sexta-feira, 3 de maio de 2019

Queda que as mulheres têm para os tolos - Machado de Assis



ADVERTÊNCIAEste livro é curto, talvez devera sê-lo mais.
Desejo que ele agrade, como me sai das mãos; mas é com pesar que me
vanglorio por esta obra.
Falar do amor das mulheres pelos tolos, não é arriscar ter por inimigas a
maioria de um e outro sexo?
Diz-se que a matéria é rica e fecunda; eu acrescento que ela tem sido tratada por
muitos. Se tenho, pois, a pretensão de ser breve, não tenho a de ser original.
Contento-me em repetir o que se disse antes de mim; minhas páginas
conscienciosas são um resumo de muitos e valiosos escritos. Propriamente
falando, é uma comparação científica, e eu obteria a mais doce
recompensa de meus esforços, como dizem os eruditos, se inspirasse aos leitores
a idéia de aprofundar um tão importante exemplo.
Quanto à imparcialidade que presidiu à redação deste trabalho, creio que ninguém
a porá em dúvida.
Exalto os tolos sem rancor, e se critico os homens de espírito, é com um
desinteresse, cuja extensão facilmente se compreenderá.


I


Il est des noeuds secrets, il est des sympathies.


Passa em julgado que as mulheres lêem de cadeira em matéria de fazendas,
pérolas e rendas, e que, desde que adotam uma fita, deve-se crer que a essa
escolha presidiram motivos plausíveis.
Partindo deste princípio, entraram os filósofos a indagar se elas mantinham o
mesmo cuidado na escolha de um amante, ou de um marido.
Muitos duvidaram.
Alguns emitiram como axioma, que o que determinava as mulheres, neste ponto, 
não era, nem a razão, nem o amor, nem mesmo o capricho; que se um homem lhes agradava, era por se ter apresentado primeiro que os outros, e que sendo este substituído por outro, não tinha esse outro senão o mérito de ter chegado antes do terceiro.
Permaneceu por muito tempo este sistema irreverente.
Hoje, graças a Deus, a verdade se descobriu: veio a saber-se que as mulheres
escolhem com pleno conhecimento do que fazem. Comparam, examinam, pesam, e só se decidem por um, depois de verificar nele a preciosa qualidade que procuram.
Essa qualidade é... a toleima!


II


Desde a mais remota antiguidade, sempre as mulheres tiveram a sua queda para os tolos.Alcibíades, Sócrates e Platão foram sacrificados por elas aos presumidos do
tempo. Turenne, La Rochefoucauld, Racine e Molière, foram traídos por suas
amantes, que se entregaram a basbaques notórios. No século passado todas as
boas fortunas foram reservadas aos pequenos abades. Estribadas nesses
exemplos, as nossas contemporâneas continuaram a idolatrar os descendentes
dos ídolos das suas avós.
Não é nosso fim censurar uma tendência, que parece invencível; o que queremos é motivá-la.
Por menos observador e menos experiente que seja, qualquer pessoa reconhece
que a toleima é quase sempre um penhor de triunfo. Desgraçadamente ninguém
pode por sua própria vontade gozar das vantagens da toleima. A toleima é mais
do que uma superioridade ordinária: é um dom, é uma graça, é um selo divino.
"O tolo não se faz, nasce feito."
Todavia, como o espírito e como o gênio, a toleima natural fortifica-se e estende-se pelo uso que se faz dela. É estacionária no pobre-diabo, que raramente pode aplicá-la; mas toma proporções desmarcadas nos homens a quem a fortuna, ou a posição social cedo leva à prática do mundo. Este concurso da toleima 
inata e da toleima adquirida é que produz a mais temível espécie de tolos, os tolos que o acadêmico Trublet chamou "tolos completos, tolos integrais, tolos no apogeu da toleima."
O tolo é abençoado do céu pelo fato de ser tolo, e é pelo fato de ser tolo,
que lhe vem a certeza, de que, qualquer carreira que tome, há de chegar
felizmente ao termo. Nunca solicita empregos, aceita-os em virtude do direito
que lhe é próprio:
Nominor leo. Ignora o que é ser corrido ou desdenhado; onde quer que chegue, é festejado como um conviva que se espera.
O que opor-lhe como obstáculo? É tão enérgico no choque, tão igual nos
esforços e tão seguro no resultado! É rocha despegada, que rola, corre, salta e
avança caminho por si, precipitada pela sua própria massa.
Sorri-lhe a fortuna particularmente ao pé das mulheres. Mulher alguma resistiu
nunca a um tolo. Nenhum homem de espírito teve ainda impunemente um
parvo como rival. Por quê?... Há necessidade de perguntar por quê? Em
questão de amor, o paralelo a estabelecer entre o tolo e o homem de siso,

não é para confusão do último?


