As Várias Faces da Mentira - Flávio Gikovate
Há um momento na vida
em que, graças ao domínio de mecanismos sofisticados da inteligência,
aprendemos a mentir.
Mentimos jogando com as
palavras, contendo gestos, assumindo posturas convenientes – e das quais
discordamos – para aliviar tensões. Tentamos esconder aquele traço da nossa
personalidade que não nos agrada assumindo uma maneira de ser mais apropriada.
São tantas as
possibilidades de escamotear a verdade que o mais prudente seria olhar o ser
humano com total desconfiança – pelo menos até prova em contrário.
Ainda que sentir medo e
insegurança faça parte da natureza humana, fingimos que tudo está sob controle
e que nada nos abala para ocultar nossa fragilidade. Acreditando no que veem,
os outros passam a se comportar como se também não sentissem medo.
Mentem para não
parecerem frágeis e inferiores diante daqueles que julgam fortes. Nesse teatro
diário, alimentamos o círculo vicioso da dissimulação. Minto para impressionar
você, que me impressionou muito com aquele jeito fingido de ser – mas que me
pareceu genuíno.
Não seria mais fácil se
todos admitíssemos que não somos super-heróis e que não há nada que nos proteja
das incertezas do futuro?
Em geral, quem não
aceita o próprio corpo evita praias e piscinas. Diz que não gosta de sol,
quando, na verdade, não tem estrutura para mostrar publicamente aquilo (a
gordura, a magreza ou qualquer outra imperfeição) que abomina.
É o mesmo mecanismo
usado pelos tímidos, que não se entusiasmam muito por festas e locais públicos.
Em casa, não precisam expor sua dificuldade de se relacionar com desconhecidos.
Temos muito medo de nos
sentirmos envergonhados, de sermos alvos de ironias que ferem nossa vaidade.
É para não correr esse
risco que muita gente muda de cidade depois de um abalo financeiro. Melhor ser
pobre e falido (e encontrar a paz necessária para reconstruir a vida) onde
ninguém nos conheceu ricos e bem-sucedidos!
Até aqui me referi às
posturas de natureza defensiva, que servem de armadura contra o deboche, as
críticas e o julgamento alheio.
Há, no entanto, um tipo
perverso de falsidade: a premeditada. Pessoas dispostas a se dar bem costumam
vender uma imagem construída sob medida para tirar vantagem.
Um homem extrovertido e
aparentemente seguro, independente e forte pode ter criado esse estereótipo
apenas para cativar uma parceira romântica. Depois de conquistá-la, revela-se
inseguro, dependente e egoísta.
Mulheres sensuais podem
se comportar de maneira provocante para despertar o desejo masculino – e
sentir-se superiores aos homens. Vendem uma promessa de intimidade física
alucinante que raramente cumprem, pois são, em geral, as mais reprimidas
sexualmente. O apelo erótico funciona como atalho para os objetivos de ordem
material que pretendem alcançar.
Não há como deixar de
apontar a superioridade moral daqueles que mentem por fraquezas quando
comparados aos que obtêm vantagens com sua falsidade.
O primeiro grupo
poderia se distanciar ainda mais do segundo, se acordasse para uma verdade
óbvia e fácil de enfrentar: aquele que me intimida é tão falível e frágil
quanto eu.
E – nunca é demais
lembrar –, para ele, eu sou o outro que tanto lhe mete medo.
A prepotência do mentiroso - Fabrício Carpinejar
É muito fácil desmascarar o mentiroso. Quando pego em contradição, fica possesso e indignado. Ataca para não se ver atacado. Distrai a atenção com o escândalo.
Todo mentiroso é um canastrão, gesticula sem necessidade, abraça o ar até sufocá-lo, tem as bochechas vermelhas de ódio, transforma companheiros de longa data em inimigos, delata os afetos para adquirir imunidade.
Todo mentiroso esperneia e se movimenta de modo frenético. Em vez de ter humildade e desfazer tranquilamente o engano, fica mais prepotente e não deseja dar satisfações. Sai de cena bufando, volta à cena aos gritos. Bate à porta, empurra a cadeira, os objetos sofrem à sua volta.
Todo mentiroso ameaça, como um profeta de rua. Antecipa o apocalipse por tê-lo posto à prova. Já começa a inventar castigos e reprimendas como o fim da amizade e o término da relação. Prefere acabar a confessar.
Todo mentiroso não se desculpa. Pelo contrário, imagina o acusador pedindo perdão de joelhos pelo mal-entendido.
