Angelo Abu/Folhapress
Minha oposição ao autoritarismo começa por ser estética. Sempre
foi. Teria uns 13 ou 14 anos quando despertei para o mundo sórdido da política.
E as minhas perguntas eram recorrentemente as mesmas: como é possível que um
povo inteiro possa aplaudir e admirar palhaços torpes como Hitler ou Mussolini?
Como levar a sério os seus gestos, as suas poses? Será que as pessoas não veem
o ridículo que existe nesses líderes, antes mesmo de escutarmos as suas ideias?
Charles
Chaplin tratou do assunto em "O Grande
Ditador", filmando o nosso Adolf e o nosso Benito em competição
fálica. O filme, mais que uma sátira fantasiosa, era profundamente realista aos
meus olhos.
Como
seria realista uma sátira igual sobre o pequeno Kim da Coreia do Norte ou
até sobre o Maduro venezuelano. Antes de serem antidemocratas, todos eles são
personagens grotescos que divertem e horrorizam em partes iguais.
Moral
da história: há diretores que procuram retratar a psicopatia política recriando
esse estado de medo e desumanidade por artifício artístico. Nunca assisto a
esses filmes "sérios" porque existe algo de ofensivo neles: qualquer
tentativa de aproximação à verdade é sempre uma confissão de impossibilidade. O
"kitsch" é o destino mais comum.
Só
aguento filmes sobre a natureza do totalitarismo em tom pícaro. Primeiro, porque
a melhor forma de retratar o horror extremo é pela hilaridade extrema: só o
absurdo faz justiça ao absurdo. Segundo, porque uma sátira é sempre mais eficaz
como denúncia desse horror do que qualquer sermão solene.
"A
Morte de Stálin", disponível em DVD pela Amazon britânica, é o melhor
exemplo dessa eficácia. Como o título indica, o filme escrito e dirigido pelo
impagável Armando Iannucci (o criador de "The Thick of It" e "Veep")
apresenta-nos a morte do "Pai dos Povos" e a luta pela sua sucessão.
Corria
1953. O grande camarada tombava, inanimado, nos seus aposentos reais. O comité
central reúne-se de emergência e, a medo, sugere que alguém chame um médico. Só
existe um problema: os melhores médicos do país foram fuzilados ou estão no
gulag. Que fazer?
Arranjam-se
clínicos de segunda categoria que atestam o derrame cerebral e, dias depois, a
morte de Stálin. O comitê chora (de alegria, obviamente). E começa a luta pela
sucessão. Quem será o próximo timoneiro? Beria? Nikita Khrushchov? Malenkov?
A
ambição reina, incontrolável. E, com a ambição, vêm novos complôs: para afastar
Beria e Malenkov —e para colocar no trono Khrushchov.
Armando
Iannucci começa por acertar no respeito pelos fatos: não existe boa sátira sem
um contato firme com a realidade.
Em
"A Morte de Stálin", é possível assistir ao vaudeville e encontrar um
país devastado pelo medo; pelo terror arbitrário; por filhos que denunciam os
próprios pais; por uma população que chora voluntariamente a morte de Stálin,
mesmo que Stálin seja o responsável último por haver membros da família
fuzilados ou enviados para o Gulag.
A
grande diferença é que Iannucci filma tudo isso sem nunca "embelezar"
esteticamente os fatos com pretensão pedagógica.
Pelo
contrário: como qualquer grande satirista, ele limita-se a deixar o absurdo
respirar, levando o caos da situação até aos limites mais cômicos e
insuportáveis.
O
mesmo acontece com os personagens centrais: Stálin, na sua vulgaridade de
delinquente georgiano; Beria, o afamado torturador e pedófilo que chefiava a
polícia política; Malenkov, figura patética e covarde, que reinou brevemente
depois da morte de Stálin; e, claro, Khrushchov, um pragmatista e conspirador
grosseiro. Todos eles são simultaneamente assustadores e hilariantes porque
assustadora e hilariante era a realidade paralela em que viviam.
Como
o próprio diretor explicou à revista "Prospect", só temos duas
soluções perante o regime comunista: rir ou gritar.
Ou,
então, censurar: na Rússia de Putin, o filme foi proibido pelo governo depois
de vários artistas terem pedido intervenção do ministério da Cultura. A obra,
nas palavras da "intelligentsia", ofende a história da Mãe Rússia e
alguns dos seus "heróis". O ministério agiu em conformidade.
Confere.
Anos atrás, Vladimir Putin declarou que o fim da União Soviética foi a maior
tragédia do século 20. Para que essa mentira e esse mito sobrevivam, é preciso
não ter sentido do ridículo.
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