III


Em matéria de amor, deixa-se o homem de espírito embalar por estranhas
ilusões. As mulheres são para ele entes de mais elevada natureza que a sua, ou
pelo menos ele empresta-lhes as próprias idéias, supõe-lhes um coração como o
seu, imagina-as capazes, como ele, de generosidade, nobreza e grandeza.
Imagina que para agradar-lhes é preciso ter qualidades acima do vulgar.
Naturalmente tímido, exagera mais ao pé delas a sua insuficiência; o sentimento
de que lhe falta muito, torna-o desconfiado, indeciso, atormentado. Respeitoso
até à timidez, não ousa exprimir o seu amor em palavras; exala-o por meio de
uma não interrompida série de meigos cuidados, ternos respeitos e atenções
delicadas. Como nada quer à custa de uma indignidade, não se conserva
continuamente ao pé daquela que ama, não a persegue, não a fatiga com a sua
presença. Para interessá-la em suas mágoas, não toma ares sombrios e tristes;
pelo contrário, esforça-se por ser sempre bom, afetuoso e alegre junto dela.
Quando se retira da sua presença, é que mostra o que sofre, e derrama as suas
lágrimas em segredo.
O tolo, porém, não tem desses escrúpulos. A intrépida opinião que ele tem de si
próprio, o reveste de sangue frio e segurança.
Satisfeito de si, nada lhe paralisa a audácia. Mostra a todos que a ama, e solicita
com instância provas de amor. Para fazer-se notar daquela que ama, importuna-a, acompanha-a nas ruas, vigia-a nas igrejas e espia-a nos espetáculos. Arma-lhe laços grosseiros. À mesa, oferece-lhe uma fruta para comerem ambos, ou passa-lhe misteriosamente, com muito jeito, um bilhete de amores. Aperta-lhe a mão a dançar e saca-lhe o ramalhete de flores no fim do baile. Numa noite de partida, diz-lhe dez vezes ao ouvido: "Como é bela!", porquanto revela-lhe o instinto, que pela adulação é que se alcançam as mulheres, bem como se as perde, tal como acontece com os reis. De resto, como nos tolos tudo é superficial e exterior, não é o amor um acontecimento que lhes mude a vida: continuam como antes a dissipá-la nos jogos, nos salões e nos passeios.


IV


O amor, disse alguém, é uma jornada, cujo ponto de partida é o sentimento, e
cujo termo inevitável a sensação. Se é isto verdade, o que há a fazer, é embelecer a estrada e chegar o mais tarde possível ao fim. Ora, quem melhor do que o homem de espírito sabe parolar à beira do caminho, parar c colher flores, sentar-se às sombras frescas, recitar aventuras e procurar desvios e delongas?
Um caracol de cabelos mal arranjado, um cumprimento menos apressado que de costume, um som de voz discordante, uma palavra mal escolhida, tudo lhe é
pretexto para demorar os passos e prolongar os prazeres da viagem. Mas quantas mulheres apreciam esses castos manejos, e compreendem o encanto dessas paradas à borda de uma veia límpida que reflete o céu? Elas querem amor, qualquer que seja a sua natureza, e o que o tolo lhes oferece é-lhes bastante, por mais insípido que seja.


V


O homem de espírito, quando chega a fazer-se amar, não goza de uma felicidade completa. Atemorizado com a sua ventura, trata antes de saber por que é feliz! Pergunta por que e como é amado; se, para uma amante, é ele uma
necessidade, ou um passatempo; se ela cedeu a um amor invencível; enfim, se é ele amado por si mesmo. Cria ele próprio e com engenho as suas mágoas e
cuidados; é como o Sibarita que, deitado em um leito de flores, sentia-se
incomodado pela dobra de uma folha de rosa. Num olhar, numa palavra,
num gesto, acha ele mil nuanças imperceptíveis, desde que se trata de
interpretá-las contra si. Esquece os encômios que levemente o tocam, para
lembrar-se somente de uma observação feita ao menor dos seus defeitos
e que bastante o tortura. Mas, em compensação desses tormentos, há no seu
amor tanto encanto e delícias! Como estuda, como extrai, como saboreia as
volúpias mais fugitivas até a última essência! Como a sua sensibilidade especial
sabe descobrir o encanto das criancices frívolas, dos invisíveis atrativos, dos
nadas adoráveis!
O tolo é um amante sempre contente e tranqüilo. Tem tão robusta confiança nos
seus predicados, que antes de ter provas, já mostra a certeza de ser amado. E
assim deve ser. Em sua opinião faz uma grande honra à mulher a quem
dedica os seus eflúvios. Não lhe deve felicidade; ele é que lha dá; e
como tudo o leva a exagerar o benefício, não lhe vem à idéia de que se
possa ter para com ele ingratidões. Assim, no meio das alegrias do
amor, saboreia ainda a embriaguez da fatuidade. Mas como, em definitivo, é
ele próprio o objeto de seu culto, depressa o tolo se aborrece, e como o
amor para ele não é mais que um entretenimento que passa, os últimos favores,
longe de o engrandecerem mais, desligam-no pela sociedade.


