Uma manhã de inverno, ao sair de casa, em Turim,
Nietzsche viu um camponês espancando seu cavalo numa piazza da cidade.
Compadecido, o filósofo atirou-se sobre o homem, arrancou-lhe o chicote das
mãos e o expulsou aos gritos.
Em seguida, dependurou-se no pescoço do cavalo e pôs-se
num choro convulso. Transeuntes acudiram-no quando desmaiou de emoção. Levado
de volta para seu quarto, Nietzsche acordou depois de alguns minutos e começou
a balbuciar frases sem sentido. Havia enlouquecido. Viveu ainda mais 10 anos e
não recuperou a razão.
Esse episódio do cavalo de Turim é bastante famoso, foi
até feito um filme a respeito. As pessoas se espantavam: que força comportou
aquela cena, capaz de dissolver a sanidade de um dos maiores filósofos de todos
os tempos.
A verdade é que Nietzsche já vinha apresentando sinais de
demência. Na véspera do dia do colapso, a senhoria do seu apartamento em Turim
ouviu ruídos estranhos vindos do quarto que ele habitava. Foi investigar e,
abelhuda como toda senhoria, resolveu espiar pelo buraco da fechadura.
Espantadíssima, viu Nietzsche dançando nu.
Antes disso, o filósofo lançou um de seus últimos livros,
Ecce Homo, com capítulos encimados por títulos como: “Por que sou tão sábio”,
“Por que sou tão inteligente” e “Por que escrevo tão bons livros”.
Era a loucura que lhe galopava cérebro adentro.
Mesmo assim, mesmo estando ele a enlouquecer
progressivamente, não se pode subestimar o poder da cena do espancamento do
cavalo de Turim. Houve algo ali que foi tão comovente, que tocou com tal
profundidade a alma de Nietzsche, a ponto de abrir em sua mente as comportas
para a torrente da loucura. É assombroso, porque se trata de Nietzsche, o
filósofo inclemente do Além-do-Homem, que escreveu em Assim Falou Zaratustra:
“Onde se fizeram mais loucuras na Terra do que entre os
compassivos, e que foi que mais causou prejuízos à Terra do que a loucura dos
compassivos? Pobres dos que amam sem estar acima da sua piedade! (...)
Livrai-vos, pois, da sua piedade!”.
Nietzsche pregava aos homens que se livrassem da sua
piedade e ele próprio enlouqueceu de piedade.
Por causa de um cavalo, não de um homem.
Agora, revendo os relatos das torturas sofridas pelas
vítimas do regime militar, gente que foi seviciada com selvageria, que apanhou
até morrer, lendo esses relatos levantados pela Comissão da Verdade, fico
pensando nos homens que assistiam a essas sessões de barbárie.
Como conseguiam? Como não se deixavam tocar ao
testemunhar moças e rapazes sofrendo nas mãos de carrascos? Não tinham
compaixão, não tinham piedade, não tinham, portanto, humanidade. Ou
enlouqueceriam de horror, como um dia o filósofo enlouqueceu.
Meu amigo Nietzsche - curta metragem - Fáuston da Silva
Nietzsche em quadrinhos
Nietzsche em HQ - Michel Onfray
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