Recolhidas e Cia Ilimitada" é, por enquanto, o nome provisório do blog. Além das crônicas, artigos de opinião, contos e poemas terão seu espaço aqui.
Sempre que possível, além do texto, serão incluídos links e/ou imagens relativos ao tema.
O Alfredo contou para o Binho que estava escrevendo um livro sobre o nosso tempo. O Binho entendeu que o Alfredo estava escrevendo sobre o nosso tempo no sentido, assim, de O Nosso Tempo. O século 20. A era moderna. Mas o Alfredo esclareceu:
– Não, não. O nosso tempo. Nosso, da turma. A nossa juventude. Depois disse: – Nós aprontamos algumas, hein Binho?
O Binho fez uma cara de “sei não”.
O Régis ficou sabendo do livro pelo Binho e telefonou para o Alfredo. Era verdade que o Alfredo estava escrevendo um livro sobre a turma, sobre “aquele nosso tempo”? Era, confirmou, o Alfredo.
– Romanceado? – perguntou o Régis.
– Como, romanceado?
– Você vai usar os nomes verdadeiros?
– Claro. – Você acha? – Por que não? Tem histórias fantásticas. Aquela vez em que nós fomos com a Maria Estela pra...
– Alfredo, usa pseudônimo!
Quem procurou o Alfredo não foi a Maria Estela. Foi o Argeu, que, apesar de tudo, tinha casado com a Maria Estela. Queria saber sobre o livro.
– Não tem nada demais – começou a dizer o Alfredo.
Argeu o interrompeu. – A Maria Estela faz muito trabalho na igreja.
– Sim, mas...– Não põe a Maria Estela no livro, Alfredo.
O próximo foi o Pinto, que não fez rodeios. – Que história é essa de livro?
– Pois é. Estou pensando em escrever sobre aquele nosso tempo. Acho que tem algumas histórias...
– A da galinha no velório, por exemplo?
– É. Essa é uma delas. – Não bota o meu nome.
– Mas você foi um dos que...– Não bota o meu nome. Ou bota um pseudônimo.
– Mas foi uma coisa de adolescente, perfeitamente...
– Você sabe o que eu sou hoje, Alfredo? E você se lembra de quem era o velório?
– Mas...– Quer um conselho? Esquece esse livro.
O Alcides disse que era uma boa ideia escrever o livro, que o livro resgataria uma época, que seria divertido e ao mesmo tempo importante, que muitas gente ia se lembrar do seu próprio passado lendo o livro, e meditaria sobre as loucuras e os sonhos perdidos de uma geração, e que o Alfredo devia, sim, escrever o livro – desde que não o citasse. Explicou que sua terceira mulher tinha uma carreira e que o livro poderia prejudicá-la. E, além do mais, ele já era avô.
– Pô, Capitão – disse Alfredo. – Capitão?
– Você não se lembra? Seu apelido na turma era Capitão Fumaça.
– Sabe que eu não me lembrava?
Alfredo decidiu reunir a turma para falar na sua ideia para o livro. Explicou que ele mesmo financiaria a edição. O que significava que seria uma edição pequena, que sua circulação seria restrita, que poucas pessoas leriam.
Explicou que sua intenção era capturar um momento na vida deles, da turma. Para que todos pudessem lembrar “aquele nosso tempo”. O tempo em que todos eram jovens, e o que eles sentiam, e pensavam, e tinha aprontado. Ninguém seria prejudicado, só se divertiriam. Tudo tinha acontecido há muito tempo. Como se fosse em outro país. E com o tempo, disse Alfredo, tudo vira literatura. Mesmo com os nomes verdadeiros.
Aí o Pinto disse: – Tá doido.
E o Régis disse que se o livro saísse com o nome dele, ele processava. E o Argeu anunciou que e Maria Estela fosse mencionada, embargaria a edição. E a Suzaninha disse que queria mais era esquecer o seu passado, mas se o Alfredo insistisse em escrever o livro de qualquer maneira, queria que seu pseudônimo fosse Tatiana.
"Oração ao Tempo" - Mariana Nolasco
Ter ou não ter – Luis Fernando
Verissimo
Vida, tome nota, é o nome
que se dá à passagem de ainda não ter idade para não ter mais idade. Às vezes
me pego pensando no que vou ser quando crescer e me dou conta de como minhas
opções diminuíram. Não tenho mais idade para ser nada. Só me animo quando
escolhem um novo papa e todos na lista de prováveis candidatos estão perto dos
80. Ser papa é uma das poucas coisas a que ainda posso aspirar. Mas não sou nem
cardeal.
Aliás, nem religioso.
Minha única credencial para o cargo é a idade. Devo ter deixado minha fé no
bolso da fatiota azul, de calças curtas, com que fiz minha primeira comunhão.
Invejo quem tem fé, mas minha religião particular, uma espécie de panteísmo
urbano (devoção por pastéis de carne e boas livrarias e a crença de que há,
sim, um deus: o oboé, que além de ser um instrumento maravilhoso é o que afina
todos os outros).
E penso com saudade nos
bons tempos em que, em vez de não ter mais idade, ainda não a tínhamos. E
sonhávamos com tudo o que viria, quando tivéssemos. Entrar em filme proibido
até 14 anos. Beber e fumar. (O importante não era a bebida e o cigarro, era a
pose que os adultos faziam bebendo e fumando.
Eu não via a hora de ficar
adulto para poder bater com a ponta do cigarro na minha cigarreira prateada.
Ficar adulto era adquirir a pose. Ainda não ter idade significava não beijar
como beijavam nos filmes proibidos até 14, já que nos proibidos até 18 ninguém
sabia o que acontecia. Já ter idade significava poder ficar acordado até mais
tarde, ganhar a chave da casa, eventualmente até deixar crescer um bigodinho.
Ainda não ter idade era
como ficar pinoteando no partidor, indócil, como um cavalo esperando a largada.
Não ter mais idade é ficar com esta impressão de que até um ato de revolta por
tudo o que não fizemos quando tínhamos idade e agora não dá mais não seria
apropriado para a nossa idade. Vida é essa lenta transformação de uma frase, de
ainda não ter idade a não ter mais idade. Ou de poder ser, teoricamente, tudo
que se sonhasse no futuro, ou só poder ser, teoricamente, papa. E por pouco
tempo.
Maria Gadú - "Oração ao Tempo"
PÉSSIMAS INFLUÊNCIAS - ESTELA MAY
Malvados - André Dahmer
cidadão instigado - o tempo
Cidadão Instigado - O TempoHoje eu seio que fazer pra perdoar vocêhá um motivo escondido no meu coraçãoque não se cansa de me machucare me lembrardas coisas tolas e perdidas que você criousim penseicomo deixamos estender nossa desilusãonão deveria ter vivido tanto tempo assimsem o teu amorolha pra mimeu já não sou mais o meninoque você deixoumas o tempoé um amigo preciosoque fica sempre observando aquele instanteem que alguém tentou se aproximarmas o tempoé um amigo preciosoque faz questão de jogar foraaquela mágoa vencida que ficousofropor não ter pensado em te dar um descontopus o rancor pra cuidar de tudoe vi que a vida mudou num segundoàs vezes choropois sei que não posso deixar que o passadoinvada meu mundolembrei do perdãoe vi nós doisconstruindo um futuro.
Bárbara Eugênia - O Tempo
O Envelhescente - Mário Prata
Se você tem entre 50 e 70 anos, preste bastante
atenção no que se segue. Se você for mais novo, preste também, porque um dia
vaichegar
lá. E, se já passou, confira.
Sempre me disseram que a vida do homem se dividia
em quatro partes: infância, adolescência, maturidade e velhice. Quase correto.
Esqueceram de nos dizer que entre a maturidade e a velhice (entre os 50 e os
70), existe a ENVELHESCÊNCIA.
A envelhescência nada mais é que uma preparação
para entrar na velhice, assim com a adolescência é uma preparação para a
maturidade. Engana-se quem acha que o homem maduro fica velho de repente, assim
da noite para o dia. Não. Antes, a envelhescência. E, se você está em plena
envelhescência, já notou como ela é parecida com a adolescência? Coloque os
óculos e veja como este nosso estágio é maravilhoso:
— Já notou que andam nascendo algumas espinhas em
você?
— Assim como os adolescentes, os envelhescentes
também gostam de meninas de vinte anos.
— Os adolescentes mudam a voz. Nós, envelhescentes,
também. Mudamos o nosso ritmo de falar, o nosso timbre. Os adolescentes querem
falar mais rápido; os envelhescentes querem falar mais lentamente.
— Os adolescentes vivem a sonhar com o futuro; os
envelhescentes vivem a falar do passado. Bons tempos...
— Os adolescentes não têm idéia do que vai
acontecer com eles daqui a 20 anos. Os envelhescentes até evitam pensar nisso.
— Ninguém entende os adolescentes... Ninguém
entende os envelhescentes... Ambos são irritadiços, se enervam com pouco. Acham
que já sabem de tudo e não querem palpites nas suas vidas.
— Às vezes, um adolescente tem um filho: é uma
coisa precoce. Às vezes, um envelhescente tem um filho: é uma coisa pós-coce.
— Os adolescentes não entendem os adultos e acham
que ninguém os entende. Nós, envelhescentes, também não entendemos eles.
"Ninguém me entende" é uma frase típica de envelhescente.
— Quase todos os adolescentes acabam sentados na
poltrona do dentista e no divã do analista. Os envelhescentes, também a
contragosto, idem.
— O adolescente adora usar uns tênis e uns cabelos.
O envelhescente também. Sem falar nos brincos.
— Ambos adoram deitar e acordar tarde.
— O adolescente ama assistir a um show de um
artista envelhescente (Caetano, Chico, Mick Jagger). O envelhescente ama
assistir a um show de uma artista adolescente (Rita Lee).
— O adolescente faz de tudo para aprender a fumar.
O envelhescente pagaria qualquer preço para deixar o vício.
— Ambos bebem escondido.
— Os adolescentes fumam maconha escondido dos pais.
Os envelhescentes fumam maconha escondido dos filhos.
— O adolescente esnoba que dá três por dia. O
envelhescente quando dá uma a cada três dias, está mentindo.
— A adolescência vai dos 10 aos 20 anos: a
envelhescência vai dos 50 aos 70. Depois sim, virá a velhice, que nada mais é
que a maturidade do envelhescente.
— Daqui a alguns anos, quando insistirmos em não
sair da envelhescência para entrar na velhice, vão dizer:
— É um eterno envelhescente!
Que bom.
Tempo - Érica Pontes
Malvados - André Dahmer
Paulo Batista
As família - Luis Fernando Verissimo
No meu tempo... Pronto. Só com este começo espantei metade dos meus 17 leitores. Lá vem ele com reminiscências enquanto Roma arde, devem ter pensado. Nostalgia é fuga. Buuu. Mas como eu dizia quando me interrompi tão rudemente, no meu tempo de torcedor de arquibancada o futebol já não era mais um esporte fino, assistido por moças de chapéu. O futebol tinha se transformado em coisa para homem, literalmente. Era raro ver-se mulher num estádio. Quem levava a namorada a um jogo (irmã, filha, esposa ou mãe, nem pensar) tinha que estar preparado para ouvir de tudo, do fiu-fiu protocolar a comentários lúbricos sobre a sua anatomia. E pronto para brigar, no caso de mão extemporânea na bunda ou alhures.
Mas no meu tempo sobravam alguns resquícios da época em que o futebol começou. Por exemplo: palavrões gritados pela torcida já eram comuns, mas sempre que se ouvia um palavrão ouvia-se outra voz alertando:
– Olha as família...
Era pouco provável que houvesse alguma família por perto, mas os guardiões da moral nunca deixavam de se manifestar. Não se esperava que, em consideração às hipotéticas famílias no estádio, as especulações sobre a filiação do juiz fossem substituídas por algo como “tá cego, seu rameiradescendente?”, mas havia um consenso de que certas palavras não podiam ser ouvidas pelas famílias, ou ao menos pelas mulheres.