VI


O homem de espírito vê no amor um grande e sério negócio, ocupa-se dele como do mais grave interesse de sua vida, sem distração, nem reserva. Pode perder nele algumas das suas qualidades viris, mas é para crescer em abnegação, em dedicação, em bondade. Suporta tudo daquela que ama sem nada exigir dela. Quando ela atende a alguns dos seus votos, quando previne
alguns dos seus desejos, longe de ensoberbecer-se, agradece com uma efusão
mesclada de surpresa. Perdoa-lhe generosamente todos os males que lhe causa
porque, muito orgulhoso para enraivecer-se ou lastimar-se, não sabe provocar,
nem a piedade que enternece, nem o medo que faz calar. Oh! que inferno, se
a má ventura lhe depara uma mulher bela e má, uma namoradeira fria de
sentidos, ou uma moça de rabugice precoce!
Sofre então vivamente com a perfídia da mulher amada, mas desculpa-a pela
fragilidade do sexo. A sua indulgência pode então conduzi-lo à degradação. Ele
segue a olhos fechados o declive que o arrasta ao abismo, sem que a
queixa, a ambição, a fortuna possam retê-lo.
O néscio escapa a estes perigos. Como não é ele quem ama, é ele quem domina.
Para vencer uma mulher finge por alguns momentos o excesso de desespero e de paixão; mas isso não passa de um meio de guerra, tática de cerco para enganar e seduzir o inimigo. Logo depois recobra ele a tirania, e não a abdica mais. Para entreter-se nisso, tem o tolo o seu método, as suas regras, a sua linha de conduta. É indiscreto por princípio, porquanto divulgando os favores que recebe, compromete a que lhe concede e ao mesmo tempo afasta as rivalidades nascentes. É suscetível pela razão, cioso por cálculo, a fim de promover estes proveitosos amuos, que lhe servem, a seu grado, para conduzir a uma ruptura definitiva, ou para exigir um novo sacrifício. Mostra uma cruel indiferença, indicando pouca confiança nas provas de simpatia que lhe dão. Num baile, proibindo à sua amante de dançar, não faz caso dela, de propósito. Aflige-a com aparências de infidelidade, falta à hora marcada para se encontrarem, ou,
depois de se ter feito esperar, vem, dando desculpas equívocas de sua

demora. Hábil em semear a inquietação e o susto, faz-se obedecer à força de
ser tirano, e acaba por inspirar uma afeição sincera à força de promovê-la.


