A transformação era assustadora. Meu amigo levava uma vida
de tal modo desregrada que chamá-lo de punk seria uma ofensa a essa comunidade.
De repente, o encontro banhado, barbeado, correndo na rua de manhã cedo. Já
tinham me dito que ele não fumava nem bebia mais, e que drogas eram coisa do
passado. Agora não acreditava nos meus olhos.
Milagres e conversões acontecem, a questão é: por quê? Como
a curiosidade mata e tenho intimidade fui perguntar. A resposta foi direta: eu
morri. Depois entrou nos detalhes. No óbito estava junto com amigos médicos que
não praticam os conselhos que dão aos pacientes. Bebiam todas e ele,
repentinamente, caiu duro no chão do restaurante. Foi ali mesmo que a perícia
dos amigos o resgatou da morte.
De qualquer forma ficou morto por uns minutos, o suficiente
para passar para o lado de lá, e pegar como as coisas funcionam no além.
Resumindo: ele foi direto ao inferno, e embora ficasse pouquíssimo tempo, como
o tempo lá é diferente, entendeu toda a lógica.
Primeira coisa que me diz: esqueça todas essa balelas de
chamas e labaredas. Existem novas diretrizes e isso mudou. É um clima bom,
melhor que o de Porto Alegre. O problema é a rotina. Quando você chega teu
inferno já está pronto, o que você vai fazer, onde vai comer, com quem reparte
o quarto, enfim, as coisas práticas. É tudo organizado e sem erros. Cada um
ganha uma plaquinha com o nome e já sai com a roupa destinada. Nada de
uniforme, o vestuário também é personalizado, ele por exemplo saiu de terno,
gravata e sapato desconfortável.
A comida eram várias opções de arroz integral, leite de soja
e tofu. Mas antes que alguém se encante com esse cardápio vou avisando: se você
aqui come isso, lá vai ser torresmo e dobradinha. Entenderam a lógica?
Outro exemplo, meu amigo disse que sua TV era BBB onde todos
eram evangélicos. Futebol só reprise das campanhas do seu Grêmio, mas
Brasileirão de 1991 e 2004. Se ele desligasse a TV automaticamente ligava o
rádio com música natalina e vice-versa. Mas o detalhe que o desesperou: sua
cota de álcool era saquê, um copinho, em cada Carnaval de ano bissexto, e só.
Claro que lá ele tinha uma esposa, ela nunca parava de falar e fazia faxina dia
e noite. O que ele não chegou a entender é se ela era apenada, e aguentá-lo
fazia parte, ou era apenas uma sádica avulsa. De qualquer forma, sua conversão
a uma vida saudável tinha raízes bem firmes.
Enfim, o que devemos reter da experiência é que o medonho,
em sua infinita criatividade, desenhou um inferno para cada ser humano. Como
será o seu?
Nenhum comentário:
Postar um comentário