Hoje, claro, as famílias vão juntas ao estádio e gritam, juntas, os palavrões. Não há nenhum que elas não conheçam, e já devem ter inventado alguns. E fico pensando naquela voz solitária dos meus dias de torcedor de arquibancada, alertando:
– Olha as família...
Deviam ser homens antigos, os guardiões. Homens fora do seu tempo. Ou talvez se vissem como os últimos resistentes de um mundo em vias de extinção, moralistas já obsoletos desafiando o ridículo de uma causa perdida, as família. Sei lá. André Dahmer
Tempo Perdido - Legião Urbana
Coisas que a gente deveria
fazer antes que seja tarde - Mariliz Pereira Jorge
Ontem, perdi uma pessoa
querida.
E, quando soube da
notícia, pensei em todas as coisas que gostaria de ter dito, mas agora já é
tarde. Quantos cafés, quantas risadas eu gostaria de ter compartilhado com ela,
mas agora já não dá mais.
Difícil a gente não se
afundar naquele tipo de pensamento recorrente que temos quando não há mais
tempo para dizer ou fazer algo. Quantas vezes combino um chope, fico de ligar,
fazer uma visita e tudo morre na intenção, sempre consumida por tantas outros
compromissos menos importantes?
Amanhã pode ser tarde para
um punhado de coisas que deixamos para amanhã.
Lembro que tinha um ritual
semanal de ligar para todas as pessoas de quem mais gosto, mesmo que fosse
apenas para dar um "olá", saber se está tudo bem.
Hoje, a gente passa
semanas sem ouvir a voz de alguém, porque resolve tudo por mensagem ou com um
like aqui e outro acolá num post do Facebook.
Isso não é convivência.
Isso não diminui a distância que vamos nos impondo, mesmo sem querer, de quem
mais gostamos. Acumulamos dia a dia dívidas de carinho, atenção e cuidado.
Colecionamos cicatrizes emocionais porque nos acostumamos a viver de
expectativas que não se concretizam.
Ontem, passei a mão no
telefone e liguei para minha melhor amiga, que mora em outra cidade. Falamos
por 15 minutos. Ela precisava, eu também, foi um carinho no coração. Almocei
com outras duas, que eu não via fazia muito tempo. Foi rapidinho, entre um
compromisso e outro, mas matamos a saudade, vi como a barriga de uma delas, que
espera um bebê, cresceu.
DESCULPAS
Sempre encontramos
desculpas de que a vida está corrida, que os dias passam mais rápido, que os
meses voam, que os anos... nem fale nos anos. Mas a verdade é que a gente
simplesmente deixa a vida passar porque acredita que sempre pode deixar para
amanhã que nem sempre virá.
Pode ser tarde demais para
visitar sua avó, andar de bicicleta com seu pai, conhecer a casa nova de
amigos, passar mais tempo com as pessoas e menos na internet, responder emails,
retornar ligações, mudar de profissão, trancar a faculdade, largar tudo.
Tarde demais para pedir a
sobremesa, a saideira do café, comer bolo no meio da tarde. A gente espera o
momento certo para o vestido, o perfume, a sandália e esquece que o momento
certo é o próximo, que é o que temos de concreto.
Há anos tenho vontade de
fazer um trabalho manual. Coleciono panfletos, anoto endereços de sites, os
amigos me mandam dicas. Já sei que tem um pertinho de casa. Sempre fica para
depois.
Mas nessas horas, quando a
vida de alguém acaba, eu sempre me pergunto o quanto tempo a gente ainda tem
antes que seja tarde pra qualquer coisa. Porque o que a gente faz na maior
parte do tempo é economizar vida para viver no dia seguinte ou talvez um dia.
Um dia que pode ser tarde demais.
Bebel Gilberto - Tanto Tempo
O que fazer da vida –
Martha Medeiros
“O que você vai fazer da
sua vida?” é, antes de uma pergunta, um julgamento sumário, uma crítica
Não tinha nem 10 anos de
idade e era invadida por uma excitação boa a cada vez que alguém me perguntava
o que eu queria ser quando crescesse. Yeah! Estava confirmado que eu iria mesmo
crescer, não era apenas uma hipótese fantasiosa. Eu então respondia: quero ser
aeromoça! Se me acusassem de estar com a cabeça nas nuvens, eu aterrissava:
então quero ser chacrete! Não importava se o desejo se cumpriria, eu
simplesmente idealizava um futuro associado a coisas de que eu gostava, logo,
me imaginava cantora, guitarrista (passava os dias ouvindo Suzi Quatro),
balconista de supermercado (nas brincadeiras, sempre escolhia atender no
caixa), tenista (o esporte da família), psicóloga.
Mentira, eu nem sabia o
que fazia uma psicóloga. Só tinha certeza de que jamais seria médica de nenê.
Queria me livrar do universo infantil e entrar logo no mundo adulto, que me
parecia muito mais divertido.
Até o dia que tive que
encarar o vestibular sem ter a mínima ideia de qual curso escolher. Acabei
optando pela Publicidade porque uma amiga iria fazer também. Já que eu gostava
muito de arte, de criatividade, de escrever, quem sabe não dava pé? Deu. E
ninguém mais perguntou o que eu queria ser quando crescesse porque, afinal, eu
havia crescido. E crescia junto a minha angústia, pois agora a pergunta era
diferente: o que você vai fazer da sua vida?
Esta é uma questão que não
abre os portais da imaginação, não induz ao sonho, ao contrário, procura nos
enquadrar em algo que ofereça um firme suporte existencial. “O que você vai
fazer da sua vida?” é, antes de uma pergunta, um julgamento sumário, uma
crítica: o que você vai fazer da sua vida além de ficar perambulando pelas
noites de sábado, além de programar feriados em Garopaba, além de namorar, além
de fazer estágio não remunerado, além de juntar dólares para viajar, além de
passar as tardes trancafiada no quarto ouvindo música, além de ficar com a cara
enterrada em livros de poesia?
Nada disso significava
fazer alguma coisa da vida, ao menos não da vida que os outros esperavam que
você tivesse, e você também esperaria, se soubesse lidar com assunto tão
complexo. Não sabendo, tocou em frente, porque quem aguarda uma resposta
absoluta não faz nada.
Então você trabalhou,
casou, teve filhos, trabalhou, separou, casou de novo, trabalhou, viajou,
voltou, trabalhou, envelheceu, trabalhou, viajou, voltou, trabalhou e o final
ainda está em aberto.
O que você faz da sua
vida? A mesma coisa que todos, provavelmente. Ocupa o tempo enquanto ainda se
diverte sonhando com o que quer ser quando crescer.
Há 25 séculos Heráclito,
“o obscuro”, dizia que um homem não pode se banhar duas vezes no mesmo rio.
“Tudo flui”, ensinava. E há 25 anos algum gênio da publicidade dizia que o
tempo passa, o tempo voa, e a Poupança Bamerindus continua numa boa.
Duas ponderações sobre a
transitoriedade da vida. Heráclito afirmava que o mundo está mudando sempre e
que nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia. O publicitário
concordava, com uma ressalva: menos a Poupança Bamerindus.
A Poupança Bamerindus era
uma garantia contra a efemeridade da vida. Tudo o que se vê não é igual ao que
a gente viu há um segundo, tudo muda o tempo todo no mundo, com exceção da
Poupança Bamerindus, essa instituição sólida, imutável, eterna.
O tempo passou, o tempo
voou, e o que ficou provado? Que Heráclito tinha razão. O Bamerindus
extinguiu-se, como o pássaro Dodô, e sua poupança não continuou numa boa. Só
que o publicitário, mesmo errado, era de fato genial, tanto que até hoje lembro
do bordão criado por ele.
O que ficou do Bamerindus,
do jingle e de Heráclito é que eles aparentemente passaram, mas não. Eles fazem
parte de mim, da carga de memórias deixada pelo meu passado. E de outras tantas
pessoas também. Eis o busílis. O passado existe; o futuro, não. Os sensatos
aconselham: “Pense no futuro”. O futuro é o tempo dos sensatos. Mas o futuro é
uma abstração. Você fica esperando pelo futuro, e ele não chega jamais. Nunca
alguém algum dia disse: “Agora, que estou vivendo no futuro, estou bem”. Nunca.
Nunca alguém viveu no
futuro. No passado, sim. Todas as pessoas do mundo viveram no passado. Você
agora, no presente, está vivendo do que foi o seu passado. Está sentado sobre
ele. O passado é o cimento do seu presente.
A cada dia você constrói o
seu passado. O que você está fazendo agora, da maneira como está fazendo,
servirá mais tarde como referência. Os outros, quando olharem para você, vão
olhar para o seu passado. Para o que significou o seu passado. E você mesmo, ao
planejar o que vai fazer e como vai fazer, terá como medida o seu passado.
Faça as coisas benfeitas,
portanto, e construa agora um passado glorioso para você. Mesmo que você queira
mudar. Porque qualquer mudança, por radical que seja, é baseada em algo que
existe concretamente, e só o passado existe concretamente.
Logo, não vou pensar no
futuro intangível e inatingível. Vou me alegrar agora com o que tenho agora.
Vou sorver a vida neste exato momento. Vou recorrer a outro pedaço do meu
passado, formado por uma frase do poeta Horácio, “o orelhudo”, que viveu 500
anos depois de Heráclito e 2 mil anos antes do publicitário do Bamerindus:
“Carpe Diem”, ele disse.
Aproveite o dia. É o que
temos de fazer, eu e você. Vamos aproveitar esse dia, porque ele vai ser
depositado na conta do nosso passado. Nós ainda vamos nos lembrar desse dia,
amanhã. Gabriel Moon - Fábio Bá
Mutantes - Tempo no Tempo
Nunca pensei
que diria no meu tempo – David Coimbra
Sofro. Porque
ser pai, hoje, não é mais ser o provedor, o orientador, o protetor. Não. Ser
pai, hoje, é substituir o console danificado do Xbox por um novo, instalá-lo e
baixar mais uma vez os jogos comprados online, é saber por que catzo o
Minecraft não abre no laptop, é configurar o Roblox no iPad. Ser pai, hoje, não
é apontar para o filho o caminho reto do Bem, mas apontar o caminho correto a
partir das Configurações para que ele consiga desinstalar um perfil que não
quer mais naquele game que custou 26 dólares. Ser pai, hoje, não é mostrar para
o filho o que é o certo e o que é o errado, e sim mostrar onde ele deve plugar
o cabo HDMI na TV.
Por isso,
sofro.
As pessoas
dizem que a gente não deve olhar para trás. Concordo. Mas confesso que sou um
homem revoltado com o presente. No presente, tenho que saber o que é browser.
Browser!
Já ando
suspirando, neste presente tecnológico. Já ando dizendo “no meu tempo”, seguido
de reticências nostálgicas. Nunca pensei que diria no meu tempo.
Pois no meu
tempo não havia tantas opções. Estação de TV, só tinha três: a Gaúcha, a
Difusora e a Piratini. Depois é que apareceram o 2, o 4 e o 7. Uma vez li que
nos Estados Unidos as pessoas podiam sintonizar centenas de canais num único
aparelho de televisão. Aquela informação me deixou atordoado. Como era
possível, se o seletor tinha só 12 números?
E bolacha,
então? Bolacha, o que havia, basicamente, eram a Maria, a champanhe, que era
pra fazer torta, e a água e sal. Esse nome, água e sal, me deixava intrigado.
Como algo feito tão somente com água e com sal podia se transformar numa
bolacha? Um mistério.
Agora
contemple o meu drama: sou um homem que não sabe como se faz bolacha água e
sal, imagine um browser.
