Os três lado a lado no avião. A mulher no meio. Não se conhecem. As primeiras escaramuças por espaço. A mulher se posicionando, estabelecendo seu perímetro. Vou botar meus cotovelos aqui para eles botarem os deles atrás, assim na hora da comida a vantagem é minha. Esse a minha direita senta com as pernas abertas, se encostar o joelho na minha perna, eu... Iiiih, já está se preparando para dormir. Melhor. Assim ele não come. Menos um cotovelo na briga. E este aqui? Quanto tempo até ele puxar conversa? Já me examinou bem, nem disfarçou. Deve ser do tipo que...
– Quer um jornal?
Menos tempo do que eu esperava, pensou a mulher.
– Não, obrigada.
– São apertados estes bancos, né?
– Horríveis.
– Vai pra Lisboa?
– Vou.
– Que pergunta cretina! Se não fosse, não estaria nesse avião, não é mesmo? Eliseu.
A mulher levou algum tempo para entender que Eliseu era o nome dele.
Depois, para horror da mulher, ele contou que estava indo a Lisboa para enterrar a mãe. Ela ficou em pânico. Pensou em aceitar o jornal, para interromper a conversa. Qualquer coisa para evitar os detalhes.
– Sinto muito.
– O que vai-se fazer? É a vida.
A mulher concordou que era a vida. Eliseu pareceu se consolar com isso e mudou de assunto. Quando serviram as bandejas com o jantar, ele já tinha contado tudo a seu respeito.
*
A mulher nem desconfiava que alguém pudesse fazer carreira em o que mesmo? Interruptores. Eliseu precisou levantar a bandeja e a mesinha à sua frente, ameaçando derramar Coca Light nela, para tirar da carteira um cartão com o nome dele e, embaixo, “Interruptores”. Para ela acreditar.
Eliseu comeu tudo da sua bandeja e mais a sobremesa que ela não quis, repetiu sua Coca Light, deu um arroto que ele mesmo recebeu com um “Eliseu!”, como se fosse a sua própria mãe rediviva, e perguntou:
– Você tem algum programa para esta noite?
A mulher, incrédula:
– Mas hoje não é o enterro da sua mãe?
– Que mãe? Ah, não. O enterro vai ser às cinco. Às cinco e meia deve estar tudo liquidado. A gente pode jantar e...
– Não!
– Epa.
Carlinhos se assustou com o tom do “não”.
– E tem outra coisa – disse a mulher.
– O quê?
– Você só soube que sua mãe tinha morrido esta madrugada, certo?
– É...
– Só comprou a passagem esta manhã.
– Foi... Comprei no aeroporto.
– Então como é que eu, que reservei há uma semana, estou no meio e você está na ponta?
– Sei lá.
– Pois é.
Os dois ficaram em silêncio, Eliseu olhando para ela e ela olhando para a frente. Finalmente, Eliseu falou:
– Quem sabe só um drinque?
– NÃO!
Eliseu não disse mais nada, pelo resto da viagem. Só dormiu e roncou. Mas o homem do outro lado da mulher, fingindo que dormia, não parava de encostar o joelho na sua coxa.
– Ó raça – pensou a mulher.
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