VII


O homem de espírito, assustado com o vácuo imenso, que deixa no coração uma afeição que se perde, só rompe o laço que o prende à causa de dilacerações interiores.
Como bem se disse, sendo preciso um dia para conseguir, é preciso mil para se
reconquistar.
Mesmo no momento em que volta a ser livre: quantas vezes um sorriso, um
meneio de cabeça, uma maneira de puxar o vestido, ou de inclinar o chapelinho
de sol, não o faz recair no seu antigo cativeiro!
De resto, a mulher, a quem ele tiver revelado o segredo do seu coração, ficará
sempre para ele como ser à parte. Não a esquece nunca.
Morta, ou separado, nutre por aquela que a perdeu longas saudades. Perseguido
pela lembrança que dela conserva, descobre muitas vezes que as outras mulheres por quem se apaixona só têm o mérito de se parecerem com ela. Dá-se ele então a comparações que o desvairam, que o irritam, que o põem fora de si, exigindo no seu trajar, no seu andar e até no seu falar alguma coisa que lhe recorde o seu implacável ideal.
E se é ele o abandonado, que de torturas que sofre!
Viver sem ser amado parece-lhe intolerável. Nada pode consolá-lo ou distraí-lo.
No caso de tornar a ver os sítios que foram testemunhas da sua felicidade, evoca à sua memória mil circunstâncias perseverantes e cruéis. Ali está a cerca cheirosa, cujos espinhos rasgaram o véu da infiel; aqui, o rio que a medrosa só
ousava atravessar amparada pela sua mão; além está a alameda, cuja areia
fina parece ter ainda o molde de seus ligeiros passos. Contempla na janela as
longas e alvas cortinas, no peitoril os arbustos em flor, na relva a mesa, o banco, as cadeiras em que outrora se sentaram.
É possível que ela tenha mudado tão de repente? Pois não foi ainda
ontem que de volta de um passeio ao bosque, lhe enxugou o suor da testa, e que se prendia em doce e estranho amplexo?...
Hoje, nem mais doçuras, nem mais apertos de mão, nem mais dessas horas
ébrias em que todo o passado ficava esquecido! Ele está só, entregue a si mesmo, sem força, sem alvo: é o delírio do desespero.
O tolo está acima dessas misérias. Não o assusta um futuro prenhe de qualquer
inquietação aflitiva. Sempre acobertado pela bandeira da inconstância, desfaz-se
de uma amante sem luta, nem remorsos; utiliza uma traição para voar a novas
aventuras. Para ele nada há de terrível em uma separação, porque nunca supõe
que se possa colocar a vida numa vida alheia, e que fazendo-se um hábito dessa comunidade de existência, faz-se pouco novamente sofrer, quando ela tiver de quebrar-se.
Da mulher, que deixa de amar, ele só conserva o nome, como o veterano
conserva o nome de uma batalha para glorificar-se, ajuntando-o ao número das
suas campanhas.


VIII


Há uma época em que custa-se muito a amar. Tendo visto e estudado um pouco a mulher, adquire-se uma certa dureza que permite aproximar-se sem perigo das mais belas e sedutoras. Confessa-se sem rebuço a admiração que elas inspiram, mas é uma admiração de artista, um entusiasmo sem ternura. Além disso, ganha-se uma penetração cruel para ver, através de todos os artifícios de casquilha, o que vale a submissão que elas ostentam, a doçura que afetam, a ignorância que fingem. E prenda-se um homem nessas condições!
De ordinário, é entre trinta a trinta e cinco anos, que o coração do homem de
espírito fecha-se assim à simpatia e começa a petrificar-se. É possível que
nele tornem a aparecer os fogos da mocidade, e que ele venha a sentir um
amor tão puro, tão fervente, tão ingênuo como nos frescos anos da adolescência; longe de ter perdido as perturbações, as apreensões, os transportes da alma amorosa, sente-os ele de novo com emoção mais profunda e dá-lhes um preço tanto mais elevado, quanto ele está certo de não os ver renascer.
Oh! então lastima-se o pobre insensato! Ei-lo obrigado a ajoelhar-se aos pés de
uma mulher para quem é nada o mérito de caminhar pouco e pouco atrás de
sua sombra, de fazer exercício em torno aos seus vestidos, de se extasiar
diante de seus bordados, de lisonjear os seus enfeites. Ai, triste! esses longos
suplícios o revoltam, e, Pigmalião desesperado, afasta-se de Galatéia,
cujo amor se não pode reanimar.
Esses sintomas de idade são desconhecidos ao tolo, porquanto cada dia que
passa não lhe faz achar no amor um bem mais caro, ou mais difícil a
conquistar. Não tendo sido, nem melhorado, nem endurecido pelos reveses da
vida, continuando a ver as mulheres com o mesmo olhar, exprime-lhes os seus
amores com as mesmas lágrimas e os mesmos suspiros que lhes reserva para
pintar os antigos tormentos. E como ele só exigiu sempre delas aparências de
paixão, vem facilmente a persuadir-se que é amado. Longe de fugir, persevera e
— triunfa.