Mas o mundo
foi se sofisticando, a despeito da minha ignorância. Chegou o tempo em que
surgiram os biscoitos recheados. E, uma vez, lançaram uns pacotinhos de
pequeníssimas bolachinhas de presunto ou de queijo. A de queijo, em forma de um
minúsculo travesseiro. A de presunto, quadradinha, parecida com um selo de
carta. Era uma delícia. Fiquei viciado naquilo. Quando tinha um troco, em geral
dado pelo meu avô, comprava um pacotinho no recreio do colégio e comia inteiro.
Passada a
adolescência, por algum motivo, fui me afastando das bolachas em geral e passei
muitos anos sem nem ver aqueles pacotinhos. Até que, já adulto, deparei com as
bolachinhas expostas em um súper. Comprei, ávido por reviver a experiência da
infância. Mas... não foi a mesma coisa... Concluí que meu paladar se sofisticou
para bolachas e demais farináceos.
É que tem
bolacha de todo tipo hoje. Bolacha demais, se você quer saber. Não precisa
tanto.
Tudo, hoje, é
em grande quantidade. Tanto e tanto, que tonteia.
Meu filho
quer o jogo GTA. Disseram-me que é violento. Será mesmo? Tenho de investigar.
Tenho de ocupar meu pequeno cérebro com as minudências do GTA, que tristeza, e
ainda me faltam clássicos para ler. Era mais fácil quando eu era guri.
Lembro de um
Natal antigo, eu tinha a idade do meu filho. Havia um presente esperando por
mim, debaixo da árvore colorida. Um só, mas não esperava mais. Ataquei o
pacote, ansioso. Rasguei os papéis de seda azuis, arranquei os laços vermelhos
irritantes. Ajoelhado em frente aos adultos e aos meus irmãos, abri a caixa de
papelão. E o que vi me deixou paralisado de emoção. Não acreditava. Era lindo
demais. Recuperei os movimentos, por fim. Levei as mãos ao interior da caixa. E
a tirei de lá.
Uma bola. De
couro. Trinta e dois gomos brancos e pretos. Número 5. Oficial. Linda, linda.
Abracei-a, comovido. Olhei para a dona Diva e, num fio de voz, disse:
– Obrigado,
mãe. Ah, no meu tempo...
Gabriel Moon - Fábio Bá
Metá Metá - Me Perco Nesse Tempo
Apressados – Mario Corso
Quando estou apressado,
lembro de um conselho de meu avô: “Estás com pressa? Então, faz devagar, pois
só farás uma vez!”. O conselho é bom. Tentando ser rápidos, atropelamos as
maneiras corretas de proceder e o preço é refazer ou desgastar a experiência.
Premidos pelo horário,
engolimos a comida. Como fica sem gosto, comemos em dobro. Correndo, não vemos
a paisagem nem o carrossel de pedestres. Afobados, não escutamos os outros.
Mesmo os ruídos internos são abafados, nos distanciamos até de nós mesmos. A
pressa é angústia maquiada.
A marca da nossa época é a
velocidade. A indústria revolucionou a maneira de fazer objetos e a forma de
encarar o tempo. A ordem é: mais produção em menos tempo. O trem, o automóvel e
o avião encurtaram o mundo, e a internet o fez ainda mais próximo. Isso tudo é
bem-vindo, mas é bom lembrar que esse é o modo de funcionar da máquina, não o
nosso. Intimamente, nada mudou.
Para pensar e sentir,
ainda somos os mesmos. Para aprender e assimilar os golpes da vida, o tempo
cobra o mesmo preço. O mundo nos exige a velocidade da máquina, mas às vezes
somos nós que nos espelhamos em nossa criação e queremos ser como ela: rápida,
eficiente e sem sentimentos.
Existe um fado em que
Amália Rodrigues canta: “Se não sabes onde vais, por que teimas em correr?”. A
sutileza do verso capta outra dimensão da pressa: ela coloca sentido onde não
há. Quem não sabe para onde vai corre a modo de formatar o caminho.
O apressado parece
ocupado, sério, um trabalhador orgulhoso de sua missão. Nove entre 10 vezes, é
apenas um desorganizado, atabalhoado, querendo nos fazer crer o contrário.
Mascara com velocidade o vazio de sua missão, quando não, dele mesmo.
O novo DSM-5, a bíblia da
psiquiatria americana, recém saído do forno, estipula em duas semanas o prazo
para avaliar a passagem do luto normal ao patológico. Veja só, uma vida inteira
ao lado de alguém e ficar arrasados por mais de 15 dias nos deixa sob suspeita.
A dor de perder os pais, um filho, um amigo, agora funciona na lógica da
legislação trabalhista.
Pelo jeito, a pressa,
contingência de nossa época, subproduto da ordem industrial de conceber o
mundo, virou parâmetro de normalidade. Pessoalmente, creio que nos pedem um
coração de lata, só assim para se despedir tão rápido.
AS MERCENÁRIAS - ME PERCO NESSE TEMPO - FABRICA DO SOM
Memórias involuntárias – Cláudia Laitano
Uma das minhas primeiras providências, digamos, práticas quando completei 50 anos foi montar uma playlist com “as músicas da minha vida” no Spotify – uma espécie de “back up” em caso de amnésia súbita. Vai quê.
O foco não eram as músicas de que eu particularmente mais gosto ou gostei (para essas tenho outras listas específicas), mas aquelas que me lembramcenas soltas da infância – a canção que minha vó cantava quando me colocava para sestear (A Praça, do Ronnie Von), a música que meu pai mais escutava (Carinhoso), a de que eu gostava porque tinha o nome da minha mãe (Madalena, na voz da Elis Regina) e outras tantas que evocam novelas, reuniões dançantes, férias na praia. Tecnologia a serviço da nostalgia.
Proust concebeu os sete volumes de sua obra-prima, Em Busca do Tempo Perdido, como uma ilustração literária da potência das memórias involuntárias despertadas por experiências banais do cotidiano – comer um determinado biscoito embebido em chá, por exemplo.
Quanto mais circunscritos a um determinado período da nossa vida, mais esses momentos funcionam como uma espécie de gatilho para viagens no tempo: o desenho nas pedras de uma calçada, a luz entrando diagonalmente pela persiana de uma janela, um prato, um retrato, uma canção. Sem qualquer esforço racional, essas experiências nos inundam da presença de personagens e cenografias de uma outra época – e isso é o mais perto que somos capazes de chegar de partes das nossas vidas que se perderam ou não existem mais, nos ensina Proust.
No caso dessas músicas que eu escutava no rádio ou na TV no início dos anos 70, reencontro o apartamento na Rua Riachuelo onde eu nunca mais coloquei os pés, a varanda da casa dos meus avós quando ainda parecia maior do que de fato é, o Gordini marrom do meu pai que “escangalhava” todas as vezes que saía da garagem. Eu mesma com idade para me espantar com tudo e com todos.
Memórias involuntárias, venho percebendo, podem estar escondidas nos lugares mais improváveis – e nem sempre são agradáveis e docemente nostálgicas. A voz e o rosto de um político, por exemplo. Nos últimos meses, descobri que basta o presidente aparecer na TV falando sobre qualquer assunto – PIB, Previdência, mulheres, supermercados ... – para eu ter a sensação nítida de que estou de volta aos anos 70. Pior: de que nunca saímos de lá.
Gabriel Moon - Fábio Bá
Pato Fu - Sobre o Tempo
Como sobreviver a tantas inovações – Ruth de Aquino
A maior inovação, hoje, seria inventar uma maneira de esticar o tempo... Não se trata de rejuvenescimento ou expectativa de vida – nem distinção entre trabalho e ócio. A inovação seria um aplicativo para esticar as horas, os minutos, os segundos. Para situar nossos desejos e compromissos dentro das medidas de tempo. Quando percebo o grau de ansiedade, frustração e superficialidade que invade hoje os relacionamentos interpessoais, em qualquer idade e profissão, torço para que estejamos vivendo uma transição para algo melhor. É preciso encontrar... Tempo para escutar
Escutar o filho, a mãe, o pai, o namorado, o marido, a mulher, o colega de trabalho, o chefe, o subordinado, o amigo, o vizinho, o paciente, o desconhecido. Ninguém escuta mais ninguém. Falamos sozinhos e deixamos o outro falando sozinho. Tem gente que ainda acha que pode escutar alguém fazendo outra coisa simultaneamente. Não pode. No fim, há uma algazarra de palavras jogadas fora, que batem na parede e voltam.
Tempo para ler
Nem me refiro a romances e livros. As pessoas não leem sequer um e-mail inteiro, do início ao fim. A não ser que seja uma frase apenas. É enorme a quantidade de mal-entendidos gerados porque as pessoas não têm mais tempo de ler um e-mail inteiro. E também não têm tempo de responder aos e-mails, nem para agradecer.
Tempo para fazer amor
Não falo de preliminares, carinhos antes ou depois. E sim do ato em si. Quantos deixam de fazer amor por teclar aparelhos na cama sem cessar. Por trabalhar na cama. Ou por demorar a deitar na cama. Quantos interrompem o sexo para atender um celular ou responder a uma mensagem. Quantos fazem amor com a cabeça em outro lugar. Não dá para ser multimídia no sexo. Estar presente é condição para o prazer pleno.
Tempo para pensar
Em vez de pensar duas vezes antes de agir, as pessoas agem duas vezes antes de pensar. Essa agilidade exacerbada pode até dar certo em alguns casos, mas pode custar caro. A falta de tempo para refletir leva a decisões e conclusões precipitadas, que não costumam ser as mais sensatas.
Tempo para encontrar amigos (e não seguidores)
As redes sociais ameaçam tornar a amizade uma ilusão. Os rituais da amizade se perderam na exposição obsessiva e narcisista de detalhes da vida pessoal. Noutro dia, ouvi alguém dizer que o Facebook é a melhor maneira de perder amigos. Porque aquela pessoa que você achava bacana se revela um chato na rede social. E provavelmente você também se revela uma mala.
Tempo para curtir, até mesmo no Facebook
Muita gente dá “like” no FB sem ao menos ler o que foi postado. Dá “like” por gostar de quem postou aquilo e por querer que essa pessoa contribua dando “like” no que ela postou. Isso não acontece sempre, mas acontece muito. Falta tempo para curtir qualquer coisa com um mínimo de consistência.
Tempo para férias. verdadeiras
A extrema competitividade faz com que muitos não tirem férias ou então continuem ligados no trabalho. Há também quem ocupe as férias com a tarefa incessante de relatar aos outros o que está comendo e o que seus bebês e cachorros estão fazendo.
Tempo para comer
É preciso comer mais devagar, e sem ficar teclando e olhando o celular.
Tempo para respirar
Não é por acaso que os cursos de respiração fazem hoje tanto sucesso. Desaprendemos a respirar e, por isso, tanta gente vive com excessiva sofreguidão e insônia. Tempo para cuidar da saúde
Não faz sentido o ser humano não ter tempo para fazer exames ou se tratar. Ou sentir culpa por dedicar tempo a sua saúde. Isso se chama autodestruição.
Com isso, poderíamos viver com um mínimo de cordialidade, leveza e calma. Qualidades que parecem ter sofrido curto-circuito num mundo interconectado demais.
Gabriel Moon - Fábio Bá
Nenhum de Nós - Sobre o Tempo
A máquina e o primeiro
amor - Milton Hatoum
“Isso aí imprime?”
Você escreve e imprime ao
mesmo tempo, respondi.
A fita era velha, do
século passado; mesmo assim, datilografei cinco letras: as marcas cinzentas na
folha branca formaram a palavra “tempo”. Eles riram, examinando o objeto como
se fosse um totem. Mas não era nem foi um totem, e sim uma musa sempre
presente, companheira cotidiana, inseparável. Com ela saí do Brasil numa noite
da década de 1970; moramos juntos num quartinho em Madri, depois num
apartamento modernista em Gracia, no coração de Barcelona.
Fracassamos juntos no
primeiro manuscrito de uma pretensa ficção; quer dizer, eu fracassei, pois
enquanto escrevia, ela me alertava: isto não é um romance, é uma reportagem
adaptada... Fuja dos fatos, invente personagens com alma e corpo, ou só com
alma e rosto.
