Estávamos reunidos à
volta da mesa de ensaio, quando, depois de uma brincadeira, um de nossos
companheiros ficou completamente vermelho. Rimos. Ele, obviamente, ficou roxo.
Um outro falou:
–Que lindo! Ele é uma
das últimas pessoas que ainda ruborizam neste mundo!
Era verdade. Enquanto
meu colega pegava fogo, me dei conta do tanto de tempo que aquilo não me
acontecia.
Eu costumava corar.
Me lembro bem da terrível sensação da onda quente subindo, as orelhas queimando
e tudo o que eu não queria que fosse demonstrado escancarando-se
inevitavelmente, fisiologicamente, no vermelho de minhas bochechas.
Faz tempo que eu não
coro. Acho que, atualmente, só fico vermelha nas minhas aulas de ioga, quando insisto
em tentar a posição invertida.
Será que, com o
tempo, a gravidade não age só em nossa pele e nossos músculos mas também em
nossa corrente sanguínea, impedindo que o sangue nos chegue às faces, mesmo que
numa situação constrangedora? Ou será que não tenho tido motivos para corar?
Não, sempre há motivos para corar.
O fato é que as
bochechas vermelhas do meu jovem amigo me fizeram questionar o quanto que
nossas emoções também perdem vigor. Ou, no mínimo, o susto, a surpresa, o
inevitável. Os mais calejados em situações delicadas talvez deixem de corar até
mesmo antes que seu sangue perca a capacidade de subir.
Os profissionais mais
sisudos, os advogados, os executivos, que enfrentam diariamente suas gincanas
corporativas, provavelmente arrefecem antes do tempo os seus fluxos sanguíneos.
Nem ouso tocar nos políticos. Seria muita ingenuidade de minha parte querer ver
alguém corar diante das câmeras de uma CPI, por exemplo. Mal enfartam!
Notícias e mais
notícias de vexames públicos e ninguém dá entrada no pronto-socorro!
Enfim, falo de
pessoas dispostas a arriscar-se com transparência ao imponderável. Falo da
minha vontade de poder ser surpreendida eternamente pelo que não posso conter.
Pelo que ainda não sei de mim. Falo da minha saudade e do meu profundo desejo
de continuar corando, apesar do desconforto.
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