IX


O homem de espírito é o menos hábil para escrever a uma mulher.
Quando se arrisca a escrever uma carta, sente dificuldades incríveis. Desprezando o vasconço da galanteria, não sabe como se há de fazer entender. Quer ser reservado e parece frio; quer dizer o que espera e indica receio; confessa que nada tem para agradar, e é apanhado pela palavra. Comete o crime de não ser comum ou vulgar. As suas cartas saem do coração e não da cabeça; têm o estilo simples, claro e límpido, contendo apenas alguns detalhes tocantes. Mas é exatamente o que faz com que elas não sejam lidas, nem compreendidas. São cartas decentes, quando as pedem estúpidas.
O tolo é fortíssimo em correspondência amorosa, e tem consciência disso. Longe
de recuar diante da remessa de uma carta, é muitas vezes por aí que ele
começa. Tem uma coleção de cartas prontas para todos os graus de paixão.
Alega nelas em linguagem brusca o
ardor de sua chama; a cada palavra repete:meu anjo, eu vos adoro. As suas fórmulas são enfáticas e chatas; nada que
indique uma personalidade. Não faz suspeitar excentricidade ou poesia; é
quanto basta; é medíocre e ridículo, tanto melhor. Efetivamente o estranho que
ler as suas missivas, nada tem a dizer; na mocidade o pai da menina escrevia
assim; a própria menina não esperava outra coisa. Todos estão satisfeitos, até os 
amigos. Que querem mais?


X


Enfim, o homem de espírito, em vista do que é, inspira às mulheres uma
secreta repulsa. Elas se admiram com o ver tímido, acanham-se com o
ver delicado, humilham-se com vê-lo distinto.
Por muito que ele faça para descer até elas, nunca consegue fazê-las perder o
acanhamento; choca-as, incomoda-as, e esse acanhamento, de que ele é causa,
torna frias as conversações mais indiferentes, afasta a familiaridade e assusta a
inclinação prestes a nascer.
Mas o tolo não atrapalha, nem ofusca as mulheres. Desde a primeira entrevista,
ele as anima e fraterniza-se com elas. Eleva-se sem acanhamento nas conversas mais insulsas, palra e requebra-se como elas. Compreende-as e elas o compreendem. Longe de se sentirem deslocadas na sua companhia, elas a
procuram, porque brilham nela. Podem diante dele absorver todos os assuntos e
conversar sobre tudo, inocentemente, sem conseqüência. Na persuasão de que
ele não pensa melhor, nem contrário a elas, auxiliam o triste, quando a idéia lhe
falta, suprem-lhe a indigência. Como se fazem valer por ele, é justo que lhe
paguem, e por isso consentem em ouvi-lo em tudo. Entregam-lhe assim os seus
ouvidos, que é o caminho do seu coração, e um belo dia admiram-se de ter
encontrado no amigo complacente um senhor imperioso!


XI


Compreende-se, por este curto esboço, como e quanto diferem os tolos e os
homens de espírito nos seus meios de sedução. A conclusão final é, que os tolos
triunfam, e os homens de espírito falham, resultado importante e deplorável,
nesta matéria sobretudo.


XII


Depois de ter indagado as causas da felicidade dos tolos, e da desgraça dos
homens de espírito: perderemos tempo precioso em acusar as mulheres? Não
hesitamos em deitar as culpas sobre os homens de espírito, como fez o profundo Champcenets.
Por que não estudam os tolos, diz-lhes este autor, para conseguir imitá-los? Há de custar-vos muito fazer um tal papel: mas há proveito sem desar? E depois,
quando assim sois a isso obrigado, visto como não vos dão outro meio de
solução, querer subtrair o belo sexo a império dos tolos, descortinando-lhe a
perversidade do seu gosto, é coisa em que ninguém deve pensar, é uma loucura; fora o mesmo que querer mudar a natureza, ou contrariar a fatalidade.
Porquanto, ficai sabendo, continua Champcenets, que as mulheres não são
senhoras de si próprias; que nelas tudo é instinto ou temperamento, e que
portanto elas não podem ser culpadas de suas preferências. Só respondemos pelo que praticamos com intenção e discernimento. Ora, qual delas pode dizer que predileção a impele, que paixão a obriga, que sentimento a faz ingrata, ou que vingança lhe dita as malignidades? Debalde procurareis delas tão cruel prodígio; nenhuma é cúmplice do mal que causa: a este respeito, o seu estouvamento atesta-lhes a candura.

Por que vos obstinais em pedir-lhes o que a Providência não lhes deu? Elas se
apresentam belas, apetitosas e cegas: não vos basta isto? Querê-las com juízo,
penetrantes e sensíveis, é não conhecê-las.
Procurai as mulheres nas mulheres, admirai-lhes a figura elegante e flexível,
afagai-lhes os cabelos, beijai-lhes as mãos mimosas; mas tomai como um
brinquedo o seu desdém, aceitai os seus ultrajes sem azedume, e às suas cóleras mostrai indiferença. Para conquistar esses entes frágeis e ligeiros, é preciso atordoá-los pelo rumor dos vossos louvores, pelo fasto do vosso vestuário, pela publicidade das vossas homenagens.


XIII


Sim, sim, é mister ousar tudo para com as mulheres.

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