Teimoso (a teimosia é um
vício terrível), ignorei as advertências da musa, reiteradas por um amigo
argentino, exilado na Espanha.
“E se você quiser cortar
umas frases...? Tem que escrever tudo de novo?”
Sim, tudo de novo.
“Perda de tempo”,
resmungou um menino, impaciente.
Mas naquela época ainda se
perdia tempo, pensei. E o tempo perdido parecia fora do tempo, que é o tempo do
sonho e do prazer.
Recordei as primeiras
aulas de datilografia no porão de uma casa manauara, perto do Luso Sporting
Clube. Eu era o único curumim numa sala de cunhantãs, mas isso não me
envergonhava. E ali, entre o Luso e a Escola Normal, moravam duas irmãs, amigas
de minha irmã. Uma, rechonchuda e baixinha, sorria com uma alegria solar;
parecia desconhecer a angústia e a aspereza da vida. É provável que uma pessoa
muito deprimida, ao lado dela, encontrasse algum sentido à vida. Mas eu não era
esse deprimido, e sim um tímido fascinado pela irmã dessa Eufrosina do
Amazonas.
Alta e esguia, essa irmã
mais velha era séria, fechada feito um cofre. Não sabia, até hoje não sei o que
guardava aquele cofre. Eu emergia do porão e passava em frente à casa das duas
irmãs, com a esperança de ver o rosto misterioso na varanda. Quando dava sorte,
o rosto olhava para mim e sorria, mas era um sorriso também guardado, talvez
condescendente: os lábios se separavam e se alongavam um pouco, e eu via nessa
morosa dança labial uma remota promessa de amor. O tempo me revelou que era
apenas um aceno para o irmão de uma amiga.
Mal sabe ela quantos
poemas escrevi para o seu sorriso, o rosto e o corpo inteiro. Poemas e cartas
datilografados no porão mais úmido de Manaus, onde eu cruzava a fronteira da
infância com a juventude: fronteira imaginária, mas a travessia era real, com
seus perigos e prazeres.
Eram cartas e poemas
ridículos. Anos depois, li os famosos versos de um poema de Pessoa: “Todas as
cartas de amor são/ Ridículas./ Não seriam cartas de amor se não fossem/
Ridículas...”.
A barulheira dos (quase)
jovens ao redor me tirou desse devaneio. Dedos fortes batiam no teclado e
escreviam letras invisíveis. Mais um pouco, arrebentariam a musa de metal. Não
sabem datilografar, esses moleques. E ainda não sabem nada do amor... Mas será
que alguém sabe, de verdade? Gabriel Moon - Fábio Bá
Um mundo descartável – Walcyr Carrasco
Hoje em dia, nem mesmo as ideias duram. Ideologias passam tão rápido como tendências de roupa
Eu tenho um amigo, Remo, há 30 anos. Não nos vemos o tempo todo, mas sempre sabemos um do outro. Como ele, tenho outros amigos duradouros: Ricardo, há mais de 20, Raul, Eduardo, Pérsio, desde os 15. Luiz e Antônio Carlos, de infância. Dia destes, Remo comentou:
– Já notou como hoje tudo é rápido, descartável? Mesmo amigos surgem em nossas vidas, a gente vê todos os dias durante um certo tempo. E, de repente, desaparecem, tomam outros rumos. Quando a gente se encontra, é aquela alegria. Prometemos nos ver de novo, mas fica por isso mesmo. Ambos sabemos que não vai acontecer.
Concordei. Amigos novos são pessoas que entram e saem de minha vida, rapidamente. Eu culpava minha profissão. Durante uma peça de teatro ou novela, há um contato forte entre autor, atores, diretor e produção. Quando acaba, cada um vai para seu lado. Descobri que o mesmo acontece com muita gente. Amizades duradouras são raras. As pessoas simplesmente passam pelas vidas das outras.
Eu não acho certo ou errado. Mas antes não era assim.
Quando eu era jovem, as novelas tinham pares românticos, estrelas inquestionáveis: Regina Duarte e Francisco Cuoco, Glória Menezes e Tarcísio Meira. Da mesma forma, os astros e estrelas de Hollywood estavam firmemente assentados sobre seus pedestais. Hoje, não. Alguém explode e, depois de um tempo, nem lembramos mais. Qual a última estrela de Hollywood que realmente ficou na minha vida? Vale para tudo. Lembro de Marion Zimmer Bradley com os livros da série As brumas de Avalon. Foi uma comoção mundial. Hoje, poucos lembram.
Daqui a pouco vão esquecer Harry Potter. Estou lendo O homem que amava os cachorros, de Leonardo Padura. Fala de Ramon Mercader, assassino de Trótski. Ixi, seria longo explicar agora quem foi Trótski e como ele se opôs a Stálin, na aurora do comunismo russo. Indico o Google. Mas o que me surpreende no livro, excelente por sinal, é que fala de pessoas que acreditavam em ideias. Havia os marxistas, entre eles divisões.
Os monarquistas. Enfim, uma pluralidade de pensamentos. Mas mesmo aqui no Brasil, onde as ideias frequentemente andaram em areias movediças, a gente sabia quem era quem. Hoje em dia, nem mesmo as ideias duram. Ideologias passam tão rápido como as tendências de roupa. Diante do panorama político brasileiro, me pergunto:
– Quem seria capaz de morrer por uma ideia?
Posso estar errado, mas não vejo ninguém.
Amanhã vem uma nova tendência em regime para emagrecer. Depois um novo autor, que todo mundo lê e depois esquece. Um político assume uma postura que aplaudimos. Dali a pouco, esquecemos, ou ele se faz esquecer, mudando rapidamente de partido ou se envolvendo em escândalos. Casamentos são rápidos, graças às leis do divórcio. Alguns amigos continuam de esquerda radical. Outro dia comentei: – Você está fora de moda.
E, de repente, me critiquei. Forma de pensar agora é moda? Também deixei esse tempo de coisas efêmeras me envolver. Corto o cabelo na moda, compro roupas da estação, quero estar por dentro de cada tendência. Mas não sou completamente viciado em modismos, ainda bem. Prova disso é o susto que levo cada vez que alguém some, tragado por outros rumos de vida. Telefono, convido, quero ver. O ex-novo amigo marca. No dia, avisa:
– Surgiu um compromisso de última hora, desculpe.
Mas não remarca. Deixa para depois. Agora, já entendo o recado. Simplesmente, não há mais lugar para mim na vida que ele está tendo, repleta de novos compromissos e pessoas. Muitos amigos somem, não adianta insistir. Não são pessoas melhores ou piores, simplesmente o mundo tem muitas possibilidades, a vida deles é diferente, ou mais fácil, eu gosto das madrugadas e eles trabalham de dia. Não sobra tempo para mim.
Ficam os que sempre ficaram.
É um mundo onde, eu sinto, tornou-se difícil estabelecer novas relações com continuidade. Em que as coisas não duram. O destino turístico que é moda hoje será o mico de amanhã. Ninguém parece acreditar em nada, a não ser em si mesmo, seus próprios gostos, desejos pessoais.
Como autor, até consigo encarar a vida nessa velocidade. Como pessoa, sinto necessidade de raízes. Ainda bem que tenho esses amigos de tantos anos, mas relações tão longas não serão fora de moda, tão antigas quanto a máquina de escrever?
Às vezes eu me sinto um dinossauro. Fico curioso, como será o mundo que vai acontecer? Tão volátil? Sem dúvida, também será incrivelmente solitário. Laerte
Nós não queríamos voltar no tempo - Denise Fraga
A série terminava com o casal deitado na cama. Ele perguntava pra ela:
— Você queria voltar no tempo?
Ela pensava um pouco e dizia, cheia de certeza:
— Não.
Tinham vivido ótimas coisas juntos, os anos tinham passado velozes entre altos e baixos, não eram mais um casal apaixonado e tórrido, os filhos cresceram e saíram de casa, ela não estava lá muito confortável com isso, mas simplesmente não queria voltar no tempo.
Os créditos finais começaram a rolar enquanto eu olhava sem foco para a tela percebendo que eu também não. Também eu não queria voltar no tempo. Não quero. Acho que minha curiosidade pela estrada ainda impede o meu desejo pelo retorno.
Fiquei espantada, confesso. É fácil querer voltar no tempo quando se viveu bons tempos. E posso dizer que vivi, graças a Deus. Sorri sozinha, aliviada com meu estado de paz com o tempo.
Mas, na verdade, gostaria de pequenas congeladas. Sinto demais a velocidade dos dias, quase posso ouvir o ciclone frenético que me atira repentinamente em mais um Natal. Me sinto uma meia no ciclo máximo da máquina de lavar. Passo os dias na janela de um trem bala tentando perceber os detalhes dos quintais fugidios. Não queria voltar no tempo, mas ter o poder de esgarçá-lo enquanto passa. Abrir lacunas de câmera lenta em alguns momentos para ao menos me iludir com a sensação de captura, de assimilação da vida, de plenitude.
Talvez venha desse vertiginoso trem bala o motivo do turbilhão de gente fotografando os segundos por aí. Será que veem as fotos? Ficam olhando pra elas tentando destrinchar os detalhes da vida ali capturada? Eu, raramente. Fotografo mais do que antes, como todo mundo, mas também minhas fotos acabam lançadas no ciclone como pequenos cristais espatifados misturados à vida líquida.
Li, dia desses, que dentro de toda pessoa de 70 anos tem uma de 35 tentando entender o que aconteceu. Pura verdade. Às vezes, paro atordoada com os olhos perdidos na barba do meu filho. Vejo a estrada percorrida, as tantas paragens, o tempo tatuado no tônus da minha pele e na raiz dos meus cabelos. Mas, mesmo assim, ainda assim, não desejo voltar.
Só pode ser obra dela. Da minha menina de 25, que mesmo não entendendo o que aconteceu, prefere buscar a resposta seguindo adiante.
Gabriel Moon - Fábio Bá
Just Another Day - Márcio Moreira
O futuro chegou - Denise Fraga
Foi um segundo. Um milímetro de olhar. Suado pela ginástica, meu
filho entrou em casa carregando sua mesma expressão de bebê.
O mesmo conjunto de olhos, sobrancelhas, nariz e boca, ignorando
o zunido do tempo veloz em meu ouvido, me faziam crer que meu bebê ainda estava
ali. Não foi só uma nostalgia de mãe, saudosa de sua mãozinha em meu pescoço,
foi uma epifania do Tempo.
Podia não ser meu filho. Era uma pessoa escancarando as fases de
si no agora. Um desses instantes que nos pegam de surpresa no meio do dia,
quando parecemos compreender toda a existência. Meu filho de quase 18 estava
ali com sua cara de bebê de um ano e já tinha sido um dos grandes de 14.
Os "grandes de 14" era uma expressão usada por mim e
meu irmão para designar uma turma de meninos muito maiores que nós, que moravam
em nossa rua, mas com quem jamais nos atrevíamos a trocar palavras. Eles eram
os grandes de 14 e nós, os mínimos de sete ou oito.
Por incrível que pareça, apesar de eu ser agora uma enorme de
50, ainda trago em mim aquela que passava apressada pelo muro de pedra,
tentando ignorar suas assustadoras pernas peludas penduradas.
Um dia eu seria uma grande de 14. Fui. E nem me dei conta.
Continuei a ser a mínima de sete e agora olho meu filho entrando pela porta e
me assusto com o futuro que espalha todas as épocas. Aos meus sete ou oito, eu
tinha previsões para meus grandes 14 e jamais pensaria existir intacta em minha
enorme de cinquenta. É incrível. Cá estou.
Sempre me assustei com o tempo. Não falo do susto básico do seu
passar, as crianças que voam em centímetros, os cabelos que caem e
embranquecem, a pele flácida. Me assusto quando chega a tal da quinta-feira.
