segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Robespierre e seu executor - Luis Fernando Verissimo



Maximilien Marie Isidore de Robespierre foi um dos líderes da Revolução
Francesa. Chamado de “O Incorruptível”, foi o principal teórico e porta-voz dos jacobinos, a  facção mais radical dos revolucionários, em oposição aos girondinos, mais moderados. Exigiu o guilhotinamento do rei e da rainha e instalou o “Terror”, que liquidou opositores da Revolução, ou apenas suspeitos de se oporem à Revolução, numa orgia de sangue que não poupou nem seu
ex-companheiro Danton (o Trotsky para o seu Stalin, numa analogia um pouco forçada). Pouco depois da execução de Danton, o próprio Robespierre foi preso por seus inimigos girondinos e condenado à morte. Na mesma guilhotina.
Imaginemos que na véspera da sua execução, Robespierre recebe na cela a visita de um verdugo oficial. Que se apresenta:
— Louis-Phillipe Affilè.
— Enchantê.
— Seu admirador.
— Muito obrigado.
— Foi por sua causa que entrei para o serviço público. Foi ouvindo seus discursos que me decidi a servir a Revolução.
— A Revolução agradece.
— Sou obrigado a fazer esta visita, antes de cada execução. Para, por assim dizer, preparar o terreno...
— Você quer dizer, a minha nuca.
— Também devo medir a sua cabeça, para saber o tamanho do cesto. O farei com a devida reverência. É a cabeça mais brilhante da República.
— Esteja à vontade. Minha cabeça não pertence mais à República. A República não a quis mais. Na verdade, minha cabeça já pertence a você.
— O senhor prefere raspar a nuca?
— Como foi com o Danton?
— Ele disse que uma navalha antes da lâmina da guilhotina seria uma apoteose do supérfluo.
— Ah, as frases do Danton. Ele foi o mais frívolo de nós dois. Se contentava em fazer frases.
Eu queria fazer História.
— Maria Antonieta pediu para manter todo o seu cabelo. Disse que era por razões sentimentais. Sentia-se muito apegada a ele.
— Você também foi o executor da Maria Antonieta?
— Sim. Foi no meu turno. Nós os verdugos não temos tido descanso. O senhor nos dá muito trabalho. Ou nos dava...
— Tudo pela Revolução.

— Eu sei. É por isso que mantenho este emprego, apesar das lamúrias dos condenados, das ofertas de propina... Tudo pela Revolução.
— O Danton e a Maria Antonieta ofereceram propina para não serem guilhotinados?
— O Danton não. A Maria Antonieta sim. Uma fortuna. Resisti. Também sou incorruptível. Inspirado no senhor.
— E se eu lhe oferecesse uma fortuna para me ajudar a fugir?
O verdugo fica em silêncio. Depois sorri.
— Eu diria que o senhor está me testando. Para saber se minha admiração pelo senhor é sincera. E se eu sou mesmo incorruptível, como o senhor.
— E se eu insistisse na oferta?
— Então todas as minhas ilusões ruiriam. Minha admiração pelo senhor desapareceria e eu não acreditaria em mais nada. Nem na Revolução.
— Situação interessante — diz Robespierre.
— Para continuar me admirando, você precisa me matar.
Silêncio. O verdugo pergunta:
— Foi um teste, não foi?
— Claro — diz Robespierre.
— E então, vamos raspar a nuca?
— Só uma aparadinha, para o corte da lâmina ser limpo.
 




Aguilar e Banda Performática



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