Todo mentiroso se projeta numa vaga de emprego, não parando de se elogiar, destacando os seus pontos positivos, sublinhando a sua honradez e ética na tomada de decisões.
Todo mentiroso nega e nega e nega: vai soletrando não antes mesmo de ser questionado.
Todo mentiroso conversa sozinho: não escuta nada, pergunta e responde, num júri imaginário. Ocupa, simultaneamente, os papéis de advogado de defesa, promotor e juiz.
Seu primeiro movimento é desqualificar a pessoa que o colocou em dúvida. Poderia desmontar a mentira, mas leva para o lado pessoal e ofende o outro, insinuando uma perseguição.
Não apresenta argumentos, muito menos detalha o ocorrido. Diz inicialmente que é um absurdo a falta de confiança. Tenta entrar no jogo psicológico dos atenuantes, lembrando que se conhecem há tempo e não merecia tamanha desconsideração. Implicará com a lealdade, falando que jamais esperava ser agredido com um golpe baixo. Desmerece a curiosidade e a caracteriza como prova de mais alta traição.
Todo mentiroso não quer perder tempo conversando, mas tampouco cala a boca. Como não convence com fatos, depois age como um psiquiatra. Cria diagnósticos, despeja receitas, acumula distorções, estabelece sintomas de paranoia. Fará de tudo para provar que tudo é uma loucura e que todos estão doidos, menos ele.
Todo mentiroso é igual. Abomina a lógica e recusa as provas. Não entende que a inocência não se prova.
Os sinais são evidentes. Quem não tem razão se sente cheio de razão. Quem tem razão não se sente intimidado com o erro. A verdade é calma e curta. A mentira é penosa e aflitiva.
A verdade é um atalho. A mentira é o caminho mais longo e sempre passa pelo ataque de nervos.
Todo mentiroso é um canastrão, gesticula sem necessidade, abraça o ar até sufocá-lo, tem as bochechas vermelhas de ódio, transforma companheiros de longa data em inimigos, delata os afetos para adquirir imunidade.
Todo mentiroso esperneia e se movimenta de modo frenético. Em vez de ter humildade e desfazer tranquilamente o engano, fica mais prepotente e não deseja dar satisfações. Sai de cena bufando, volta à cena aos gritos. Bate à porta, empurra a cadeira, os objetos sofrem à sua volta.
Todo mentiroso ameaça, como um profeta de rua. Antecipa o apocalipse por tê-lo posto à prova. Já começa a inventar castigos e reprimendas como o fim da amizade e o término da relação. Prefere acabar a confessar.
Todo mentiroso não se desculpa. Pelo contrário, imagina o acusador pedindo perdão de joelhos pelo mal-entendido.
Todo mentiroso se projeta numa vaga de emprego, não parando de se elogiar, destacando os seus pontos positivos, sublinhando a sua honradez e ética na tomada de decisões.
Todo mentiroso nega e nega e nega: vai soletrando não antes mesmo de ser questionado.
Todo mentiroso conversa sozinho: não escuta nada, pergunta e responde, num júri imaginário. Ocupa, simultaneamente, os papéis de advogado de defesa, promotor e juiz.
Seu primeiro movimento é desqualificar a pessoa que o colocou em dúvida. Poderia desmontar a mentira, mas leva para o lado pessoal e ofende o outro, insinuando uma perseguição.
Não apresenta argumentos, muito menos detalha o ocorrido. Diz inicialmente que é um absurdo a falta de confiança. Tenta entrar no jogo psicológico dos atenuantes, lembrando que se conhecem há tempo e não merecia tamanha desconsideração. Implicará com a lealdade, falando que jamais esperava ser agredido com um golpe baixo. Desmerece a curiosidade e a caracteriza como prova de mais alta traição.
Todo mentiroso não quer perder tempo conversando, mas tampouco cala a boca. Como não convence com fatos, depois age como um psiquiatra. Cria diagnósticos, despeja receitas, acumula distorções, estabelece sintomas de paranoia. Fará de tudo para provar que tudo é uma loucura e que todos estão doidos, menos ele.
Todo mentiroso é igual. Abomina a lógica e recusa as provas. Não entende que a inocência não se prova.
Os sinais são evidentes. Quem não tem razão se sente cheio de razão. Quem tem razão não se sente intimidado com o erro. A verdade é calma e curta. A mentira é penosa e aflitiva.
A verdade é um atalho. A mentira é o caminho mais longo e sempre passa pelo ataque de nervos.
Verdades e Mentiras (playlist)
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