Você anota na agenda: quinta-feira, dia 23. E ela simplesmente chega. Enquanto
está lá, anotada, ela é uma simples projeção de futuro. Uma coisa no breu das
ideias. E, de repente, ela aparece, formalizando algo de tudo que foi
projetado.
A partir dali, vira uma quinta-feira concreta, até que mais um
tempo passe sobre ela fazendo o favor de devolvê-la ao campo das ideias, onde
recuperará seu tecido fluido, feito de memória ou do que cada um quiser
inventar de seu passado.
Meu susto daquele dia foi perceber a chegada do futuro. Já
fugaz, como um passado inventado.
Meia hora para ser feliz – Tati Bernardi
Estou no Rio a trabalho. A reunião começa às
11h30, mas ainda são 9h da manhã. Em duas horas organizo tudo o que vou
apresentar, tomo banho, me arrumo, almoço e chamo o táxi. O que fazer então com
esse presentinho inesperado do cosmos chamado "meia hora"? Há muito
tempo a vida não me brindava com uma janela na agenda e resolvi fazer algo
muito maravilhosocom tamanho mimo. Resolvi ser tão ridiculamente alegre
nessa meia hora, mas tão insuportavelmente feliz, que seria "a meia
hora" que eu contaria para meus filhos e netos. Ah, sim, já sei, você vai
contar aquela história ótima sobre a única vez na vida em que lhe sobrou meia
hora e você se sentiu estupidamente radiante. Pois bem, e o que fazer? Notei que meu hotel estava
a duas quadras da praia. Percebi que o dia estava lindo. Lembrei que pessoas
leves e animadas fazem esse tipo de coisa: vão à praia. Fui à praia. Ao chegar à praia, profundamente obcecada pela
minha missão de ser exorbitantemente feliz naquela meia hora, pedi ao rapaz da
"Barraca da Tia" que me disponibilizasse uma boa cadeira e um
excelente guarda-sol bem de frente para o mar. Longe da lata de lixo e de um grupo
de pessoas que falava muito alto. Pedi também água de coco e comprei uma canga
laranja. Li em algum lugar que a cor laranja traz enorme contentamento para o
espírito. Deitei na canga observando o céu bem azul e algumas
gaivotas, mas ainda não era isso. Pra ser muito feliz tem que entrar no mar.
Entrei no mar e estava muito gelado e muito revolto e me deu muito medo de que
roubassem minha bolsa e resolvi voltar. A água de coco tinha ficado quente. O
moço que me vendeu a canga passou de novo e percebi que ele espirrava e limpava
o nariz nos produtos que vendia. Eu não estava exatamente exalando júbilo. Como
faz pra ser feliz? Faltavam 14 minutos. Liguei para o Antonio Prata, que estava no Rio para
a mesma reunião que eu, e o convidei para oito minutos de praia. Talvez eu
pudesse sentir um abundante e exagerado regozijo batendo um bom papo com meu
amigo. Ele passou por mim correndo, lambuzou a cara com meu protetor solar,
reclamou que era perfumado demais, e voltou a correr. Antes me contou que corre
desde moleque e que lhe faz muito bem. Será que eu deveria correr então, nos
seis minutos que me faltavam, pra ser bizarramente feliz? Só de pensar tive que
colocar sal embaixo da língua, minha pressão caiu. Notei que senhoras de 50, 60, 70 e 105 anos, no
Leblon, têm a bunda melhor do que a minha. O que acontece com a bunda das
mulheres do Rio? Gostaria de ouvir Harvard sobre o assunto. Feministas, amo
vocês. Mas posso falar que me sinto oprimida pela circunferência exuberante e
rígida da bunda da carioca? Talvez com uma bunda daquelas eu poderia ser
assombrosamente feliz nos três minutos que me faltavam. Eis que chegou um cara gato. Ah, o Rio de Janeiro.
A planejada bem-aventurança estava naquele homem e eu tinha agora 45 segundos.
Dá pra ter um amante nesse tempo? Ele negociava com o cara da "Barraca da
Tia", pedindo desconto na cadeira. Não conseguiu os dois reais de
desconto, então resolveu sentar no chinelo mesmo. Dois reais, minha gente. Eu
nunca seria feliz com um playboy, mas eu também nunca seria feliz com um cara
que está em plena terça-feira, na praia, negociando conforto por dois reais.
Pensei que estava na hora de voltar pro trabalho e foi a primeira vez no dia em
que sorri.
Gabriel Moon - Fábio Bá
Carta
Pro Daniel – Antonio Prata
Talvez algum dia, nas próximas décadas, você
esbarre nesta crônica, pela internet. Talvez uma tia comente: “Lembro de um
texto que o teu pai te escreveu quando você era bebê, era sobre uma praça,
acho, cê já leu?”. Talvez eu mesmo te mostre, na adolescência, vai saber?
Esta crônica é sobre uma praça, sim, sobre uma
tarde que a gente passou na praça, no dia 5 de abril
de 2016. Não é nenhuma história extraordinária a que vou te contar, é uma
história simples, feita de elementos simples como é feita a maior parte da vida
da gente, esses 99% de que a gente desdenha, sempre esperando por
acontecimentos extraordinários, mas acontecimentos extraordinários são raros,
como a própria palavra “extraordinários” já diz, aí a vida passa e a gente não
aproveitou. Pois hoje você me fez aproveitar a vida, Daniel, e por isso resolvi
te escrever, agradecendo.
Eu tava lá em casa, triste de tudo. Triste com os
rumos do país, mais triste ainda com outras questões paralelas inteiramente
irrelevantes para a pátria, mas especialmente doloridas para este patrício,
então você cruzou a sala sorrindo no colo da Jéssica e me deu uma vontade louca
de passarmos um tempo juntos. Falei “Queca, dá esse menino aqui, a gente vai à
praça, eu e ele, vamos, Dani? Só os homens?”. Eu te botei no carrinho, descemos
pelo elevador e ganhamos a rua.
Você ia batendo as pernas, eufórico, apontando as
coisas e soltando seus grunhidinhos, como que querendo me mostrar o que via a
caminho da praça, com a Jéssica, todas as manhãs. Eu ia dando nome às coisas.
É, Dani, é a árvore. É, é o carro. É o caminhão. As pessoas pelas quais a gente
cruzava abriam sorrisos pra você e depois pra mim. Nós sorríamos de volta, eu
por orgulho, você por simpatia – você é assim desde que nasceu, de bem com a
vida, tão diferente deste teu pai, sempre angustiado, aflito, procurando cabelo
em ovo.
Chegamos à praça. Eu quis te pôr no balanço, mas
você me apontou o túnel de concreto. Te coloquei numa ponta do túnel, fui
andando em direção à outra, sumi de vista por uns segundos e você deu uma
resmungada, achando que eu ia te abandonar ali, mas então me agachei e apareci
do outro lado. Você achou aquilo hilário – “O cara tava aqui, sumiu e apareceu
lá!” –, deu uma gargalhada e veio engatinhando até mim. Fui te pegar no colo,
mas você se esquivou e olhou pra outra ponta.
Entendi a brincadeira, corri até a outra ponta.
Você me viu, gargalhou de novo – “Agora o cara tá do outro lado! Que loucura!”
–, foi até lá, me mandou voltar e nós ficamos perdidos nisso pelo que me
pareceram horas: eu aparecia numa ponta do túnel, você engatinhava até lá, eu
corria pra outra, você vinha de novo. Quando me dei conta – não vou dizer que
meus problemas tivessem sumido, que a tristeza houvesse passado, mas... –, eu
estava, como diria o poeta, comovido como o diabo.
De noite, deitado na cama, eu me consolaria: este
mundo é uma tragédia, o Brasil tá ferrado e eu também não me sinto muito legal,
mas eu tenho um filho que põe sorrisos no rosto de quem passa e que com algumas
gargalhadas reconforta o meu coração. Enquanto isso, no quarto ao lado, você
estaria se perguntando: “O cara sumia de um lado, aparecia do outro, como será
que ele faz? É truque? É mágica?”. Depois dormiríamos, acreditando que tudo
iria ficar bem.
ADÃO ITURRUSGARAI
Ykenga
Eu não quero ficar velhinha - Antonio Prata
Com quase quatro anos, minha filha começa a compreender um elemento fundamental da existência: o tempo. Meu filho, de dois, não tem a menor ideia de que haja um antes e um depois. Sua vida é um agora contínuo, uma tela diante da qual passam mamadeira, berço, carrinho, pudim, avó, banho, Lego, minhoca.
Outro dia, me meti numa encrenca porque resolvi falar que “amanhã” seria aniversário dele e ele iria ganhar presente. Ele abriu um sorriso, pediu o presente. Eu disse “amanhã”. Ele pediu de novo, educadamente, mas já sem o sorriso. Repeti, educadamente (e sorrindo muitíssimo), que o presente seria dado “amanhã”. Foi aquela choradeira. Claro. É como chegar pra um adulto e dizer “O senhor ganhou na Loto”. “Cadê o dinheiro?”. “Szjnausshchfundstrrrrrulmp!”. “Onde?!”. “ Szjnausshchfundstrrrrrulmp!”
A minha filha, por sua vez, usa “amanhã” com bastante desenvoltura: pra nomear qualquer dia que não seja hoje, no passado ou no futuro. “Amanhã, quando eu nasci e era bebê”. “Amanhã quando for Natal de novo”. “Amanhã, quando eu tiver a minha filha, ela vai chamar Isabela Belink”. (É sério, não me pergunte por quê.)
Semana passada, diante de uma foto minha com a idade dela, ela finalmente entendeu que eu já fui criança. Passou uns segundos ressabiada, olhando a foto, olhando pra mim, então algo se iluminou: “Mas papai, quando você era do meu tamanho você morava em outra casa, né?”. “Morava”. “E essa casa era muito longe daqui, né?”. Eu disse que era perto. Ela ficou aflita. “Não, papai! Quando você era pequeno você morava numa casa muito, muito, muito, muito, muito, muito longe daqui!”. A distância física, compreendi, era a maneira que ela tinha de elaborar a distância temporal.
Julio Cortázar, um dos meus escritores favoritos, se impressionava bastante com o tempo. Em entrevistas, mencionava sempre certa viagem no metrô de Paris. Nos dois minutos entre uma estação e outra, ele havia se lembrado de uma história que, dentro da sua cabeça, tinha se desenrolado por pelo menos 15 minutos. Como 15 minutos cabiam em dois? Algo parecido acontece com os sonhos, que duram só os poucos segundos do REM (“Rapid Eyes Movement”), mas parecem se descortinar na nossa consciência como longas-metragens. (Alguns pesadelos são mais intermináveis que filmes mudos experimentais do Uzbequistão.)
Deve ser ignorância minha, mas não acho o tempo misterioso, só acho cruel. Ele passa, a gente envelhece e depois adeus pudim, presentes de aniversário, metrô de Paris. Minha filha, com quase quatro anos, também começa a entender que essa história de o tempo passar não tem como acabar bem. Numa livraria, um dia depois de descobrir que eu havia sido criança, ela viu duas velhinhas, bem velhinhas, pagando as compras. Abraçou as minhas pernas e perguntou: “Papai, eu também vou ficar velhinha?”. Eu sussurrei: “Vai, mas fala baixo”. “Papai, eu não quero ficar velhinha!”. “Shhhh, fala baixo!”. “Não, papai, eu não quero ficar velhinha!”. Abandonei a fila com ela gritando: “Não quero! Não quero ficar velhinha!”.
Vai demorar um pouco pra ela entender que, em relação ao tempo, o melhor que pode acontecer é ficar velhinha. Enquanto isso, tento acalmá- la dizendo que ela, velhinha, mora numa casa muito, muito, muito, muito longe daqui: indo a pé, de carro ou de avião, vai levar mais de 80 anos pra chegar.
Hagar - Dik Browne
Ex-Jovem Adulto - Antonio Prata
“A gente não envelhece: os outros é que vão ficando mais novos.” Foi o que anotei semana passada no meu caderninho, assim que percebi ser o mais velho da reunião, numa agência de publicidade. Não chegou a ser dolorido, tenho só 39 anos e embora as costas doam toda manhã e as entradas estejam quase encontrando as saídas, lá na nuca, ainda é mais provável que eu ande de graça no ônibus por conta de um mestrado – por que não? – do que por ter atingido a assim chamada – arght! – “melhor idade”. Mas que foi estranho ser o mais velho da sala, foi.
Desde que me entendo por gente, envelhecer sempre significou sair de uma fase pra entrar, como o mais novo, na seguinte. Você está muito velho pra ser criança, passa a ser um adolescente novinho. Está muito velho pra ser adolescente, passa a ser um jovem adulto. Mas, quando fica muito velho pra ser jovem adulto, não passa a ser um velho novinho, não se transforma em um jovem ancião. Não existem tais categorias. É inevitável: daí em diante, os outros irão ficando cada vez mais novos.
Lembro bem da noite em que, num Pão de Açúcar 24 horas em Perdizes, me dei conta de que tinha saído da adolescência. Vi uns garotos e garotas comprando Smirnoffs Ice e Doritos, olhei pro meu carrinho com Omo e queijo minas e compreendi que eu já não fazia mais parte daquela turma. Eles davam soquinhos nos braços uns dos outros, riam, olhavam pra tudo com desconfiança e desdém. Eram sentimentos que pouco tempo antes eu compartilhava: a ideia de que os adultos são ridículos e medíocres, a ilusão de que seria possível se defender para sempre do marasmo, da acomodação e do crediário mantendo o cabelo despenteado e uma atitude rock’n’roll. Então, ali, com o sabão em pó e o queijo branco à minha frente, me senti um pouco como um punk que faz sucesso e trai o movimento. Tentei racionalizar, pensar que era preciso lavar as roupas, comer no café da manhã algo mais saudável do que as sobras frias da pizza de domingo, mas a verdade é que já estava descendo a passos largos a pirambeira que leva do Sid Vicious ao Cid Moreira.
A frustração com o fim da adolescência era consolada, em alguma medida, pelas vantagens de ser jovem adulto: ser o mais novo entre meus pares bastava para me conferir um certo status. Era como se eu cantasse Anarchy in the UK no Especial Roberto Carlos. (A vida adulta tem muito de Especial Roberto Carlos: programa de auditório, medalhões, sorrisos forçados, claques, uma perene sensação de dèja vu.)
Até que um dia, numa sala espelhada no alto de um prédio na Berrini, olho pra todos os participantes da reunião, com cortes de cabelo ousados, armações descoladas, camisas com estampas que eu entendo serem irônicas, embora não entenda a ironia, e percebo que não sou mais a novidade, não sou mais o jovem profissional. Sou tipo o tiozão careca e bigodudo tocando xilofone, atrás do Roberto Carlos.
Não estou reclamando. Não é ruim ser adulto. Digamos que sou feliz com meu xilofone. Só é um tanto desconfortável ser o único a usar um caderno em meio a 10 cintilantes iPads. “A gente não envelhece: os outros é que vão ficando mais novos”, anoto com minha anacrônica Bic. E depois: “Que diabos esse garoto quer dizer com uma camisa bordô cheia de patinhos verdes?”.
André Dahmer
Tempo Desperdiçado - Fábio Prikladnicki
Talvez você já tenha sentido a vibração do celular no bolso e, quando foi verificar, percebeu que era apenas uma impressão, de tão acostumado que está a sentir alertas desse tipo. Nesse momento, contudo, você já perdeu a concentração na tarefa que estava fazendo. Se era um trabalho importante, provavelmente demorará alguns minutos para recuperar o foco.
Pode parecer apenas um inofensivo sinal do nosso tempo, afinal, devemos aprender a conviver com os efeitos colaterais dos inúmeros benefícios que a modernidade nos traz. Mas um movimento nascido dentro da indústria da tecnologia está repensando algumas certezas. Um de seus representantes é Tristan Harris, designer que trabalhou no Google e agora se dedica a divulgar reflexões sobre os vários efeitos nocivos do modo de funcionar das redes sociais e dos aplicativos de comunicação.
Harris não sugere acabar com a tecnologia para viver com um primitivo, longe disso. Quem desejaria largar o WhatsApp para voltar a usar orelhões? Ele propõe reconfigurar nossa relação com a tecnologia. Não é o primeiro a alertar que perdemos muito tempo no Facebook ou no YouTube - a novidade é que procura conscientizar as pessoas sobre as estratégias que os designers de produtos utilizam para sequestrar nossa atenção e quem sabe assim criar uma demanda por mudanças.
As redes sociais, por exemplo, funcionam de forma similar às máquinas caça-níqueis: cada vez que você atualiza sua timeline, recebe um resultado diferente e se sente recompensado por isso. Não é à toa que é viciante. Cada produto é desenhado para nos interromper a todo momento (veja quem te marcou no Facebook!) e ocupar o maior tempo possível da nossa vida. Isso é ótimo para as empresas, mas será que é para nós?
Esse princípio pode ser traduzido aos nossos hábitos de cultura e entretenimento. Você decide o filme que deseja assistir ou espera a Netflix lhe apresentar as opções? Costumamos pensar que os aplicativos sabem o que queremos fazer, talvez melhor do que nós mesmos, mas será que as primeiras opções apresentadas não estão mais alinhadas aos negócios da empresa do que aos nossos interesses? Pode ser que essa hora seja mais bem ocupada com uma leitura ou um encontro entre amigos. Para retomar o pensamento de Harris: você sabe melhor do que qualquer algoritmo o que é usar bem o tempo.
Gabriel Moon - Fábio Bá
A vida não é curta - Ruth Manus
Ouve-se frequentemente que a vida é curta. E, de fato, por vezes me assombro com o tempo que passa pelas nossas costas, sorrateiro e sem aviso, adiantando-se sem qualquer permissão para tanto. Há momentos em que estamos num belo dia de janeiro e na semana seguinte novembro já se aproxima com luzes natalinas e propagandas de panetone. Mas trata-se de algo realmente estranho, porque, na verdade, a vida nem sempre parece curta. Às vezes, a vida parece absolutamente interminável. Na fila do banco. Na espera da chegada das férias. Na espera do fim das férias das crianças. Nos 30 minutos que as pessoas com hipotireoidismo têm que esperar todo dia entre tomar o remédio e poder tomar o café da manhã.
No fundo, acho que a vida não é propriamente curta. Mas percebi que acho que os intervalos são excessivamente breves. Explico-me. Tenho 29 anos, mas já sinto que o tempo virou. Sinto que a vida indelicadamente já me jogou para um tal de “outro lado” em dezenas de situações. E foi muito, muito curto o intervalo entre estar de um lado e ser arrastada para o outro.
Foi excessivamente breve o tempo que transcorreu entre eu deixar todas as luzes da casa acesas, ouvindo broncas dos meus pais e eu passar a chamar a atenção da minha enteada pela mesmíssima razão. Meu marido faz igual. E eu penso com estranheza que até outro dia eu era a filha das luzes acesas e de repente já sou essa figura híbrida, que por vezes reclama com a miúda por causa disso e por vezes surpreende-se com o fato de já ser casada com um homem que discursa exatamente como meu pai.
Foi muito curto o intervalo entre eu achar minha tia chata por abaixar o volume do rádio do carro dela, quando eu entrava colocando a Christina Aguilera para berrar nos 4 alto falantes, e eu, tão pouco tempo depois, me flagrar abaixando o volume do rádio do meu carro quando minha sobrinha adolescente coloca a Taylor Swift para fazer o mesmo. E o pior: foi breve o intervalo entre minha tia perder a paciência e substituir a Christina Aguilera no volume 38 pelo Elton John no volume 26 e eu substituir a Taylor Swift no volume 38 pelo Michael Bublé no volume 26.
Foi breve o intervalo entre ter uma certa pena dos meus pais, quando os via ficar em casa no sábado à noite, sem nenhum programa noturno, e ser tomada pela deliciosa sensação de ficar em casa nas mesmas condições, sem absolutamente nenhum jantar, festa de aniversário ou balada começando à meia-noite. Foi muito rápido o tempo que transcorreu entre enxergar felicidade nas noites estendidas até as 5 da manhã com vodca e Fanta laranja e, logo depois, num spaghetti com vinho tinto às 21, seguido de sofá às 22.
Foi curto, realmente curtíssimo, o intervalo entre julgar os pais que deixam suas crianças mexerem em seus celulares em mesas de restaurante e me ver pedindo socorro ao YouTube, ao aplicativo da Barbie, ao aplicativo do sapo ou a qualquer outro artifício tecnológico que nos permita acabar de comer o prato que já esfriou e poder trocar de seis a oito frases entre o casal sem interrupções.
Foi breve o período que passou entre condenar os “sapatos confortáveis” que minha mãe comprava e o dia em que procurei um mocassim clássico e confortável para trabalhar, para o horror da minha sobrinha mais velha que dizia “Tia Ruth, leva pelo menos esse que é baixinho, mas não é tão feio”, apontando para um mocassim jovem no qual letras douradas diziam HEY num pé e LOVE no outro. Não, Rita, quero esse mesmo, bege, simples, sem graça.
Foram intervalos assim: eu pisquei e eles passaram. Talvez por isso, às vezes eu me julgue velha antes dos 30, já tenha algum medo do tempo e seja assombrada pela ideia de que a vida parece curta. Curta não é. Dura o quanto tem que durar. Mas os intervalos, esses, de fato, são curtos demais.
Bill Watterson
Era feliz com tão pouco –
Fabrício Carpinejar
No meu primeiro
apartamento, formei a minha estantes de tijolos e tábuas colhidas na rua, e eu
era feliz.
Tinha dois bancos feitos
de engradados jogados fora por um bar, decorados com almofadas coloridas, e era
feliz.
Tinha de cama simplesmente
um colchão no chão, e era feliz.
Tinha quatro pratos e
quatro pares de talheres e não podia receber mais gente, e era feliz.
Tinha um ventilador que
funcionava melhor sem a tampa, e era feliz.
Tinha Bombril na antena da
televisão, desespero para capturar três canais, um com tempestade na tela, o
segundo com chuvisco e o terceiro com neblina, e era feliz.
Tinha vasos pintados a
partir de garrafas de suco, e era feliz.
Tinha um lençol que servia
de cortina, a claridade não me permitia dormir depois das 8h, e era feliz.
Tinha como lixo uma sacola
plástica presa na torneira do tanque, e era feliz.
Tinha a mania de somente
beber água de graça, e era feliz.
Tinha a tática de atrasar
o condomínio a cada dois meses, e era feliz.
Tinha como arara as pernas
de mesas viradas de escritório, onde aproveitava cinco peças para o mesmo
cabide, e era feliz.
Tinha que secar o banheiro
depois do banho com o rodo, pois não havia cortina no box, e era feliz.
Tinha abajur informe de
papelão, que aprendi na aula de educação artística, e era feliz.
Tinha duas tomadas que
produziam choque, e era feliz.
Tinha que esperar acumular
mudas sujas por uma semana para lavar na mão, e era feliz.
Tinha uma geladeira vazia,
com lâmpada queimada. Ela imitava o ronco de meu estômago, e era feliz.
Tinha um chuveiro que se
assemelhava a uma bomba-relógio, ninho de fios coloridos soltos junto à parede,
e era feliz.
Tinha palito de dente como
fio dental, prendedor de roupa como pegador de massa, uma panela
multifuncional, e era feliz.
Tinha o papel-toalha com
vocação de guardanapo e papel higiênico, e era feliz.
Tinha que colocar as
cuecas e meias na janela da sala, único lugar em que batia sol, e era feliz.
Tinha um cinzeiro de vidro
de maionese, e era feliz.
Tinha uma faca cega, que
não enxergava dentro do pão, e era feliz.
Tinha um tapete que
embolava quando saía com pressa, e era feliz.
Tinha um gás com sete
vidas. Quando acabava, deitava o botijão, e era feliz.
Sobreviver me transbordava
de humor. Sempre dava um jeito, não perdia tempo reclamando, ia me adaptando.
Ria de meus problemas para não fazê-los importantes.
A verdade é que a pobreza
nunca me roubou a felicidade.
Gabriel Moon - Fábio Bá
O quê? Fabrício Carpinejar
A velhice vem aos goles. Nunca se bebe o tempo num único
sorvo.
A visão é a primeira a não corresponder inteiramente aos
seus comandos. Você enxerga com dificuldade, mas não aceita e adivinha mais do
que reconhece com rapidez. Assim tem os seus primeiros constrangimentos
sociais. O neto exibe as fotos da visita ao zoológico e você comenta: “Que
araras azuis bonitas!”.
E o neto retruca que não são araras, mas macacos. Você
acabou de demonstrar que é um analfabeto ecológico para a nova geração da
família.
Sua teimosia em deduzir no lugar de enxergar vai lhe
colocando em situações incômodas, como a de embarcar no ônibus errado,
estacionar em vagas de portadores de necessidades especiais ou de realizar
perguntas óbvias.
Depois é a memória que fraqueja e rasteja com esforço.
Começa a brincar do jogo da forca com as lembranças. O bonequinho recebe
contornos a cada lapso e sempre termina com a cabeça a prêmio.
As palavras são apenas figuras. Ou seja, aparece a figura
sem a palavra, o raciocínio é próprio de livro colorido para bebês.
O que lembrava instantaneamente custa a vir à tona. Sem
wi-fi das ideias, retrocede à internet discada do pensamento. Esquece primeiro
o nome das pessoas, os filhos são as cobaias prediletas. Troca os nomes dos
guris, Pedro chama de Felipe, Felipe de Pedro e não acerta mais quem se
aproxima. No início, dedica horas se explicando, argumenta que o filho
confundido deve estar pensando em você, mas a recorrência faz com que perca a
credibilidade.
Em seguida, erra o nome trocando o sexo dos filhos,
Felipe chama de Gabriela, Gabriela chama de Pedro, a confusão está instalada.
Resta rir e levar os acidentes de gênero na brincadeira.
A caduquice cobra os juros. O pior se avizinha. Após
falhar o nome das pessoas e não conciliar rosto com legenda, passa a tropeçar
na identificação dos objetos. Liquidificador chama de secador, micro-ondas de
máquina de lavar, televisão de aspirador de pó, até se contentar com o genérico
Coisa: – “Liga a coisa!”, “Alcança a coisa!”, “Onde está a coisa?”.
Por fim, apaga o nome das ruas, das praças, das cidades,
do país, até se tornar um cidadão do mundo. Do outro lado do mundo.
Fantasma discreto, o tempo fica, a certa altura da vida, mais espesso - Cristovão Tezza
Vânia Medeiros/Editoria de Arte/Folhapres
Meu filho Felipe, que
tem síndrome de Down, até hoje não distingue um sábado de uma segunda-feira ou
uma quinta, assim como a diferença entre julho, maio ou novembro; e números
como 2017, 1970 ou 1924 são apenas designações do futebol, como Brasileirão,
Copa do Mundo ou o incrível nascimento do Clube Atlético Paranaense.
Passei anos tentando
lhe impingir a escrita do tempo, cercando-o de calendários, relógios, números e
explicações exasperadas e exasperantes sobre as divisões do tempo até que
—comigo a ficha sempre se enrosca e demora a cair— percebi enfim, anos depois,
que este era um problema estritamente meu.
Ele estava, como
sempre esteve e continuará assim, perfeitamente alegre e feliz com o seu
presente perpétuo. O que é uma percepção do tempo —ou, quem sabe, uma ausência
de percepção do tempo— inacessível aos pobres mortais que vivem na gaiola dos
dias, das horas e dos segundos.
Súbito me ocorreu
que, sem a divisão abstrata do tempo, não há igualmente escrita (ele nunca
aprendeu a escrever), que é a arte de produzir e congelar passados.
Certo: só me ocorreu
pensar e escrever sobre o tempo porque a essa altura da vida o tempo começa a
ficar mais espesso, por assim dizer, e quase conseguimos pegá-lo com a mão. O
tempo é um fantasma discreto que só se deixa ver por seus efeitos, que são ruínas.
Estou lendo
saborosamente "Sobre o Tempo", de Norbert Elias (1897-1990), pensador
de que sou leitor devoto desde que descobri sua obra mais conhecida, "O
Processo Civilizador" (Editora Zahar, que publica a sua obra no Brasil):
imaginava encontrar uma história da evolução da roda até a propulsão nuclear, e
me vi lendo um magnífico estudo da passagem da Idade Média para a Renascença
fundamentado em grande parte nos manuais de boas maneiras.
O peso que ele dá às
formas coercitivas da cultura, considerando a fronteira sempre elástica entre
indivíduo e sociedade, lembra o modo de percepção literária e ficcional da
realidade, objeto da prosa romanesca.
Mas, nas suas mãos,
essa percepção serve a um ângulo rigorosamente objetivo.
Dois exemplos de seu
método, ao acaso: em "A Sociedade dos Indivíduos", ele lembra como a
liberação feminina e concomitante exposição pública de seu corpo exigiu uma
mudança profunda da natureza do olhar e do autocontrole masculinos, e isso não
foi apenas uma nota de rodapé da evolução dos costumes; e em "Os
Alemães", Norbert Elias investiga a instituição aristocrática do duelo, um
ritual formalizado à margem do monopólio da força pelo Estado, em que os nobres
(e apenas eles) podiam matar sem consequências sérias, não como um exotismo
curioso e acidental, mas como poderosa expressão de estratificação social, com
ramificações significativas na vida comum.
Em "Sobre o
Tempo", ele observa o momento decisivo em que "uma cronologia
centrada no mundo físico separou-se da antiga cronologia, centrada no
homem". Isso coincide com a criação da ideia de um mundo físico autônomo,
desvinculado da nossa vida social.
O "humano",
tudo o que circula na vida cultural e social, passou a se compartimentar, como
objeto de estudo, nas chamadas ciências humanas, uma divisão que se
universalizou profundamente na consciência contemporânea.
Sabemos muito sobre o
mundo físico, mas pouco sobre o universo social, diz ele.
Troco em miúdos, para
uso próprio: o que sabemos sobre a física nos permite levar um homem à Lua e
trazê-lo de lá; mas o que sabemos sobre a sociedade ainda não nos garante esta
exatidão em campo algum. Na área de humanas, os "símbolos conceituais
estão longe de haver atingido um grau equiparável de coerência e
fidedignidade".
No mundo da realidade
humana, espraiam-se a limitação e a incerteza do olhar.
De certa forma, a
ficção passou em grande parte a suprir este papel, no seu modo exclusivo de
reconhecimento do mundo. Escrever ficção é produzir um tempo alternativo.
Bem, entre ligar o
computador e colocar o ponto final, já se foram, para sempre, duas horas e 45
minutos da minha vida. Felizmente, se eu tive o privilégio de trazer o leitor
até aqui, para quem lê a perda de tempo fica em torno de apenas dois ou três
minutos. Tanto melhor.
Ao meu lado, Felipe
pergunta: "Hoje tem jogo?"
Hendrick Bloemaert
Nós e o tempo - Clovis Malta
Velhice é assunto que só interessa a quem já chegou nessa etapa da vida na qual a encrenca começa com o termo usado para defini-la. Tendemos a rejeitá-lo, como se fosse ofensivo, e sussurramos a palavra quase pedindo desculpas, como se pisássemos em cacos de vidro com os pés desnudos.
Quem ainda está distante dessa fase da vida, mas tem pretensões de alcançá-la, poderia ao menos seguir adiante neste texto? O tema é justamente a etapa na qual o passado fica longo, e o futuro, tão curto quanto incerto, mas também o período em que o tempo presente parece eterno. Sim, a juventude, expressão pouco usada na fase de quem flutua por aí em turma, mas que só incomoda quando já não nos retrata mais.
Jovens têm seus perrengues, mas não é fácil ser maduro num mundo de verdor movido a libido e a hedonismo. Por recusarem o estereótipo da idade, muitos idosos podem contribuir com um futuro melhor para quem avançar nos anos, sem se dar conta.
Não nos apercebemos porque é bem assim como descreveu Mario Quintana. Chega um dia em que "por acaso, surpreendo-me no espelho: quem é esse/ Que me olha e é tão mais velho do que eu?". Rejeitamos o rosto que, na nossa autoimagem, segue sem marcas. O corpo já não responde aos comandos na rapidez da mente. Queremos ser exceções como o poeta, para quem a idade não importa, como roqueiros transformados em lenda, como os que deixam a bengala na cadeira e dançam até o final da festa. Mas, e se estivermos entre a maioria?
De um momento para outro, é como se nos tornássemos invisíveis, principalmente aos olhos de jovens que já não somos nós, mas os outros, que nos sucederam. Passamos a ser vistos como inconvenientes mesmo por tímidas manifestações à mesa. Nos sentimos como um estorvo na mudez de quem se encolhe no banco de trás do carro. E isso sem citar os esquecidos, os abandonados.
Incomodamo-nos, jovens e velhos, com essa fase vista como uma ameaça para o equilíbrio financeiro do setor público, como um peso para o mercado. Hesitamos sobre o que fazer com nossos pais, com os tios, com a sogra. Por desconhecermos como lidar com os que sobreviveram à vida útil, não os deixamos agir do seu jeito. Preferimos carimbá-los como beatos com alguma chance de canonização. Que permaneçam calados, como bons velhinhos.
Um dia, muitos idosos se darão conta de que são subjugados. De que precisam ir além de conquistas como lugar preferencial em fila para quem mal sai de casa, de tarifa grátis em ônibus com degraus inalcançáveis, de cinema com desconto para quem foi perdendo os companheiros de pipoca pelo caminho.
Galera, nosso tempo é agora. Senhoras e senhores, uni-vos. Ocupem as ruas, todos os espaços. Manifestem-se despacito, mas com vigor, enquanto é tempo. Quem não puder, que se solidarize de casa. Chegou a hora de os maiores de 60 se rebelarem, como fazem os jovens, em defesa de suas verdadeiras causas. Os meninos e meninas de hoje, futuros idosos de amanhã, serão eternamente gratos pelas conquistas.
Gabriel Moon - Fábio Bá
Materia Gris - Un Largo Tiempo
A frase do Tempo – Adriana Falcão
E aí o Tempo cansou.
Parou.
Olhou para frente e não viu nada. E nem poderia ter visto
coisa alguma, pois se o futuro não havia acontecido ainda, nada havia para se
ver.
Então o Tempo pensou que nunca tinha parado antes. Nem mesmo
para pensar. E concluiu que bastava ficar ali parado e tudo o mais pararia com
ele. E aí se deu conta de que era, nada mais, nada menos, do que o condutor dos
acontecimentos, o desbravador do desconhecido, o senhor absoluto do depois, o escritor
de cada palavra dessa imensa frase cujo final todo mundo desconhece.
Sentiu-se todo poderoso e supremo. Mas logo em seguida foi
acometido por uma crise existencial sem precedentes.
Qual seria, afinal, a finalidade da sua longa jornada?
Haveria um objetivo? Um prêmio? A descoberta de um mistério?
Uma faixa de chegada? Ou estaria ele destinado a seguir eternamente as
reticências, que sempre o conduziram, para lugar nenhum?
E pela primeira vez, desde o começo de tudo, ele teve medo
do que estava por vir. Sentiu-se inseguro, o Tempo. Quis ser adivinho. Quis
acreditar na sorte. Quis que não fosse com ele. Quis evitar a próxima palavra
desconhecida. Quis, enfim, desistir.
Foi quando ele olhou para trás e viu o ontem.
Em seguida lá estavam o ante ontem, a quarta-feira, a terça,
a segunda, e abril, março, fevereiro, janeiro, 2008, e o século passado, a
Idade Média, a Pré-história...
Seria mais negócio seguir adiante, sabe lá até onde e
quando, ou voltar pelo caminho percorrido até o começo, seu porto?
Já se passara muito tempo e o Tempo não se lembrava mais de
onde partira.
Eram tantas as lembranças que elas se misturavam em imagens
soltas e desalinhadas: confusos vazios, florestas, metrópoles, festas,
batalhas, maremotos, desertos, multidões.
Enquanto ele pensava, tudo ficou pendurado no ar, mas esse
vácuo não durou mais que a estranheza de uns instantes, pois o Tempo resolveu
dar meia volta e começou o regresso.
Estava cansado demais para seguir em direção ao ignorado.
Talvez estivesse ficando velho. E quem sabe não rejuvenesceria, durante o
reverso do caminho, até recuperar o frescor de outrora?
Muito lhe custava acompanhar o ritmo em que tinha vindo.
Mesmo assim, foi indo. Revendo tudo se passar ao contrário.
Alguns fatos já estavam completamente esquecidos e lhe
causaram tanto espanto quanto tinham causado da primeira vez que aconteceram.
Outras vezes, porém, durante a jornada, ele teve aquelas
estranhas sensações de déjà vu.
Quanto mais se aproximava do início da frase, mais o Tempo
ansiava em relembrar todo o pretérito e descobrir a sua origem.
Muitos séculos se passaram, de trás para frente, até que a
linha do horizonte foi virando um ponto. E só quando ele chegou lá, conseguiu
ler as primeiras palavras que, estranhamente, terminavam exatamente no ponto
inicial: “Era uma vez um tempo que ainda ia voltar.”
Só então o Tempo se lembrou que já tinha passado por ali
incontáveis vezes, e, mais confuso do que nunca, já não sabia mais se aquilo
era o início da história ou se era o seu final.
Péssimas Influências - Estela May
Viver Dói - Fabiane Langona
A saudade, o tempo e o chão – Gilberto Amendola
A memória da Copa de 82 e
daquela que veio depois.
De comprar gibi e confundir Caverna do Dragão com
aquela de Platão.
Das filas do recreio, dos
desejos analógicos rodados em VHS.
Dos desejos que também eram
analógicos.
Do dia em que o videocassete
chegou em casa – e das fitas piratas. De alugar 5 fitas na sexta para devolver
no sábado (quem não rebobina paga multa). Lembro de assistir a comédias apenas
para ver um relance de um peito.
Das fotos em papel na caixa de
sapatos. Dos segredos que estavam guardados nestas caixas de sapato. Os cabelos
do meu pai, o sorriso da minha mãe e meu corte de cabelo esquisito.
Do fim dos 80/começo dos 90 e do dia
em que ouvi Smells Like Teen
Spirit no rádio.
Da dificuldade de colocar
lentes de contato. De achar que eu nunca deixaria de usar óculos ou aparelho
nos dentes – que terror foi usar aparelho nos dentes.
Do primeiro dia de faculdade.
De escapar do trote porque eu não podia cortar o cabelo – estava fazendo cinema,
acredita? De perder uma semana de aula por medo que cortassem o meu cabelo.
Dos primórdios da internet discada. De
usar só na madrugada para pagar somente um impulso. De ouvir música na Usina do
Som. Os programas da TV Cultura (Programa
Livre) e da Gazeta (TV
Mix 1,2,3 e 4).
Das primeiras baladas. De ter
horário para voltar para casa. Do chiclete que disfarçava o cheiro do álcool.
De me fingir de sóbrio.
Do bug do milênio e o novo
corte de cabelo.
Das peças de teatro e da crença
de que se tinha algo por dizer.
Do meu primeiro emprego como
radioescuta. Dos meus primeiros beijos.
A namorada que não foi. Além da
que não veio. Dessa certeza que uma paixão iria pintar a qualquer momento.
E se não pinta? Não pinta. Como
já dizia Herbert Vianna, “a vida não é filme e você não entendeu”.
De quando a morte era só um
Tamagochi.
De quando a morte era um
Tamagochi comprado das mãos de um contrabandista coreano na Galeria Pajé.
É... teve um tempo em que
ninguém morria. Vocês entendem? Ninguém perto da gente trabalhava com essa
perspectiva. Era uma vida inteira pela frente. Ainda é..., mas o “pela frente”
não são mais 50 anos (e estou sendo otimista).
A memória é o paraquedas que
suaviza a descida.
Mas o tempo é o chão.
O chão.
Galvão Bertazzi
Caco Galhardo
Cellus
Evandro Alves
Passagens e desejos - Roberto DaMatta
O ano novo, com um número que os magos e bruxos adoradores de São Cipriano afirmam ser mágico, apenas começa e já realiza desejos. Um amigo abandonou a esposa não por outra mulher, mas por dinheiro: juntou o suficiente para voltar à vida leve, livre e solta de solteiro.
Eu vejo os rituais de passagem do tempo como maneiras de cortar a água, pois se o tempo, como uma melodia, é contínuo e, sendo líquido, penetra em todas as fendas e frestas, ligando tudo como um rio interminável, em muitas sociedades os ritos de final de temporada são feitos de estrondos, apitos, tiros e batidas. Os fogos de artifício, precursores das grandes bombas mortais das guerras, retornam com inocência e, para a nossa alegria, transformam a noite num misto de alvorada e crepúsculo colorido e festivo, embora - é claro - seus brilhos sejam fugitivos como um beijo roubado ou um orgasmo. O estouro interrompido dos fogos traduz o rompimento daquilo que, inevitavelmente, é contínuo. Rituais de marcação do tempo são como feridas...
Um mestre de Oxford, Rodney Needham, religou percussão com transição como uma tentativa de cortar água, algo que Thomas Mann advertia ser impossível na vida real. Mas o que é o real para a fantasia, a fabulação, a vontade racionalizada pela mentira e a ideologia subjugada pelo projeto? E como estar certo de que se progrediu ou regrediu sem promover o represamento da cachoeira do tempo, que é o senhor da vida, classificando seus períodos em termos de avanço ou de atraso?
Para nós, o tempo tem, além do fato óbvio de sua passagem, valor, pois estávamos certos que o futuro seria melhor do que o passado, algo negado veementemente por um estilo de vida consumista que o põe em dúvida. Contudo, continuamos a contar o tempo, somando-o e não de modo alternado como se faz em sociedades que alternam verão e inverno ou chuva e estio. A repetição neutraliza o tempo concebido de modo progressivo, interpretado como adiantado ou atrasado.
Os rituais de passagem do tempo são momentos de luto ou de arrependimento pelo que se foi e, simultaneamente, tempos de previsão e de esperança. Momentos intermediários nos quais rotinas e destinos são rompidos - e os Joãos de Deus da nossa vida dita tecnológica e racional dão os seus palpites e enxergam um futuro que nós, os comuns, apenas esboçamos.
*
Minha tia Amália contava uma história. Um pescador e sua mulher viviam num chiqueirinho e, um dia, o marido pescou um peixe que era também um príncipe encantado capaz de realizar desejos. Ao saber disso, a mulher o fez pedir ao peixe uma boa casa imediatamente obtida. Mas logo ela quis um castelo e, em seguida, um reino e um império! Sonhos realizados são como mentiras que viram crenças.
Prontamente, a mulher do pescador pensou em ser papa. O marido hesitou, mas sendo ela rei imperador, ele era seu escravo e o peixe encantado fez a esposa virar papa, reunindo o poder temporal com o espiritual na sua pessoa.
Agora, com seus desejos de grandeza e riqueza realizados, ela não dormia: o sol lhe atrapalhava o sono. Sem vacilar, ela demandou ser a senhora do Sol e da Lua. O marido, sereno como quem sabe para onde vão parar os desejos e os surtos, contou esse onipotente desejo ao peixe.
Vá para casa, disse o peixe, e vivam novamente no seu chiqueiro. É nele que eles estão até hoje.
*
Titia Amália contava essa fábula dos irmãos Grimm, que moldaram a língua e a identidade alemãs. No conto, nota-se o espírito de Schopenhauer, de Nietzsche, de Freud, de Thomas Mann e desse vosso escriba niteroiense no sentido de que a vontade é insaciável e, entregue a si mesma, ela conduz no mínimo à repetição. O desfecho ingrato não deve ser lido como castigo, mas como uma advertência de que não se pode ter tudo.
Numa versão brasileira, o pescador e a mulher concordam, significativamente para a nossa sociedade hierárquica, que é melhor permanecerem pobres resignados e felizes na velha cabana.
Se o leitor perguntar onde fico, respondo com Thomas Mann que não queremos uma coisa porque a reconhecemos como boa, mas a desejamos boa porque a queremos. Com todo o sofrimento eventualmente decorrente dessa vontade.
Patrizia Cavalli por Dino Ignani
Este temposabático
Patrizia Cavalli
Tradução Cláudia Alves
Este tempo sabático
antes de uma partida, este tempo
roubado do tempo, este tempo não meu
nem dos outros, o tempo da bagagem
e do atraso, este luxo suspenso,
esta rica margem
quando audaz e irresponsável posso
aquilo que nem mesmo os anos me concedem,
onde se apressam os pensamentos mais negligenciados
e são acolhidos, e entre um pijama
e uma camisa se instala majestoso
mas flexível o possível, onde eu poderia
até mesmo te telefonar e me declarar
louca de amor, este único tempo verdadeiro
involuntário que nos é dado
pela graça das partidas, este
que não é nada mais do que uma oração.
*
Questo tempo sabbatico
Patrizia Cavalli
Questo tempo sabbatico
prima di una partenza, questo tempo
rubato al tempo, questo tempo non mio
né di altri, il tempo della valigia
e del ritardo, questo lusso sospeso,
questo margine ricco,
quando audace e irresponsabile posso
quello che neanche gli anni mi concedono,
dove accorrono i pensieri più negletti
e sono accolti, e tra un pigiama
e una camicia s’insedia maestoso
ma arrendevole il possibile, dove potrei
persino telefonarti e dichiararmi
folle d’amore, questo unico tempo vero
involontario che ci è dato
per grazia di partenze, questo
non è nient’altro che preghiera.
Tempo
O tempo é aquilo que faz com que a cada momento tudo se transforme em nada em nossas mãos, perdendo, portanto, todo o seu valor.
— Arthur Schopenhauer, em "A Arte de Insultar".
O Tempo que Foge - Ricardo Godim
LAERTE
Pink Floyd - Time - Live at Earls Court, London
Tempo
O tempo passa em meio a momentos que fazem um dia monótono
Você perde tempo gastando as horas de modo descuidado
Perambulando por aí, em sua terra natal Esperando alguém ou algo que te mostre o caminho
Cansado de ficar deitado com o sol lá fora
Ficar em casa vendo a chuva
Você é jovem e a vida é longa
E há tempo para matar hoje
E então um dia, você descobre
que dez anos ficaram para trás
Ninguém te disse quando correr
Você perdeu a largada
E você corre e corre para alcançar o sol, mas ele está se pondo
Dando a volta, até surgir novamente atrás de você
O sol é o mesmo, de forma relativa, mas você está mais velho
Com menos fôlego e um dia mais próximo da morte
Cada ano que passa fica mais curto
Parece nunca arranjar tempo
Planos que tampouco deram em nada
Ou meia página de linhas rabiscadas
Se apegando a um desespero silencioso, este é o jeito Inglês
O tempo passou, a música acabou
Pensei que eu teria algo mais a dizer
Em casa, novamente em casa
Eu gosto de estar aqui quando posso
Quando chego em casa cansado e com frio
É bom para esquentar meus ossos ao lado da lareira
Bem longe, do lado de lá do campo
O badalar do sino de ferro
Chama os fiéis, de joelhos
Para ouvir os feitiços lançados suavemente
Composição de: David Gilmour, Nick Mason, Richard Wright, Roger Waters
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